Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Geração insensível

   Deixamos de fazer história e passamos a ser telespectadores da vida. O tempo e o espaço agora são pequenos devido a nossa inação. Importamos mais com a linha do tempo feicibuquiana, curtindo e compartilhando fatos que por si só não faz parte da história devido isso ser uma ação de mero telespectador do que o que diz ou faz o outro sem uma discussão saudável do fato. Aqui e ali pipoca ódio ao deputado condenado por requerer atendimento médico, mesmo sendo provado por uma junta médica que o mesmo necessita do atendimento,  alegando que preso comum passam por situação pior, ou então que em hospitais públicos doentes são esquecidos nos corredores sem atendimento. A partir do momento que nivelamos por baixo,  deixamos de lutar pela igualdade de direito, ou seja, que todos os presos tenham o mesmo tratamento humanitário independentemente da sua condição social perante a lei estabelecida.  Ao negarmos o direito ao deputado  ser atendido  deixamos de ser humanos. É inegável que os presos no rodapé da pirâmide social devem ter o mesmo tratamento dos presos no cume dessa mesma pirâmide,  não o contrário. Quando deixamos de pregar isso, estamos propagando o ódio,  desumanizando a raça. 
   Talvez, essa condição de telespectadores nos tira a condição primaz de ser: o pensamento, e com isso, deixamos de existir. Estamos nos condicionando à invisibilidade, ao ódio,  à solidão, seja entre quatro paredes diante do computador, seja no meio da multidão com nosso Tablet. Não enxergamos o outro nem a nós mesmo, posto que nossos olhos e atenção estão direcionados à tela de nossas máquinas. Não nos abraçamos mais, não damos mais as mãos, pois essas estão ocupadas em digitar, curtir e compartilhar virtualmente. O que está acontecendo nesse século é a disseminação da indiferença, da desvalorização da vida. Está se criando uma geração invisível e insensível. 

  


sábado, 30 de novembro de 2013

Cosedura



   Não sei se é  a vida que costura parte de nós para formar o todo ou se são pessoas de nosso convívio que alinhavam essas partes para que possamos  dar o acabamento. Creio na segunda afirmativa,  assim, a peça toda, com defeito ou não,  será fruto de nossa costura. 
   Foi na opulência que o molde do meu todo foi forjado. Nessa época, o ter só meu deu agulha e linha para a costura, mas foi a solidariedade dos meus pais que guiaram as minhas mãos para a cosedura. Após sair da opulência, perdendo a agulha e a linha, a costura continuou sendo feita baseada na mesma solidariedade. 
   Minha mãe, que nunca havia trabalhado, tendo uma empregada doméstica e uma babá, se viu - após a falência do meu pai - obrigada a uma dupla jornada exercendo a profissão de costureira para ajudar no orçamento familiar e cuidando dos afazeres domésticos. 
   Minha mãe tem um positivismo de causar inveja, talvez isso foi imbuído em seu ser para a nossa própria sobrevivência. E foi o que nos salvou. Meu pai, a princípio, deixou-se abater pela falência de sua panificadora,  ela, tomando rédeas da situação, pedalou literalmente os nossos destinos. 
   Quando olho o pedestal da velha Singer, comigo para que eu não esqueça como o meu todo foi costurado, vejo minha mãe pedalando a máquina de costura para ganhar os primeiros trocados e alimentar de pão - outrora feito pelo meu pai - a família. 
   Aos poucos ela foi crescendo e eu a seguia. Quando me dei conta, ela já tinha três máquinas industriais  de bordar, outras de costurar e eu,   aos treze anos, ajudando-a ora em uma máquina de bordar, ora em uma de costura. Bordamos e costuramos durante muito tempo vestido de noiva para as lojas da Rua São Caetano no centro velho de São Paulo. 
   Foi nessa época que ela me deu uma lição de vida inesquecível. Um dia lhe cobrei explicação por que ela, além de ensinar outras pessoas a bordar e costurar,   passava clientes e emprestava uma das máquinas sem nada cobrar. Essa foi a sua resposta: “Por que é da minha natureza ajudar os outros, e se chegamos até aqui foi por que fomos ajudados, aprenda isso”. 
   Eu tenho uma imagem da minha mãe que é símbolo de toda a sua maternidade. Meu irmão mamou até os seis anos de idade, e ela, impossibilitada de largar a máquina, pois haviam muitos pedidos, amamentava-o enquanto bordava. 
   Hoje, aos setenta e seis anos continua ativa, em uma cooperativa de artesanato vendendo suas peças e ajudando os outros. 
   Sinto como se fôssemos o mesmo espírito dividido em corpos diferentes, ela em grau evolutivo muito acima de meu. Sem ela não teria costurado o meu todo, pois alem de dar agulha e linha, foi mão principal para o alinhavo. 

