Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

domingo, 30 de novembro de 2008

A espera do milagre

Dos trinta e cinco anos vividos, vinte e cinco ela passou sem colocar uma gota de refrigerante na boca por pensar que as borbulhas pudessem embebedá-la. Quando, pela primeira vez, ela experimentou o refrigerante, receosa da embriaguez, a sensação de frescor na garganta não lhe trouxe alívio, e, demasiadamente exagerada, mais do que o medo de perder, alcoolizada, a consciência, ela teve medo de perder a própria vida, pois a acidez da bebida a fez pensar que estava sendo envenenada.
As ilusões perdidas no decorrer da vida são tantas que, malmente, poucas guardamos; algumas nos marcam e por um longo tempo a trazemos na lembrança, porém, corriqueiramente, as esquecemos sem perceber, mas outras nem tanto. A da embriaguez que poderia ser provocada pelas borbulhas do refrigerante, ela traz consigo até hoje; assim não é com a ilusão de amar, de ser feliz, de suceder bem em família como no trabalho, estas, ela perdeu há muito tempo. Contudo ela tinha uma característica que a distinguia das outras mulheres, a de mascarar as suas dores, a de esconder os seus sentimentos, criando em torno de si uma barreira intransponível; quem a visse não perceberia que toda aquela felicidade transparente, aparentemente verdadeira, era uma forma de defesa para escamotear todo o seu sofrimento. Como ela conseguia e o porquê, somente ela sabia.
Dos quarenta anos vividos por ele, ela perdeu a conta de quantas vezes ele colocou álcool na boca somente pelo prazer de se embriagar. Das vezes, trincado, socando, pelo fundo, a garrafa com a palma da mão na tentativa de que caísse uma gota de cerveja, desesperado ao divisar a gota vindo, despregando das bordas do gargalo com a intenção de atingir o chão, ele se jogava de boca aberta esperando, ansioso, que este último gole lhe escorresse pelos lábios, aguçasse a língua salivando-a, molhasse a garganta e saciasse a sua vontade. Como sempre, para todo viciado, exceder-se no vício nunca é o suficiente. Nunca satisfeito, ele ia amontoando garrafas vazias, uma sobre as outras, embebido de desespero por seu vício não ter sido saciado por completo, e devido a todo esse esforço, corpo em feridas, alma desequilibrando no vazio de si, despossuído de forças para se manter em pé, ele se mantinha, sem nenhuma noção do que estava fazendo, ziguezagueando pela rua até alcançar o bar mais próximo, trazendo a sacola empanturrada de garrafas de cerveja, desequilibrando devido ao peso, chegando ao seu destino final. E, assim, em casa, continuadamente, ele passava o dia, varando a noite até desmaiar de bêbedo em estado de coma alcoólica. Portanto, das vezes que isso acontecia, e eram muitas, ela chorava desesperada, porém não perdia a fisionomia de felicidade estampada no rosto. Era, pois, nela que seu filho espelhava. Era, pois, no seu colo que seu filho achava chão para se equilibrar.
De todas as fases da vida, é na infância que nunca devemos perder a ilusão, ou deixá-la ser podada. É, também, nessa fase, por sermos indefesos, que corremos o maior risco de perdê-la, e as influências são tantas que se não tivermos quem nos guarda, além de perdemos as ilusões, perdemos também os sonhos, as fantasias e a esperança, ou seja, resumindo, a própria infância. Apesar das mazelas, ele poderia dizer que era um menino de sorte, ele tinha a sua mãe; parece pouco, além do mais, dizer que isso é sorte soa com certo exagero, como se ter uma mãe não fosse um processo natura da criação, e o é, porém quantas crianças, tendo pai e mãe, se encontram perdidas no lar, sozinhas. Tendo a mãe como escudo para as agressões do pai, ele, ainda, conseguia ter um pouco de ilusão, sonho, fantasia e esperança. Ele a tinha todos os dias, mas nem sempre todas as horas. Nas horas que ela lhe faltava, o medo do pai era maior do que qualquer outro medo; não havia bicho-papão, boi-da-cara-preta, mula-sem-cabeça que suplantasse o terror que ele tinha pelo pai. Seu medo não era fruto de uma ilusão. Por ser real, além da dor anímica, havia também a dor física, e essa era a que lhe doía mais.
Dos oito anos vividos, se houve algum em que ele teve um momento de felicidade, por mais que ele procurasse na sua memória, apesar da pouca idade, ele não a encontraria. Porém os momentos de sofrimentos, ele não precisava de muito esforço para achá-los, somente não sabia em qual fase de sua pouca vida eles ocorreram. Mas um fato repetido, ininterruptamente, desde os dois anos não lhe saía da memória.
Aos dois anos seu pai o levou para uma roda de amigos no boteco próximo a rua que eles moravam. Ao colocar os olhos naquele lugar, ele não demoraria muito tempo para compreender que seu pai fazia do bar a extensão de sua casa, ou, mais precisamente, o contrário. O cheiro de gordura queimada vindo da cozinha não suplantava o de urina vindo do banheiro. A sujeira vicejava por todos os cantos. Se no ambiente a imundice era latente, nas pessoas a era a olhos vistos. Repugnado, ele tentou, desesperadamente, sair dali, contudo o seu pai, violentamente, o puxou para dentro do boteco. Ele sairia dali manchado, imundo, também.
Aos dois anos ele compreendeu que a violência pode vir de várias formas e de onde menos se espera. Seu pai vociferou em alto e bom som, como se o grito por si só fizesse do que se é dito uma verdade incontestável, que seu filho era macho por ser filho de macho. E a todos que se encontravam no boteco o que era aquela violência senão espelho de suas próprias vidas, por isso ninguém contestava, mas aprazia. Com o dedo indicador enfiado no copo de pinga, seu pai daria provas do que acabara de dizer. Retirou o dedo e passou nos seus lábios, depois o fez beber um corpo de cerveja. As lágrimas vieram aos olhos, mas ele as segurou, pois sabia que se recusasse à bebida, ou chorasse, ele seria surrado quando chegasse em casa. Ele, apesar da pouca idade, compreendera que a violência poderia vir de várias formas, e que ela somente tinha um rosto, o do seu pai. Essa rotina seguiu, maquinalmente, até a data de hoje, e por mais que ele procurasse entender, agora com oito anos, o porquê de o seu pai agir assim, ele, ininteligível para os atos violentos, não conseguia; não o odiava porque sua mãe o ensinara que somente o amor transforma. Ele estava à espera do milagre.
Passado seis anos, desde o primeiro dia que ele entrou naquele boteco, nada ali havia mudado. Os mesmos rostos, os mesmos sofrimentos, apenas mais envelhecidos; as mesmas cores nas paredes, apenas desbotadas e sujas; os mesmos odores, apenas menos perceptíveis por ele ter se acostumado. Seu pai, perdido, entrava ali para se encontrar; ele, sem a necessidade de ser puxado, e nem ser forçado a beber, entrava para se perder. Saídos dali, tanto pai como filho, olhavam para o horizonte distante tentando se apegar a um fio de esperança; o do seu pai, o fio final; o seu, o fio de salvação. Ele ainda acreditava no milagre. Porém eles não perceberam que se encurtassem o seu campo de visão veriam que em todas as casas havia luzes coloridas pisca-pisca, guirlandas nas portas; que as pessoas nas ruas estavam mais felizes; que suas vestes eram novas e mais coloridas; enfim, eles perceberiam que havia transformações intrínseca e extrínseca nos lugares e nas pessoas; somente neles e no boteco não havia. Porém se eles tivessem encurtado o seu campo de visão perceberiam que era véspera de Natal; que todas as pessoas, não importa se branco, preto, vermelho ou amarelo, como sempre, em época de Natal, traz a esperança do milagre, do renascimento, da renovação. É Natal, então.
Chegados em casa, tanto pai como filho procuraram o local que mais lhes apraziam. O pai dentro de casa próximo a geladeira; então a abriu e afastando os litros de refrigerante, pegou uma das muitas cervejas que ele tomaria até desmaiar. O filho do lado de fora da casa, na calçada, onde sua mãe já o esperava, sentada. Ela chorando internamente por não saber como transformar o seu lar; ele, no seu colo, chorava a cântaros por saber que estava se transformando, no seu pai.
FIM.

