-
Sabia que você iria entender, Fauser. Sabe, você tem os olhos de seu pai.
- O
senhor conhece o meu pai?
-
Sim, sim, ele era um rapaz, mais velho do que você, e fizemos esse mesmo
passeio juntos. Eu sou o Senhor do Tempo, e vim lhe mostrar que sempre há tempo
para consertarmos aquilo que não está funcionando tão bem quanto deveria estar.
Agora,
segue de volta para sua casa, filho, mas não se esqueça de levar contigo os
três objetos que encontrou na garagem. Ainda se lembra deles?
Apertando
a bola de gude com toda força em sua mão, o menino respondeu: Sim, me lembro
bem de cada um deles. Posso levar a formiga também?
Essa,
já subindo no manto do Senhor do Tempo, deu uma risada e respondeu-lhe assim:
-
Meu anjo, mas não percebeu que eu já estou lá dentro de sua casa, junto de
você, desde que você era um bebê?
E,
brilhando em uma bola de luz, abandonou sua forma pequena e franzina de
formiga, e transformou-se em Baba.
O
dia já ia alto, e, quando Fauser entrou em casa de mãos dadas com Baba, seus
pais pareciam ter sido atropelados por um caminhão.
-
Onde você estava? Disse-lhe a mãe, correndo em busca de seu abraço.
-
Procuramos em toda a vizinhança por você, Fauser! Chamamos até a polícia! E,
caindo a seus pés, seu pai, não segurando a emoção, rompeu em lágrimas.
-
Está tudo bem agora, disse-lhes Baba, acalmando aos três. Encontrei-o na
garagem, dormindo ao lado desses objetos. Vocês os reconhecem? E, dando um
passo ao lado, deixou-os ver a bicicleta grafitada e a bola de capotão.
Cacau
e Mel entreolharam-se, e um arrepio subiu-lhes por toda a espinha.
-
Meu filho, você estava lá com esses brinquedos? Docemente perguntou-lhe Cacau.
-
Foi estranho, meu pai. Eles ganharam vida, falavam entre si. E, depois veio um
homem que disse ter lhe conhecido há muito tempo, quando você era criança. E
Baba, ela era uma formiga, mas se transformou em gente BEM NA FRENTE DOS MEUS
OLHOS.
Nada
mais faltava ser dito. Ali, debaixo dos olhos de Cacau e Mel, sua história
recontada, através das mãos, sedenta de carinho, de seu filho. Beijaram-lhe a
fronte. Disseram-lhe, descanse, meu filho, e foram com ele até o quarto.
Baba
a tudo observou, com o sorriso de canto e os olhos rasos de água que lhe eram
tão familiares. Cacau deteve-se no corredor em direção aos quartos. Deu meia
volta, dirigiu-se à Baba assim:
-
Minha amiga formiga, e eu nem por um segundo desconfiei que era você quem o
sono e a vida de nosso filho velava! Obrigado, muito obrigado! Diga ao Senhor
do tempo que entendemos a mensagem. Não tornará a se repetir, isso eu prometo.
Palavra de menino. Dizendo isso, piscou seu olho direito, o mesmo olhar de jabuticaba
gigante que Fauser havia herdado de seu pai.
-
Meu trabalho se encerra aqui então, rapaz. Voltando à sua forma de formiga,
despediu-se do amigo, mas, antes de partir, ainda teve tempo de acrescentar:
-
Lembra-se que eram três, e não somente dois, os objetos de sua infância? Seu
filho carrega consigo algo de muito precioso, algo que você, ao longo do tempo,
esqueceu-se de amar...
Encontrou
Fauser adormecido em sua cama. Podia ver o sorriso em seus lábios, ainda tão
pequeninos. Ao ajoelhar-se ao lado do filho amado para beijar-lhe a face, como
nunca havia tido tempo para fazer, percebeu algo esverdeado na mão esquerda do
menino. Esticou sua mão para alcançá-lo, e, seu coração sobressaltou-se quando
viu que era sua bola de gude, aquela que havia dado a Mel em honra de seu
amor...
O
Senhor do tempo, satisfeito com o que viu, esticou seu manto do tempo e
provocou a sua passagem. Nem muito rápido, nem muito devagar. No ritmo certo
para que muitos aniversários fossem celebrados, muitas conquistas fossem
alcançadas, alguns fracassos fossem superados. A tudo o Senhor do tempo tratou
com igual cuidado.
Mas
agora já não era Fauser a levantar-se da cama, acordado por um barulho
diferente vindo do lado de fora da casa. Era Vitor, o neto de Mel e Cacau, que
dormira na casa dos avós para que seus pais pudessem sair. Vitor sentia-se o
menino mais amado do mundo, pois seus pais e seus avós desdobravam-se em
cuidados com ele. Tinha apenas 7 anos, mas a certeza de que era o menino mais
amado do mundo.
TEXTO DE ÁGUA E ÓLEO MISTURADOS
AUTORES:
Água: Déia Tolda