Imagem de arquivo



domingo, 24 de novembro de 2013

Herói sem livro



   Fui introduzido na leitura pelo padeiro da panificadora do meu pai ainda na infância. Contumaz leitor de livros de bolso de bang e bang, ele me mostrou um mundo onde não se confundia os vilões com os mocinhos e vice-versa, tão diferente do mundo real por ser da natureza do homem a vilania e a hombridade no mesmo ser. 

   Costumo dizer que o meu pé não é de laranja lima, mas de amêndoas. Antes mesmo de conhecer as letras e o fascínio que elas exerceriam sobre mim, foi através da audição que um mundo fantástico foi me apresentando pelo meu avô. Nas tardes quentes do verão baiano, ele trazia o seu tamborete de jacarandá com assento de couro de vaca, colocava-o sobre a sombra do pé de amêndoas em frente da panificadora do meu pai, chamava-me e pegando-me pelos braços, colocava-me em seu colo para em seguida me apresentar personagem cuja bondade incutiu em mim a crença no ser humano, pois, mais do que ninguém, ele fazia de seus heróis pessoas comuns.  Meu avô desencarnou em 2001 aos 94 anos, deixou como herança o seu tamborete, mas riqueza maior ele deixou incutida em minha alma, e é tão forte que o sinto vivo, passando com seu jeito simples os seus ensinamentos, até os dias de hoje. 

   Nas visitas que faço na casa dos meus pais no interior de São Paulo, sinto como voltando ao passado, pois a minha família sempre será o meu ninho, o meu refrigério. Quando meu pai pegou o tamborete e colocou ao lado da rede que eu estava deitado com o meu filho e me disse que se arrependia de ter saído da Bahia, mas o que lhe confortava era que nós, os seus filhos, não seríamos o que somos hoje se na Bahia permanecêssemos. Percebi em sua voz uma tristeza incontida e nos seus olhos perdidos no horizonte uma tentativa de encontrar-me criança tendo-o como herói.  Da mesma forma que veio, ele se foi,  levando o tamborete e entrando na casa. Vi naquele gesto um pedido de desculpa por ter destruído os sonhos dos seus filhos. 

   Eu estava construindo os meus sonhos e não usava apenas areia e água, mas também tijolo, cimento e cal. Quando a panificadora do meu pai, em Brasília, faliu, não apenas implodiu os meus sonhos, desestruturou a família de seis filhos, pois ela foi dividida ao meio, metade voltando para a Bahia, a outra metade, meus pais, eu e duas irmãs mais velhas, indo se aventurar em São Paulo. Foi nesse momento que o meu herói passou a ser vilão, e humano. 

   O meu vilão, semianalfabeto, foi trabalhar de servente de pedreiro na construção civil, estudou, fez curso de mestre de obra e exerceu essa profissão até se aposentar. Estruturou a família,  construiu a casa da maioria dos filhos. Homem de mão forte, meu pai, nunca deixou de enfiar as mãos na massa para dar alimento para o corpo com o pão, para a alma com os livros comprados, e, aos quarenta e cinco anos, enfiou as mãos na areia, cal e cimento para dá guarida. 
   O meu pai é um herói que não está nos livros. 





sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Sobre pratos e sob lençóis


                                                      Imagem Getty images

Eles formavam um casal que no século passado era chamado de par perfeito. Anelados há meio século, amam diferentes dos casais do século atual, com pudores e amores. 
Ele engabelava-se tanto com o cozido de sua esposa, carne suculenta servida em pratos da mais pura porcelana chinesa, mexida e remexida em talheres de prata, satisfazendo o seu paladar; quanto com outras partes de carne untadas em cremes importados, mexidas e remexidas sob lençóis lavados com fragrâncias florais, satisfazendo as suas concupiscências.