E então, é natal. Como sempre, todos, indubitavelmente, trazem em si o desejo do milagre. Ela passou a mão, carinhosamente, nos cabelos do seu filho e ficou feliz quando ele, ao erguer a cabeça, aparentou um rosto rido por estar no seu colo. Porém suas vistas trespassou a porta da sua casa e percebeu seu marido caído, desmaiado, por conta das cervejas.
Anoitecia, tanto mãe como filho guardavam em si a esperança do milagre, seja ele vindo por quaisquer mãos, porém como toda espera demorada, esta, a do milagre, esmaecia a esperança. O céu, de olhos postos neles, não deixaria amanhecer o esmaecimento.
Ela pediu ao filho para fechar os olhos e silentes escutaram Deus. No silêncio e pelo silêncio ouvimos e somos ouvidos por Deus.
- Mãe, escuta! Ouço a voz de papai Noel dentro de casa. Vamos entrar.
Ela teve receio de entrar, pois sabia que seu marido estaria caído, desmaiado, no chão; mas como não entrar sem matar a esperança do seu filho. Pois, ela entrou.
E então, é natal. Como sempre, todos, indubitavelmente, trazem em si o desejo do milagre.
O barulho das borbulhas efervescendo na taça ela ouviu ao entrar em casa. Três taças forram enchidas por quem menos ela esperava. Seu filho, com a alma rida, correu em direção a papai Noel, o abraçando.
- Você leu minha carta.
- Sim filho.
Os três brindaram juntos desejando a cada um, um feliz Natal. Foi nesta hora, olhando, bem a fundo, os olhos do papai Noel que ela percebeu quem ele era. O agradeceu pela transformação.
Então, é Natal e como sempre, todos, sem sombras de dúvidas, trazem em si o desejo do milagre.
Os dois abriram os olhos e antes de entrar em casa sua mãe o perguntou qual era o seu pedido de Natal.
- Um Natal em família, um lar com paz.
Dos trinta e cinco anos vividos, vinte e cinco ela passou sem colocar uma gota de refrigerante na boca por pensar que as borbulhas pudessem embebedá-la, e hoje, noite de Natal ela beberia seu refrigerante em taças.
- Vamos entrar filho. É Natal, e por trazermos o desejo do milagre, ao abrimos esta porta, tenhamos certeza de que o milagre se realizará.
Os dois entraram...


Esta história não tem um fim, pois, sempre, não importa a data, temos que trazer em nós a esperança do milagre.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Lux mea

“O homem que vê mal vê sempre menos do que aquilo que há para ver”.
“Se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha
para dentro de ti”.
“Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não
sabem voar”.
Friedrich Nietzsche.