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Palavras mortaisInimigo meu

Leia a opinião de quem já comprou e leu.

''Uma característica marcante do autor Eder Ribeiro, velho conhecido por suas crônicas, é levar o leitor consigo em suas tramas sempre criativas. Pois eis que seu primeiro ebook vem corroborar isso! Gostei muito, e avalio com o incentivo máximo. - Por Célia Lima''.

sábado, 9 de novembro de 2013

Aquele quarto

   
  Ninguém havia me falado qual era a linha que separava o sonho da realidade, porém, quando atravessei essa linha não estava preparado para sair de uma e entrar na outra. 

   Meu pai foi um grande fabricador de sonhos, aprendera com o meu avô a arte de fabricar barcos e navegá-los pelos rios Grande, São Francisco e Preto transportando mercadorias, contudo, foi quando aprendeu a arte da panificação que os sonhos se realizaram.

   Vivíamos na casa dos sonhos, enorme, ia de uma rua a outra. Na Rua Desembargador Montenegro ficava a entrada da casa e na Rua paralela, Sete de Setembro,  ficava a entrada da fábrica de sonhos, a panificadora do meu pai. E existia um corredor enorme que ligava a casa a fabrica, aquele corredor, cujos rastros, meu e de meu pai, passados quarenta anos, ainda devem permanecer nele se ele ainda existir. São passos indo, primeiro do meu pai, na madrugada,  para a fábrica e depois os meus seguindo-o para em seguida só os dele, pois ele me pegava no colo e me colocava na rede, armada com esse intuito, no salão da fábrica. Tentando driblar o sono, eu via uma névoa branca provocada pelo trigo cobri-lo na feitura da massa do pão e, antes de homem-aranha, super-homem e batman, ele se transformou em meu super-herói. Os passos de volta eram somente dele, pois eu ia dormindo em seu colo. Enquanto a massa do pão descansava para a fermentação, seu corpo descansava também para se preparar para a segunda etapa de sua lida. Amanhecia, e dessa vez, íamos de mãos dadas para fábrica. As suas mãos amassavam a massa, cortavam-na e enrolavam-na para o ultimo descanso e, enfim, ir ao forno à lenha, enquanto as minhas esperava a assadura da massa para prover do bom alimento. 

   As mãos, aquelas mãos, que tão bem sabiam fazer o pão, abriram as portas de nossa casa para a parentela estudar na melhor escola de nossa cidade. Aquelas mãos, que tão bem deram o pão ao corpo,  deram os livros para deleite da alma, sem nem mesmo conhecerem bem as letras. 

   Aquelas mãos, benditas mãos, com o suor de sua lida construíram um quarto acima do telhado de nossa casa e o encheram de livros e revistas. Era lá que meu pai descansava após a lida na madrugada enquanto eu atendia os freguês na padaria durante a manhã. Foram doze anos que ele tentou me ensinar a fabricar sonhos, porém, um sonho maior fez com que ele saísse do interior da Bahia e fosse tentar a sorte em Brasília com toda a família, mas isso é uma outra história.

   Aquele quarto era o meu esconderijo quando voltava da escola, e, ali, folheando as revistas, se não me engano, sétimo céu e contigo, deixei de ser menino e passei a ser rapaz e deixei de ser rapaz e passei a ser homem com as mesmas mãos que folheavam as revistas. Saí daquele pequeno mundo aos doze anos para conhecer a cidade grande e não aprendi a fabricar sonhos. 

   Bem, vou deixar as reminiscências de lado, pois Marina me chama. Quem é Marina? A personagem do meu livro, Insondáveis pecados. Ela pede ajuda para ser salva das garras do seu pai que a assedia. E ela esta no quarto, não naquele quarto, mas em outro. Ela está me ajudando a construir um sonho.

   Obrigado grande fabricador de sonhos, de ti herdei o valor à família. 


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domingo, 3 de novembro de 2013

Novos dias

Era um dia como os últimos dias, dia frio que perduraria até o dia se encontrar com a noite e permaneceria por toda a noite até o encontro do outro dia. Contudo, um dia nunca é igual a outro dia.
Extasiei-me quando o vi surgir diante de mim. Confesso, a sua ausência havia me esfriado, entristecido até. Logo que ele surgiu, fui tirando a roupa, aos poucos, primeiro a blusa, depois abri os botões da camisa e o deixei entrar em mim. Ajoelhei e agradeci, Obrigado amigo SOL.

Imagem de arquivo pessoal





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Agora leia o opinião da poetisa Valéria Cristina Costa Campos


Natan tinha os olhos na realidade que o amargava, mas a mente na estranheza impactante das lâminas que atravessam os dias sem que ninguém perceba. Acalentava o sonho de publicar um livro, mesmo sem o apoio da esposa. Transbordavam em seu corpo e mente sensações que flutuavam entre o deleite do imaginário e o desgosto da verdade. Lutava contra o desejo de executar cada linha escrita, mas a sensação estonteante de fazer parte da trama, comumente lhe sobrevinha rompendo o fio que o conectava ao que não era fictício. O pulso narrativo do Autor transcende as expectativas de Natan que, por sua vez, leva com ele os demais personagens e o leitor à desfechos inusitados. O conto retrata, na sagacidade evidente do Eder, a vilania advinda das mesquinharias que frutificam nas crises existenciais do ser humano. Uma curta narrativa de agradabilíssima leitura.


domingo, 27 de outubro de 2013

Aos meus amigos


Aos meus amigos:

Tenho-os como flores, peço-lhes apenas uma pétala para que eu possa colocar entre as folhas do livro da minha vida, e se por algum motivo, a distância nos afastar, eu possa, ao folhear o meu livro, com as lágrimas das saudades, revivê-los para nunca esquecer o significado que cada um tem.


Meus amigos, um novo conto infantil seria postado nesse domingo, contudo, outros afazeres me impossibilitaram de programá-lo. Estou finalizando um livro e ele está tomando o meu tempo, também, estou editando alguns contos inéditos para ser transformado em ebooks e serem vendidos pela Amazon.com. A quem interessar é necessário cadastrar na Amazon.com clicando AQUI e baixar o aplicativo ( PC, Tablet, Celular ) para ler o livro AQUI, tudo gratuito. Na Amazon, você encontra livros gratuitos e com preços acessíveis. Aproveito a oportunidade para indicar dois ebooks da minha amiga Camila Monteiro, clique Aqui e os compra, saindo cada um por 1,99. Fala sério, preço de produto de loja de variedade, mas com qualidade superior a produtos importados, e não é produtos da China, tá... rssss.
Bem, vai preparando o dindin para gastar com os meus ebooks e quem sabe presentear os seus amigos, afinal, o Natal está chegando.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A família encantada - Última página

- Sabia que você iria entender, Fauser. Sabe, você tem os olhos de seu pai.

- O senhor conhece o meu pai?

- Sim, sim, ele era um rapaz, mais velho do que você, e fizemos esse mesmo passeio juntos. Eu sou o Senhor do Tempo, e vim lhe mostrar que sempre há tempo para consertarmos aquilo que não está funcionando tão bem quanto deveria estar.

Agora, segue de volta para sua casa, filho, mas não se esqueça de levar contigo os três objetos que encontrou na garagem. Ainda se lembra deles?

Apertando a bola de gude com toda força em sua mão, o menino respondeu: Sim, me lembro bem de cada um deles. Posso levar a formiga também?

Essa, já subindo no manto do Senhor do Tempo, deu uma risada e respondeu-lhe assim:

- Meu anjo, mas não percebeu que eu já estou lá dentro de sua casa, junto de você, desde que você era um bebê?