Os primeiros raios solares começavam a dissipar a névoa que encobria a cidade. O dia seria claro e sem nuvens.
Quando eu acordei estava escuro. A escuridão a todos iguala. Acendi a luz artificial para clarear o ambiente, mas envolto em trevas, por mais claridade que houvesse, eu permaneceria sem luz. Necessitava, indubitavelmente, do contato humano para me sentir lúcido. Vesti-me para sair. O louco se veste de escuro para tornar-se claro, e eu estava a um passo da loucura.
Descer o mais fundo possível para se atingir um desejo, para cima todo desejo se dissipa com o ar. O meu desejo era o fim corpóreo, o anímico, devido a sua negrura, se encontrava morto desde o sempre. Por nada saber sobre a morte, eu a desejava; o desconhecido exercia uma atração forte sobre mim. Conhecia em demasia a existência; a não-existência, agora, era o que me aprazia.
Escuro, eu estava escuro, no escuro me sossegava. A morte, por ser a falta de luz, era o que eu almejava. O sossego nos tira a visão física e nos dá a da alma, e a morte tira as duas para nos dotar da visão divina.
Claro, nenhum dos meus dias era claro, assim como minha estrada; mas por mais claro que fosse o caminho, quando se está enfermo da alma, o primeiro passo e os conseguintes é um pisar no vazio rumo a uma queda abismal e infinda. E por mais diferente que fossem os caminhos que eu tomasse, só tinha um destino e era o destino final, a morte.
Como não sofria da necessidade humana de se eternizar por ter certeza que a eternidade banha-se de escuridão e a morte é clareza divina, é verbo de luz que não conjuga nosso findar, eu, com certeza absoluta, atingiria meu fim, pois a permanência é tatear a esmo na nossa própria escuridão. Mas existem aqueles que findam, os solitários e solteiros, pois a solidão apaga qualquer chance de luz, não deixa atear o fogo divino. Estes, mergulhados em escuridão, permanecem na negrura após a vida, e são seres incompletos, pois a completude só se dá na soma de dois. E eu estava assim, solteiro e solitário. A alma na penumbra cobria-se de penúria. A escuridão interna não me dava à chance da procura. Meu universo temporal imerso em dor imaterial fez com que a solidão torna-se o meu espaço prisão.
Dotado de nenhum sentimento benigno, eu me tornei uma pessoa mecânica. Todos os meus movimentos eram como se fossem autômatos. Do levantar ao deitar, por não reagir, mas apenas deixar ser agido, eu me sentia programado. A escuridão fez de mim um ser sem nenhuma reação.
Saí. Apesar de sentir o calor do sol, eu não conseguia discerni nenhum objeto. O breu me envolvia. A bengala que me guiava só poderia ser a divina, pois enxergar no estado que eu me encontrava era impossível. Entrei na estação do metrô e sentei no primeiro banco da plataforma de embarque. Em total escuridão a esperança era que a luz viesse como passageira em todos os vagões do trem. E foi uma espera infinda como se o tempo estivesse parado naquele instante. Com os cotovelos sobre minhas coxas apoiei o meu rosto em minhas mãos. Sofrendo uma transformação anímica por falta de luz, sendo que a maldade não é transparente e nem colorida, mas sim escura, eu, internamente, escureci-me de vez. Precisava transmutar o corpo para salvar a alma. Minhas veias estavam dilatando, a pele arroxeando. O trem não vem. Sobre mim havia a necessidade de toneladas de ferro. Eu sobre os trilhos, sob mim o trem. Fim.
Assustei quando, ao invés do trem, um vulto se dirigiu a mim. Envolta em luz, a imagem da perfeição. Ela me puxou. Um rosto belo esculpido por Michelangelo. Olhos puxados bem postos entre um nariz pequeno e uma boca com lábios maravilhosamente delineados sobre uma pele negra; sobrancelhas traçadas no barro divino, cílios exuberantes e maçãs do rosto arredondadas; apelidada de japonesa falsa, seria, se fosse o sexto dia da criação, Eva feita da costela de Deus. Cabelos alisados e um sorriso encharcado de luz. Perfeição. Voltei a enxergar, era como se ela tivesse pincelado minha alma com todas as cores. Mas mal deu tempo de divisar todo o seu corpo, quando de mãos estendidas para mim o trem a arrebatou. A luz de seu sorriso se apagou. As trevas renasceram no meu existir. Escureci-me novamente.
A culpa me abateu por sempre ceder a inércia. Bastaria um gesto, um estender de mão para tê-la salva. O passo para a minha queda seria o único ato de coragem que me tiraria da minha inércia, e isso me angustiava, junto com a culpa que me levava ao desespero. O desesperado, por agir pela emoção, tem o raciocínio paralisado. Eu não entendia porque ainda pensava, era como se estivesse esperando um sinal que daria o estímulo para eu dar o primeiro passo. Estava ali, uma luz focada na cancela que separa a plataforma de embarque da linha metroviária. Tudo envolto no mais completo breu. A luz. O foco. A cancela. O aviso escrito: “Não entre, risco à vida”. A luz iluminando apenas a cancela. O aviso. O foco. Desespero. Luz. O desespero não guia e nem mede os passos de ninguém. Ouvi o aviso sonoro vindo da estação: “Não ultrapasse a faixa amarela, não arrisca sua vida”. Atravessei a faixa e a cancela. O aviso foi mais incisivo: “Para a sua segurança não ultrapasse a cancela. Não entre, risco à vida”. Vida? Quando o negrume impregna toda a alma, o corpo não passa de um ataúde a espera da primeira pá de terra.
Não sei quantos passos eu dei, só parei quando senti o cheiro podre do rio Pinheiros. Eu estava sobre ele. Sem enxergar qualquer objeto por estar na mais completa escuridão, tateei a esmo até encontrar a barra de ferro da mureta de proteção. Subi nela. A queda me libertaria. Antes do pulo ouço alguém me chamar. Olho para trás na certeza que não visualizaria nenhuma imagem. Olhei por puro reflexo. Emoldurada num quadro banhado a ouro lá estava ela. Viva. Luz a brilhar em seu belo rosto estampado em um sorriso que diferia de qualquer sorriso que eu tenha visto até hoje. Agora entendia, ela veio para me salvar. Ao tocá-la senti, mesmo não crendo, que tinha tocado a mão de Deus. Ela me sorriu novamente. Por entre seus lábios saiu uma luz intensa clareando tudo em volta. O mundo ganhou cores, formas e sombras. Meu anjo negro de luz e eu nos unimos, somamos e na soma dos dois tornamos um. Envolto em luz, eu e ela demos um passo à frente. Quando nos libertamos da escuridão não caímos, elevamos.