E, brilhando em uma bola de luz, abandonou sua forma pequena e franzina de formiga, e transformou-se em Baba.

O dia já ia alto, e, quando Fauser entrou em casa de mãos dadas com Baba, seus pais pareciam ter sido atropelados por um caminhão.

- Onde você estava? Disse-lhe a mãe, correndo em busca de seu abraço.

- Procuramos em toda a vizinhança por você, Fauser! Chamamos até a polícia! E, caindo a seus pés, seu pai, não segurando a emoção, rompeu em lágrimas.

- Está tudo bem agora, disse-lhes Baba, acalmando aos três. Encontrei-o na garagem, dormindo ao lado desses objetos. Vocês os reconhecem? E, dando um passo ao lado, deixou-os ver a bicicleta grafitada e a bola de capotão.

Cacau e Mel entreolharam-se, e um arrepio subiu-lhes por toda a espinha.

- Meu filho, você estava lá com esses brinquedos? Docemente perguntou-lhe Cacau.

- Foi estranho, meu pai. Eles ganharam vida, falavam entre si. E, depois veio um homem que disse ter lhe conhecido há muito tempo, quando você era criança. E Baba, ela era uma formiga, mas se transformou em gente BEM NA FRENTE DOS MEUS OLHOS.

Nada mais faltava ser dito. Ali, debaixo dos olhos de Cacau e Mel, sua história recontada, através das mãos, sedenta de carinho, de seu filho. Beijaram-lhe a fronte. Disseram-lhe, descanse, meu filho, e foram com ele até o quarto.

Baba a tudo observou, com o sorriso de canto e os olhos rasos de água que lhe eram tão familiares. Cacau deteve-se no corredor em direção aos quartos. Deu meia volta, dirigiu-se à Baba assim:

- Minha amiga formiga, e eu nem por um segundo desconfiei que era você quem o sono e a vida de nosso filho velava! Obrigado, muito obrigado! Diga ao Senhor do tempo que entendemos a mensagem. Não tornará a se repetir, isso eu prometo. Palavra de menino. Dizendo isso, piscou seu olho direito, o mesmo olhar de jabuticaba gigante que Fauser havia herdado de seu pai.

- Meu trabalho se encerra aqui então, rapaz. Voltando à sua forma de formiga, despediu-se do amigo, mas, antes de partir, ainda teve tempo de acrescentar:

- Lembra-se que eram três, e não somente dois, os objetos de sua infância? Seu filho carrega consigo algo de muito precioso, algo que você, ao longo do tempo, esqueceu-se de amar...

Encontrou Fauser adormecido em sua cama. Podia ver o sorriso em seus lábios, ainda tão pequeninos. Ao ajoelhar-se ao lado do filho amado para beijar-lhe a face, como nunca havia tido tempo para fazer, percebeu algo esverdeado na mão esquerda do menino. Esticou sua mão para alcançá-lo, e, seu coração sobressaltou-se quando viu que era sua bola de gude, aquela que havia dado a Mel em honra de seu amor...

O Senhor do tempo, satisfeito com o que viu, esticou seu manto do tempo e provocou a sua passagem. Nem muito rápido, nem muito devagar. No ritmo certo para que muitos aniversários fossem celebrados, muitas conquistas fossem alcançadas, alguns fracassos fossem superados. A tudo o Senhor do tempo tratou com igual cuidado.

Mas agora já não era Fauser a levantar-se da cama, acordado por um barulho diferente vindo do lado de fora da casa. Era Vitor, o neto de Mel e Cacau, que dormira na casa dos avós para que seus pais pudessem sair. Vitor sentia-se o menino mais amado do mundo, pois seus pais e seus avós desdobravam-se em cuidados com ele. Tinha apenas 7 anos, mas a certeza de que era o menino mais amado do mundo.


TEXTO DE ÁGUA E ÓLEO MISTURADOS

AUTORES:


Água: Déia Tolda

Óleo: Eder Ribeiro 

Imagem Getty Images


domingo, 20 de outubro de 2013

A família encantada - Sétima página

Fauser olhou ao seu redor. Não reconheceu a casa. Era a mesma em que morava, mas estava... vazia. De repente, a porta abre e entram seus pais. O menino quase sai correndo para abraçá-los, mas percebe que não está em cena. Estranhamente assiste a algo que está guardado no passado, mas que, de alguma maneira, ele parecia lembrar. 


Seus pais brigavam. Era evidente a angústia que sentiam. A mãe balançava papéis em suas mãos, o pai levava as mãos a cabeça, em sinal de desespero. A barriga da mãe grande, quase no final da gestação.

O pai bate a porta. A mãe cai sentada, aos prantos, alisando a barriga... Nesse ponto, Fauser sente seu próprio coração acelerar:

 - Ela me ama!!

Num apagar e acender de luzes, o menino agora vê seu pai no trabalho. Que horas são, não vejo mais ninguém! Não há luz fora da janela. O relógio roda, descontrolado, as horas não param, o calendário não para, tudo gira em um caleidoscópio acelerado, mas uma imagem, de repente, congela-se: sobre a mesa de trabalho, Cacau tem uma fotografia de Mel e o pequeno bebê nos braços.

- Ele também me ama!!

Um sol, no meio da noite, brilha. E, de seu halo, surge a imagem de um senhor, muito velho, mas de uma presença imponente.
- Rapaz, como você cresceu!

- Eu sou menino, não sou rapaz... E, nos conhecemos de algum lugar?

Rindo, como se não tivesse ouvido aquela resposta, o Senhor continua a falar:

- Rapaz, você sabe por que está aqui?

Pensando o mais rápido que pode, Fauser começa a responder assim:


- A princípio, achei que iria me esconder, fugir quem sabe. Mas, ao ver todas essas imagens, entendo que não me faltou amor - faltou TEMPO para que meus pais o dessem a mim. Ai, Senhor, peço-lhe ajuda! Como faço para que meus pais entendam que todo o sacrifício, todo o esforço que fazem por mim, não é nada se não tiver também o seu amor?

Continua quarta-feira às18hs00min


TEXTO DE ÁGUA E ÓLEO MISTURADOS

AUTORES:


Água: Déia Tolda

Óleo: Eder Ribeiro 

Imagem Getty Images

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A família encantada - Sexta página

Na ânsia de tudo prover ao menino Fauser, deixaram de, em primeiro lugar, oferecer-lhe, sem limite ou racionamento, o presente que todos mais anseiam: o AMOR.

E, prezados amigos, posso lhes garantir. Amor há - cabe a nós ajudá-los a encontrar.

- E o que vocês estão ainda fazendo aí? Um Fauser, de pijamas e descabelado, com os olhos arregalados, ouve o final do, muito bem elaborado, discurso da bola de capotão.

Vamos, precisamos encontrar o AMOR. Por mim...
A formiga, prosa que só, embaixadora do Senhor do tempo, olha o menino e diz:

- Mas você cresceu! Já é um rapaz!

- Eu não sou rapaz. Eu sou menino...

Sorrindo, todos os quatro percebem que a ajuda certa fora providenciada...

- Está bem, não vamos perder tempo. Agora, atenção: no três nós pulamos.

- No quê?

- Na bola, ora!

- Aquela que está parada ali?

- Isso mesmo, vamos, não há tempo, daqui a pouco o portal fecha.

- Peraí, vou levar a bola de gude. 

Pendurando-se na barra da calça de pijama de Fauser, a formiga chuta a bola de gude para o alto, a tempo de ser alcançada pela mão esquerda do menino. E uma descarga elétrica boa passou por dentro da bola, que, mesmo sem lábios, sorriu...

- Chegamos.

- Mas estamos no mesmo lugar!


- Não foi o lugar que mudou, foi o tempo!