sábado, 15 de novembro de 2008

Imperfeição


O que houvesse de imperfeito nela, ele não notaria, afinal, quando se está enfeitiçado, os olhos se cegam para o que não quer vê, e, incontestavelmente, em tudo que ele via nela, somente via a total perfeição.
A neblina não lhe daria a chance de enxergar a um palmo de distância, por mais apurada que fossem sua visão, e ela, a visão, tinha que ser, pois todo matador tinha que ter todos os sentidos apurados, e ele os tinham, para não correr o risco de, sendo predador, virar presa. Com os olhos presos na foto de sua vítima, ele não entendia o porquê de ter sido contratado para matá-la, ainda mais que quem o contratou tinha condições de eliminá-la aonde e quando bem entendesse. Se, somente de olhar a foto, ele estava entontecido, quiçá se a visse em carne e osso sob a luz do sol, sua mente desfocaria do objetivo, e ao invés de matá-la, ele que morreria, posto que morto já se encontrava de amores. Quando ele terminou de se arrumar para cumprir a sua missão, o sol havia dissipado qualquer traço de neblina. Ao sair ele ouviu o barulho de impressão vindo da sua impressora, mas nada o deteria. Armado e entontecido, ele iria ao encontro dela. Ele saiu batendo a porta que se fechou automaticamente. Dentro da casa, no papel impresso estava escrito:
“ABORTAR MISSÃO. AGUARDANDO RESPOSTA DE RECEBIMENTO DA MENSAGEM”.
Não haveria resposta.
Passara tempo o suficiente para a resposta ter chegado. Desesperado, ele abriu sua caixa de entrada de todos os seus e-mails; olhando para sua HP, como quem implorasse que fosse cuspido o papel impresso com a confirmação de recebimento, ele, estático, com os olhos vidrados, encarou o vazio, e percebeu que a resposta jamais chegaria. Seu fim estava próximo. Ela o cercou.
Cercado por ela, ele ouviu sua voz vociferada:
“DO PÓ VINHESTE, AO PÓ VOLTARÁS. TOLO PÓ”.
Não haveria resposta, intuitivamente, ela sabia que o seu matador estava a caminho. O esperaria, pois sabia que ao findar uma vida, outra iniciaria. Hoje, até o fim do dia, seu ventre fecundaria. Seu ciclo estava próximo do fim.
O desespero tomou conta de sua alma, pois sabia que ao desprezá-la, ela, movida pela vingança, se transformaria na Besta.
O impacto dos pés dela sobre o seu peito o jogou de encontro à mesa do computador, partindo-a ao meio. Quando ele foi ao chão sentiu suas costelas se despedaçando. A violência utilizada no chute demonstrava que a transformação tinha iniciado.
Os pés dela, sustentáculo de sua beleza humana, assemelhando-se aos da mais bela rainha do Egito, degeneravam-se, assim como as mãos, adquirindo garras afiadas e medonhas. Seus cabelos louros da cor do ouro acobreavam-se, e o que antes pareciam fios da mais pura seda transformava-se em cordas de sisal. Os olhos negros avermelhavam-se, transbordando pelos cantos toda a sua ira. A sua pele, leitosa, que te tão clara iluminava qualquer ambiente escuro, incrustou-se de uma macula esverdeada, adquirindo características lunares, isto é, tinha toda a deformidade da lua vista de perto. Os seus seios de mamilos róseos tinham dado lugar a dois tubos flexíveis com pontas semelhantes a agulhas. O espécime mais belo sobre a face da terra e sob todos os céus havia se transformado numa besta hedionda.
A Besta, urrando de ódio, com o olfato apurado, sentindo que o seu predador estava chegando, sem dó e piedade, com as garras inferiores sobre o peito da sua vítima, desferiu com as garras superiores um golpe certeiro na sua genitália, a engolindo com prazer. Extática, sentiu-se vingada, por ele, ao ser infértil, desprezando-a, não ter lhe dado um filho. Aterrorizado, ele gemia, em seu rosto as marcas da dor estavam impressas. A Besta enfiou os seus dois tubos flexíveis no abdômen da vítima, sugando o que houvesse de seiva nele. Com a língua o adentrou extirpando todos os seus órgãos internos. Após saciar a sua fome, ainda não contente, completou a sua vingança, ao aproximar seus lábios dos dele, expirando-lhe a alma. Desfeito em pó, ela espirou até ele se perder no ar.
A Besta, de volta a sua forma humana, saiu do quarto e percorrendo seus olhos até onde as suas vistas pudessem alcançar, solitária por saber que existia apenas mais um do espécime humano, vivo, para fecundá-la, chorou como choraria qualquer humano por se ver sozinho. Ela olhou para o céu com uma esperança desesperadora de que o céu olhasse por e para ela, mas tão escuro como estava a terra, estava o céu também. Não haveria possibilidade de visão sem a luz. Descontrolada, ela começou a suar frio. Arrítmica, ela girava em torno de si procurando um eixo. Ela sabia que estes sentimentos eram devido à chegada do seu predador. Ela entrou no quarto e se aquietou.
O predador nem de longe parecia um matador profissional. Ao entrar no quarto divisou o corpo dela nu, perfeito, talhado pela mão do artista quando sublimado pela inspiração. Engabelado pelo amor, ele foi ao colo dela como a abelha vai a mais bela flor colher o doce néctar. Ela uivava de prazer, e uivou mais ainda quando sentiu dois semens fecundarem dois óvulos. Perfeito. Duas crias. Macho e fêmea. Ela deu uma boa gargalhada quando soube que o seu matador se chamava Adão.
Adão, dissoluto, descansando após o deleite proporcionado pelo amor, não percebeu as transformações que ocorriam em sua amada. Quando ele veio dar por si, a Besta estava lhe expirando a alma, mas antes de esmaecer, ele ouviu as últimas palavras ditas por ela:
“A PROPÓSITO, EU ME CHAMO EVA”.

sábado, 1 de novembro de 2008

poeminha sobre a rosa


à rosa o espinho não lhe dá significado
nem tampouco o é razão para a dor
ou vice-versa

versa a rosa que o seu perfume
sinônimo de amor
é o que lha identifica

mas quando exala pelos meus versos
sou eu que me significo
e a vida ganha significado plural

sinônimo de pétala de bem amar
amando a todos por igual
a rosa só pode ter um nome

evelyn ribeiro vogado
sempre amanhecendo significados vários
uma flor de filha, ou o contrário

sábado, 25 de outubro de 2008

nos braços do pai


é para o céu que olho
quando me acho perdido
se busco um guia
sigo as estrelas por onde vou
sem importar qual chão piso
posto que o que me mantém em pé
é a fé que tenho na vida
de encontrar em cada homem, o humano
em cada humano, o divino

m’encontro perdido
abro os braços para o céu
não reclamo, sigo
por ser o pai firmamento e chão
não é derrota o meu destino
o que me eleva e sustenta está acima
e é para o céu que ergo as vistas
vejo os dedos de deus tocarem as minhas mãos
m’encontro nos braços do pai

sábado, 18 de outubro de 2008

a poesia


amanhecido setembro, se tem bro-
tado, não brotou um verso que seja,
e não versejar é ver-se já
entristecido em ter sido
preterido por não ter tecido -
poeta sido - a poesia.

mas eu via outra via
através da travessia...

sido eu botão, em
flores flores-
cia, se há flores
o fruto explodia
com cores e aromas imbuídos
com todos sabores vividos.

refletido no riso do meu filho
estava escrito: sou a poesia...

domingo, 12 de outubro de 2008

do bem


bom sou não sendo mau
afinal, de mal a pior
sou humano
mesmo sendo animal

faço o bem
menos mal
afinal, o mau
nada tem de animal
é um mal humano

se um bem
mau ao mal faz
é de bem que bem levo a vida
praticando o que bem sei
bom ser
ser humano
do bem

sábado, 4 de outubro de 2008

não era dia de maria


coitada da maria, como sofria
fosse noite, josé, lobo seria
fosse dia, desfeito do lobo, josé esfria

coitada da maria, como sofria
fosse noite, só em posição de parto dormia
fosse dia, o calor pelas pernas subia e descia

coitada da maria, como sofria
fosse noite, mãos entre as pernas, outra via
fosse dia, o que quer que faça, não lhe aprazia

coitada da maria, como sofria
fosse noite, não tem quem, a fome, lhe sacia
fosse dia, desesperada, corria à lagoa fria

coitada da maria, como sofria
fosse noite ou dia, josé não tinha serventia
agora era pedro quem lhe apetecia

bendita maria, santa alegria, como ria
fosse noite ou dia, com pedro fervia
depois ia como quem o cavalo esquecia

coita do josé, nem para rima servia
fosse noite ou dia, o amor de maria não mais existia
lobo de chifre, livusia; zé de chifre padecia

maldita maria, impura vadia
fosse noite ou dia, de tanto ir a pedro, pedra lhe chovia
jesus não lhe salvaria, fim da maria

ao terceiro canto do galo, pedro sumia
fosse noite ou dia ia ciscar em outra freguesia
morria maria, amor de outra, pedro pescaria

sábado, 27 de setembro de 2008

em família


quando viajo é sempre poético o meu caminho
por levar a casa de mãe, por levar ao ninho
e o bom fruto só matura quando nutre da raiz


por mais que a via ocupa-se em subtrair a vida
é-me soma e multiplicação quando estou em família
por ser em casa onde mais o amor por vários se divide


por quatro rodas a longa estrada me traz de volta ao regaço
se no estouro de uma, por três a morte tenta desviar-me da rota
seu intento é derrota, chego em casa e quando cego sempre renasço



tal qual o cravo e a rosa quando se vêem na primavera
por ser na família onde mais se floresce
e não importa o que tenho, só sou pelo que no lar obtivera


quando viajo é em casa de mãe que eu aninho
por ser o caminho de casa o veio da vida
e onde quer que quedo quero estar sempre em família