Continua domingo às 8hs00min


TEXTO DE ÁGUA E ÓLEO MISTURADOS

AUTORES:


Água: Déia Tolda

Óleo: Eder Ribeiro 

Imagem Getty Images

domingo, 13 de outubro de 2013

A família encantada - Quinta página


Fauser levantou-se da cama, abriu a porta e espreitou pela fresta. O corpo da babá fulgia e de sua mão pendia uma varinha de condão. Minha fada madrinha! Fauser pensou alto. Voltou para a cama e adormeceu.
Mas essa noite não era como as outras. Após poucos minutos de sono, um barulho diferente fez com que Fauser acordasse. Ainda esfregando seus pequenos olhinhos com sono, foi à janela, e, arregalando os seus olhos de jabuticaba além da grade de proteção, não acreditou no que estava vendo.

Uma formiga levantava a porta da garagem!

A formiga, amiga de infância de Cacau, estava atarefada. O Senhor do tempo havia a encarregado de buscar uma solução para  vida sem amor que Cacau e Mel estavam levando. Mas, para isso, era preciso que forças fossem unidas. A formiga precisava encontrar os três objetos inanimados que mais amavam àqueles dois cabeças-duras! E, na garagem da casa,  achou a bola de capotão descosturada numa caixa de sapato, a bola de gude como olhos de uma das bonecas de Mel e a bicicleta entre os ferros velhos.

- Que desperdício! Mas, não há tempo para lamentações! O portal não abre muitas vezes e ainda há muito que fazer! O que vocês estão precisando é de água para encantarem. E, conforme ia dizendo essas palavras, as três receberam os esguichos de água vindos da mangueira do jardim.

O encanto começava a fazer efeito. Sacudindo-se tal qual cachorro, a bicicleta reviveu; a bola de capotão, apesar de descosturada, espirrou dando sinal de vida; e a bola de gude saltou do olho da boneca e saiu rolando pela grama molhada, deixando um rastro de alegria.

 As três disseram em uníssono:

- Você voltou!!!

- Sim, sim, mas não temos tempo, aliás, temos o tempo que o Senhor do tempo nos concedeu. E é pouco, muito pouco, mas pode operar milagres na vida dessa família. E pensar que Cacau e Mel eram tão atenciosos com vocês! Tsc, tsc, tsc... Tínhamos certeza de que seriam bons pais. Agora vocês me respondam, onde foi que eles erraram e entraram nesse caminho sem vida, sem alma?

A bola de gude, desde sempre a mais falante, e de longe a mais pessimista, fez um relato breve, sempre é claro, do seu ponto de vista:

- Mas ora essa, dona formiga, eu disse que os dois iriam nos esquecer. Essas coisas de homem e mulher atrapalham muito o discernimento das pessoas. Pois se acreditam, com toda a força, que para ser grande é preciso esquecer-se de quando era pequeno! E eu agora é que lhes pergunto: como eles podem criar uma criança se perderam sua essência?

A bicicleta, sempre suave e gentil, tão magoada que estava, resolveu participar também da conferência:

- Veja só, dona formiga, se é possível tal estapafúrdio: Eu aqui, linda, girassóis grafitados e azul da cor do céu, e eles comprando coisas que precisam ficar presas na parede! Fauser NUNCA nos viu! Acho mesmo que (agora ela está sussurrando, pois detesta fazer fofoca) jamais andou num selim de bicicleta!

A indignação foi geral. Um festival de "assim não dá", "isso precisa acabar", foi ouvido, até que, numa surpresa danada, a bola de capotão pede a palavra:

- Eu fui presenteado a Cacau no mesmo dia em que ele conheceu a Mel. Pude ver em seus olhos o amor brotando. E o amor é o gesto sublime que eleva os seres humanos. A vida, no entanto, os engoliu. Na máquina que, hoje, gira o mundo, não há mais tempo para ser feliz - a menos que esse artigo esteja à venda em uma prateleira, perto dos aparelhos eletrônicos.

E, esses subterfúgios escondem a triste realidade desse casal que, outrora, era criança: eles desaprenderam a amar. Esqueceram-se que é o sentimento mais completo, e, no entanto o mais simples de se dividir.

Continua quarta-feira às18hs00min


TEXTO DE ÁGUA E ÓLEO MISTURADOS

AUTORES:


Água: Déia Tolda

Óleo: Eder Ribeiro 

Imagem Getty Images