Leme, XXI/IX/MMVIII

domingo, 21 de setembro de 2008

não era noite de maria



até outro dia
em noites enluaradas, de
céu estrelado, por
seu namorado, ar-
dia o corpo de mar-
ia

foram-se os dias
sobre o dia-
rio, os olhos de ma-
ria ard-
iam em lágri-
mas, mas as más
noites de lua cheia, de novo
lhe tirou o homem
lhe deixou o lobo

fora uma noite
foram-se duas
tanto uma como a outra
noites de luas
cheias, cheia
de lua, lá, mar-
ia ia

outros dias vieram, amiúde
o corpo de maria arrefecia
so-
fria maria, só
fria, ninguém como mar-
ia sem alegr-
ia ia

mais uma vez um outro dia
talvez dia de monotonia
sob sol, só, ar-
dia o corpo de mar-
ia

dia sem noite
dia sem lua
seminua sua
o corpo de mar-
ia

ah dia! o dia de mar-
ia, só sol sobre
senhora de si
de novo, ard-
ia

e agora josé
lobo?
é de d-
ia

sábado, 6 de setembro de 2008

sentimento primaveril


inda que a tristeza seja
para os meus versos vero ensejo
de que me vale a poesia
se nas andanças não primo pela alegria


inda que a felicidade o eu-poeta mata
que seja pelos braços da primavera qu’ele renasça
que de folha em folha ele se desfaz das lágrimas
até chegar às estações das águas


inda que a necessidade do guarda-chuva se faça
não me é preciso qualquer proteção, ou fuga
pois o que caem das nuvens me inunda
de gotas poéticas divina


úmido com um cravo e uma rosa como filhos
e uma amada como flor-de-lis
inda sigo minha sina
mesmo que a tristura, do poeta, seja trilha


entristecido me perco em folhas
inda se nas estações das flores
a poesia de mim desista
primo, é vero, em ser feliz

sábado, 30 de agosto de 2008

Apelos


O peso do meu corpo o meu próprio corpo não consegue carregar
Quem há de vir para me salvar?
A alma de tão tosca neste mesmo corpo não quer encaixar
Quem há de vir para me salvar?
Sobre o meu passado as sementes muitas não vingaram
Quem há de vir para me salvar?
Maria, Júlia, Rute, quantas mais não sei, todos amores errados
Quem há de vir para me salvar?
Cabelos brancos a denunciar, rugas a mostrar a velhice a me enamorar
Quem há de vir para me salvar?
A velocidade tresloucada de São Paulo a me cansar
Quem há de vir para me salvar?
A ignorância alucinada de sua gente, o céu cinza a poluir esperanças
Quem há de vir para me salvar?
Nas minhas andanças que não foram tantas, mais a errar do que a acertar
Quem há de vir para me salvar?
Catolicismo, Budismo, Espiritismo, de pouca fé nenhum “ismo” me valeu
Quem há de vir para me salvar?
De Jesus só me restou a cruz
Quem há de vir para me salvar?
Meu corpo morto no túmulo posto, a alma póstuma desvairada a gritar
“ – Quem há de vir para me salvar? “


XXVI-II-MMVI

sábado, 16 de agosto de 2008

miserere


é-me tanto
tanta dor
que (tanto) a dor
quanto o tanto
desencanta
o pouco de vida
do tanto que tenho

é-me pouco
a pouca vida
para o muito
de dor da dor
que ainda resta
pelo resto
da vida destra

é-me medida
a devida vida
e a dívida
que se tem na lida
é medida a fio
em dores sinistras
e infindas

medida é a vida-finda
desmedida é a dor
(sen)tida e infinda
e tida a vida
na dor (con)tida
sem sentido e sem tino
é a dita vida

sábado, 9 de agosto de 2008

significando


antes de ti eu não havia
se sim, hoje não seria
antes de ti eu não vivia
se sim, hoje vegetaria
antes de ti não havia o depois
se sim, não valeria se não fosse por nós dois
antes de ti não havia felicidade no futuro
depois de ti a felicidade não mais procuro
por saber que em ti ela se afigura
por saber que aqui agora e sempre perdura
antes de ti o amor não tinha identidade
se sim, não havia veracidade
antes de ti amar não tinha sinônimo
depois de ti só sei chamá-lo por um nome
antes de ti amar só na primeira pessoa do passado
depois de ti só no presente ele é conjugado
eu amo marilúcia ribeiro vogado
se não, era eu que não teria significado

sábado, 2 de agosto de 2008

CoNtRaStE


O QUE ME DEU A BAHIA, RIMA E POESIA
o que me dá são paulo, cisma e alergia
O QUE ME DEU A BAHIA, PROSA SEM TÍTULO
o que me dá são paulo, necrose no coração arrítmico
O QUE ME DEU A BAHIA, ALEGRIA E RÍTMO
o que me dá são paulo, bursite e renite
O QUE ME DEU A BAHIA, A AFRICA COM SUA BELEZA E GRAÇA
o que me dá são paulo, a feiúra da fábrica com sua fumaça
O QUE ME DEU A BAHIA, O VELHO CHICO DE SABOROSOS PEIXES
O que me dá são paulo, o rio tietê com lixo adornando seu leito
O QUE ME DEU A BAHIA, RÉGUA, COMPASSO E GEOMETRIA
o que me dá são paulo, a matemática lógica e fria
O QUE ME DEU A BAHIA, CHÃO DE TERRA E CHUVA DA BOA
O que me dá são paulo, o asfalto frio coberto pela sua garoa
O QUE ME DEU A BAHIA, ÁGUA DE COCO, REDE E PREGUIÇA
o que me dá são paulo, o trabalho árduo do dia-a-dia
O QUE ME DEU A BAHIA, SAMBA, CERVEJA E AMIGOS PRESENTES
o que me dá são paulo, suor, lágrimas e de sua gente a indiferença
O QUE ME DEU A BAHIA, SEMPRE SERÁ ALIMENTO PARA O ESPÍRITO
o que me dá são paulo, sempre será alimento para o físico

sábado, 26 de julho de 2008

um novo começo




bastava um traço para idealizarmos um castelo no chão
para alguns brincadeiras de crianças puras
de poucos anos sabíamos ser coisas do coração

bastava saber que os sonhos de um de dois são
a esperança sempre afiava o gume da espada
para derrotarmos dia-a-dia o dragão

os anos hoje não nos bastam o suficiente
mas também não são tantos para a desistência
enquanto houver três pingos o amor será úmido

venha antes que eles se transformam em dois
e sejam dois pontos a espera de explicação
ou apenas um pingo e ponto final

mas não há fim quando do amor sabemos o endereço
posto que quem ama pode fazer de um pingo inundação
posto que quem ama faz das reticências um novo começo

imagem baixada de http://www.sxc.hu/home

sábado, 19 de julho de 2008

é assim que eu lhe digo eu te amo


sem o desejo da carne
o que eu almejo é a alma,
sem os laços físicos
me abraço aos anseios do espírito
para sentir em cada um
o pai e o filho,
sem distinguir gênero
seja bi ou homo
seja macho ou fêmea
o amor de deus é sêmen
e quem quer que seja
se o aceita, seco ou úmido, germina-o;
cabe eu ser menos masculino
demasiadamente humano
sem medo de ser mais feminino
posto que o amor que se espalha
é semente sem sexo por ser divino;
não há bem maior do que a prática do bem
se cada um que vai disser eu te amo
se cada um que vem responder eu também
críamos raízes em solo humano
e os braços tal galhos estendidos para o céu
gerará o amor como fruto infindo
e é assim que eu lhe digo eu te amo

foto baixada de www.fotos-hz4.com

sábado, 12 de julho de 2008

quando eu escrevo


não finjo
não minto
quando eu escrevo, escrevo o que sinto
não tomo cocaína
não tomo vinho tinto
quando eu escrevo, escrevo por outra via:
a da alegria
não tomo cerveja
não tomo whisk on the rock
quando eu escrevo, desvio da rota
e escrevo por outra vereda:
a da tristeza
e é a alegria e a tristeza que me toma
não importo se não sou lido
não importo se não sou reconhecido
a fama não faz parte do meu contexto
quando eu escrevo, apenas o faço
se assim não fizer
é a mim que não reconheço
se assim não fizer, é fato
é de mim que me perco
e a poesia é meu único endereço
isso é fado

sábado, 5 de julho de 2008

altruísmo


procuro saber para me saber
conhecer o outro para me reconhecer,
isolado tudo que reflete não me é espelho
por isso cabe-me conjugar o verbo ser
somente na terceira pessoa do plural
posto que a vida a sós me é singular;
faço de cada um, espelho!
não necessariamente para sê-lo
somente me é possível ser
tendo o outro como companheiro;
procuro conhecer sem a intenção da completude
saber-me incompleto faz me ver em vários,
o outro não me é contrário
e nem tão pouco o meu inverso
visto que cada um eu recebo com um amplexo;
o universo em sua infinitude
dá a dimensão do que me é necessário
ser-vos antes de eu ser
posto que se eu sou, nada sou!
mas vós em mim, eu deixo de ser...
somos plurais


* poesia dedicada a minha mãe, uma pessoa altruísta na sua essência que pratica o altruísmo no seu dia-a-dia.

sábado, 28 de junho de 2008

ANDRÓGINO


Eu não quero mais ser levado pelas paixões
Nem tão pouco quero o êxtase
Nem desejo tirar do sexo o prazer total
Quero adormecer meu leve amor nalgum coração
Perder-me nalgum canto de algum corpo
Apenas se dar carinho
Ser pelo menos mínimo ou então diminuto
Quero nalgum quarto escuro me perder
Ser ela dentro de mim, mesmo indefeso
Ser eu teso
E do amor tirar o mínimo
Ser ao mesmo tempo macho e fêmea
Arder sem dor no meu íntimo
E sem culpa, sair ileso

XIII/I/MCMXCI

sábado, 21 de junho de 2008

o caminho do homem só


caminho
deserto, certo de que não arrisco
voltar para trás as vistas
para não correr o risco
de voltar donde vinha


caminho
sem ficar pé em um sítio
o perigo de fazer amigos por ofício
ou tão pouco o de ater a um vizinho
não me desviará do meu caminho


caminho
entre muitos ou só
todo homem tem o seu quinhão
sete palmos debaixo do chão
até ser apenas pó


caminho
entre muitos ou sozinho
todo homem sabe que no fim da linha
somente a morte
ele terá como consorte


caminho
desfazendo-me em pó
o caminhar de um homem só é desalinho
e antes que os ventos me dispersa por caminho incertos
certo estou em ser a pedra no meio do caminho

sábado, 14 de junho de 2008

sem a poesia

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sem a poesia
me vão as palavras
palavra seca
seca o coração


seco de palavras
sem chão sigo
por noites secas
por dias também


e onde piso
não importa o caminho
o duro chão
grão nenhum germina


não importa a alternativa
qualquer que seja a via
seca é minha vida
sem a poesia

sábado, 7 de junho de 2008

Canção de adoração

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Só o sol o céu cora
E Deus chora, chora, chora


Pensando Eva, divina criação
A tivesse feito à sua semelhança, sina perfeição
O pecado original não seria amarga perdição
Nem a raça humana eterna sedição


Deus ainda chora
E só o sol o céu cora, cora, cora


Se Deus tivesse feito Eva à sua semelhança
Todo desejo, fruto do amor, sedução
Todo prazer, fruto do amor, sublimação
E assim a presença humana na terra, esperança


Mas Deus ainda chora, chora, chora
Só o sol o céu cora


E o homem ignora
Se Deus chora ou não
Mas Deus chora, chora, chora
E só o sol o céu cora


Mesmo não sendo você Eva e eu Adão
Deus lhe fez à semelhança da perfeição


Quantos homens choram, choram, choram
Só eu te namoro
E o sol o céu cora, no céu o sol chora
E Deus agora te enamora, te enamora, te enamora...

sábado, 31 de maio de 2008

travessia


rio à vida
esta apoesia humana

lágrimas que choro
gotas que sobre o papel escorrem
deixam marcas dáguas
legíveis a quem ler
cos olhos dalma

mesmíssimos rios de mágoas, as lágrimas
vezos amargos, desfiam através dos versos

travesso, atravesso leso
estradas, mares, e rio
a fio na esperança de
após a travessia
diversas poesias

sábado, 24 de maio de 2008

para dar adeus a poesia


para dar adeus a alegria
necessito de prantos
das lágrimas vertidas
das tristuras tantas quantos
dos incontidos ais

para dar adeus a alegria
preciso das mágoas irrestritas
dos fios de dores que não desfiam
e nem tampouco definham
mas apenas em mim aninham

para ser poeta muito mais do que ais
necessito estar contristo
preciso dar adeus à alegria

e para ser-me necessito de muito mais
preciso de tudo isso
mas também dar adeus à poesia
______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
autor= gufybr

sábado, 17 de maio de 2008

Eu te odeio



Lembre-se que ao amanhecer
Eu te odeio
Ao cair da tarde
Eu te odeio
Quando já é noite
Eu te odeio
Se estou triste
Eu te odeio
Se estou alegre
Eu te odeio
Quando ando
Eu te odeio
Se corro
Eu te odeio
Quando não está
Eu te odeio
No café da manhã
Eu te odeio
Com motivo ou sem
Eu te odeio
Se não couber mais ódio em mim
Mesmo assim eu te odeio
Se não tem motivos para me esquecer
Eu te odeio por isso também
Do pouco amor que ficou
Me odeio por ainda não ter dado fim
Mas se lembrar deste amor
Saiba que hoje
Eu te odeio

sábado, 10 de maio de 2008

Testamento


Da morte esticamos as pernas
Para vê-la longe mesmo que
Ela demore um século, mas
Ela pode nos chegar quando menino
Por isso como já estiquei as pernas
Por muitos caminhos, e
Como mal saí do ninho
Estou com a metade do meu destino
Percorrido, sofrido e vivido, e
Antes que eu estique as botas
Antes que a morte bata a minha porta
Deixo aqui meu testamento
1) O amor pelo meu pai
2) O amor pela minha mãe
3) O amor pelos meus irmãos
4) O amor pela minha esposa
5) O amor pela minha filha
6) O amor pelo meu filho
Por ser de riqueza pouca
Pode parecer de pouco valor o deixado
Mas foi isso que me enriqueceu, o amor
Fez-me rico o suficiente para viver o bastante
Por isso peço, pai, mãe, irmãos, esposa e filhos
Não me enterra em qualquer chão
Não me enterra em nenhum chão
Crema-me e jogue minhas cinzas poéticas
Onde os rios Grande e São Francisco se encontram
E deixe que o epitáfio eles em suas águas rabiscam

quinta-feira, 1 de maio de 2008

3X4


sou homem
humano por convicção
essencialmente divino
sem a arrogância de ser deus
carregando uma mochila de livros e
papeis em branco para escritas,
um celular no bolso como relógio
e o editor de mensagem para os versos,
de poucos amigos, minto,
tendo os livros como amigos e
amante só de uma mulher
nunca só por ser amado o bastante
e um tanto de amor e muito pela filha
e um tanto de amor e muito pelo filho,
e se este 3X4 um dia encontrar
não me confunda, saiba,
sou menino andante
uma semente com muita fome de chão
que um dia acreditou haver amor entre os homens.
- não sou louco não seu moço,
- sou poeta
- sou grão
- apenas...

sábado, 26 de abril de 2008

Lá onde o mar se acaba

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Quando Cláudio, enfim, sentou na areia da praia, estava exausto. O pranto havia secado, mas por dentro as lágrimas eram intermináveis. Em qualquer direção que olhasse suas pegadas, pelo vento, foram apagadas. Olhar pra trás, para quê? Se todo o seu passado carregava na cor cinza a matiz da tristeza advinda das perdas, e seu futuro era senão um mar de chumbo que o levaria de encontro àqueles que ele perdeu. Sentado no banco do bar, um copo com pinga em suas mãos, ele via o reflexo distorcido da sua imagem disforme, e não diferia da imagem que os outros viam em seu rosto. À vida ele não passava de um estorvo. Era o que ele era. Bebeu de uma só vez o copo com pinga, tentou puxar dos olhos um filete de lágrimas, estava seco, todos os seus sentimentos eram áridos. Não tinha pena de si, não culpava Deus por seu infortúnio. Acreditava que tudo que lhe acontecia, para o bem ou para o mal, era fruto dos seus acertos ou erros, e em menor parte daqueles que ele convivia. Estava só.
Lá longe onde o mar se acaba estavam todos que ele perdeu. Todos de braços estendidos como quem o chamando, menos a esposa e a filha recém-nascida. Em pé com o olhar firme, pela primeira vez ele via o horizonte, era denso e cheirava a flores ciprestes. Os seus olhos fixam onde o mar de chumbo se acaba, não se via lá. Só, ele estava sozinho. Deixa seu corpo desabar na areia, não sentiu que a mesma estava quente, e se desfez em lágrimas. Sempre em estado de luto, mas nunca choroso, ele, ao ver os seus do outro lado da vida, chorou.
Chorou pelo infortúnio de seu avô tentando salvar a cadela de estimação que ele havia lhe dado de presente de natal aos quatros anos. O temporal que desabou, levou seu avô e sua cadela. Muitos culparam Deus, mas ele sabia que cabia ao homem a dor que ele próprio planta. Estavam lá onde o mar de chumbo se acaba, o latido da cadela e o sorriso do seu avô.
Cabelos desalinhados, cheirando a perfume vencido misturado com a gordura de suas frituras, a barraqueira encheu o copo com pinga, não por bondade, mas pelo fato de Cláudio ter pagado o suficiente para tomar duas garrafas com pinga, e ele estava na metade de uma.
O horizonte desfigurava em tons alaranjados, era o quadro perfeito para uma tarde de esplendor, mas o vazio que havia em Cláudio, por mais colorido que estivesse à tarde, para ele só tinha tons de cinzas. E foi neste cenário que ele viu a imagem de sua irmãzinha que fora cedo demais. Sofrendo de inanição tanto ela como ele e seus pais, e ela, por ser mais fraca, aos doze anos se esvaiu. Quantos naquele momento não culparam Deus por não mandar chuvas e florescer o sertão. Mas agora ele sabia que somente o homem come o fruto da dor que outrora plantou.
O copo com pinga estava pela metade, em um só gole ele o sorveu. Novamente desabou no chão. Suas vistas escureceram. Uma fresta de luz entrou pelos seus olhos, ele vislumbrou seus pais, lá no horizonte onde o mar de chumbo se acaba. O tanto de lágrimas que ele não chorou quando eles estavam vivos, chorou agora. O sertão que os matara ainda mata quem nele vive, e hoje Cláudio chora também por isso. Muitos ainda culpam Deus, mas o machado que desmata o pouco de verde que há, abre a clareira onde a enxada cavará a cova no chão seco. E Cláudio chorou por este ter sido a sina dos seus pais.
Cambaleando pela areia, o oco dentro dele já havia consumido sua alma. Ele senta no banco do bar, a barraqueira já esperava por isso. Ela sabia que todos, após uma bebedeira, vêm deitar seus problemas em seus ouvidos, e com aquele sujeito estranho não seria diferente. Cláudio contou-lhe o que o torturava.
Com a língua lesa, amortecida pelo álcool, ele contou a barraqueira que após perder os seus no sertão piauiense ele veio ter em São Paulo com a sorte, mas só encontrou miséria. Quantas vezes passando fome ele revolveu sacos de lixo em busca de comida, e o que achava, mesmo estragado, comia. À noite com o estômago bombardeado por dores, ele entornava meio litro com pinga para desmaiar antes que a dor o consumisse. Catou lata, vidro, qualquer material reciclável para sustentar a mulher e a filha recém-nascida, quando ontem voltando para o lar em mais um dia fatigante, depois de um temporal que abateu sobre São Paulo, sua casa havia descido o morro e junto com ela havia levado sua esposa e sua filha.
A barraqueira acostumara a ouvir história de bêbedo, e pouco valor dava ao que ouvia, a rudez da vida já aniquilara todos os seus sentimentos. Entrega a última garrafa com pinga para Cláudio, para ela era o remédio para aliviar as dores. Nem deu atenção quando Cláudio lhe disse que não as viram lá no horizonte onde o mar de chumbo se acaba. Os ouvidos da barraqueira já eram de outro bêbedo. Só, sozinho estava Cláudio, sem futuro. Perguntava para si mesmo, o girassol ainda se vira para o sol?
Garrafa em mãos, trôpego, Cláudio se dirige, ziguezagueando, em direção ao mar. Forças exauridas, ele cai há alguns metros da água. A maré já ia levando a garrafa quando ele a agarra de uma vez. Leva-a a boca, e no mesmo instante a virgem Maria com o menino Jesus no colo surge na sua frente. Assustado, ele joga a garrafa longe e ajoelhado começa a chorar. Quando volta a si, estavam lá, todos, seu avô e a cadela a lamber suas botas, seus pais com corpos mirrados (será que no outro lado da vida a miséria também lateja? – perguntava-se.), sua irmãzinha, apenas um traço de gente, tanto de lado como de frente, parecia uma folha de compensando (será que o homem governa o outro lado da vida? – meditava.), e enfim sua esposa com sua filhinha tal qual virgem Maria com menino Jesus no colo. Lá no horizonte onde o mar de chumbo se acaba.
Cláudio se deixou levar pelos braços do mar...

Sentimento outonais


Águam tristezas nos meus dias outonais
Ais gélidos trazidos por ventos invernais
Deságuam em minha alma soturnos males
Estaciono sobre o vento frio outonal
Hiberno sobre a lâmina fina da chuva invernal
Escureço sobre sentimentos petrificados
Aguardando os ventos primaveris para o seu degelo
Esperando o sol de verão para revivê-los
Assim mesmo, dorido pelo clima da estação,
Sigo florido com uma rosa e um cravo em cada mão

domingo, 20 de abril de 2008

A lua me abandonou

 

Ao lembrar o ontem
No céu de tua alma fui sol
No céu de minha alma foi lua
A espera do tempo certo
Para você dar luz as estrelas, eu brilho.
Hoje continuo ardendo em ti
Dando cores ao teu horizonte
Mas você em mim, escuridão.
Sob nuvens carregadas me escondo
A chorar tristezas
A lastimar perdas
A inundar os espaços vazios por ti deixado.
Se for dia amanheço sem brilho
Se for tarde entardeço sem luz
A tua espera
Apaixonadamente esperando anoitecer
E no céu de tua alma brilhar.

sábado, 19 de abril de 2008

A espera de Darwin

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Não há necessidade d’eu ir a lua
Para entender os passos da humanidade,
As pegadas de Neil Alden Armstrong
Se me levasse a um caminho
Levar-me-ia de lugar nenhum a um eterno vazio.
Não há necessidade d’eu rogar aos céus
Para com Deus ter-me, para tê-Lo
Bastar-me-ia sentir o Deus em mim imerso,
Deus é do tamanho do universo
O universo do tamanho da minha fé, e a
Minha fé mede-se de acordo com os passos que dou.
Há em mim a necessidade da pobreza material
A de espírito, por ser humano, já a tenho o suficiente.
Necessito de um mundo sem as cores da tv
O meu mundo tem a cor da minha arte
E eu o tinjo com as nuanças do amor,
Mas são as cores do som que ouço
Trazidos pelos ventos do sul
Que me levará aonde minha fé não alcança.
Destituído de qualquer riqueza
Não evoluí o bastante para ir a lua
Minha evolução anda a passos de cágados,
O Deus imerso em mim há de me explicar.
Meu universo está nas ilhas Galápagos
E lá estarei a espera...

sábado, 12 de abril de 2008

a espera da cal

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minha cã, vã moldura
prum rosto coas feições
dum ser ressentido
perdido entreontem e o vir a ser
força-me a abriolhos
sobre o chão ressequido
e as linhas disformes vista
espelha meu eu envelhe-
cido,
sido derreado
o meu corpo é ataúde cansado
receptáculo para a
miser-
abil-
idade humana: ser desumano,
meu medo de findar
não faz da minha covardia
apego à vida,
a eternidade banha-se de escuridão.
o cão coa cal na mão
rido, espera o sopro divino...

sábado, 5 de abril de 2008

Reflexo


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Afoga a água o meu coração
Joga nos meus olhos as lágrimas que há tempo se perderam
Roga pragas em minhas vidas que já feneceram
Logo mortas quando do ventre surgiram assustadas por um futuro vão
Peco por nunca ter tido um horizonte por onde guiar
Fecho-me por medo que lá fora não consigo um passo a frente dar
Meço-me e peso-me para as medidas serem nulas
Desço-me tão profundamente que meus apelos não sensibilizam nenhuma ajuda
Ah, que ser é este que se diz ser eu
A ter a mim como chamas que jamais queimarão
A se perder em um corpo que não é meu!
Ah que ser é este que se diz ser dos outros
A padecer minha alma tão castigada por não crer em nenhum cristão
Ah que seres são estes que fazem isso e deixam minha alma e meu corpo tortos!?

flor Teresa


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...assim um beija-flor

de Teresa Cordioli me falou

versos caídos do céu
descendo por teresas
co’as cores d’olhos de deus
matizam pétalas

versos vindos do céu
embalados pelo sopro divino
são germinados polens
verbalizados em poemas

poemas entrelaçados
tal qual teresas
poemas de Teresa
tal qual sopro divino

a cor d’olhos de deus
verbalizados no amor
a cor d’olhos de deus
Teresa matizada em flor