Não sei se é a vida que costura parte de nós
para formar o todo ou se são pessoas de nosso convívio que alinhavam essas
partes para que possamos dar o acabamento. Creio na segunda afirmativa, assim, a peça toda,
com defeito ou não, será fruto de nossa costura.
Foi na opulência que o molde do meu todo foi forjado.
Nessa época, o ter só meu deu agulha e linha para a costura, mas foi a
solidariedade dos meus pais que guiaram as minhas mãos para a cosedura. Após
sair da opulência, perdendo a agulha e a linha, a costura continuou sendo feita baseada na mesma solidariedade.
Minha mãe, que nunca havia trabalhado, tendo uma
empregada doméstica e uma babá, se viu - após a falência do meu pai - obrigada
a uma dupla jornada exercendo a profissão de costureira para ajudar no orçamento familiar e cuidando dos afazeres
domésticos.
Minha mãe tem um positivismo de causar inveja, talvez
isso foi imbuído em seu ser para a nossa própria sobrevivência. E foi o que nos
salvou. Meu pai, a princípio, deixou-se abater pela falência de sua
panificadora, ela, tomando rédeas da situação, pedalou literalmente os nossos
destinos.
Quando olho o pedestal da velha Singer, comigo para
que eu não esqueça como o meu todo foi costurado, vejo minha mãe pedalando a
máquina de costura para ganhar os primeiros trocados e alimentar de pão -
outrora feito pelo meu pai - a família.
Aos poucos ela foi crescendo e eu a seguia. Quando me
dei conta, ela já tinha três máquinas industriais de bordar, outras de costurar e eu, aos
treze anos, ajudando-a ora em uma máquina de bordar, ora em uma de costura.
Bordamos e costuramos durante muito tempo vestido de noiva para as lojas da Rua São
Caetano no centro velho de São Paulo.
Foi nessa época que ela me deu uma lição de vida
inesquecível. Um dia lhe cobrei explicação por que ela, além de ensinar outras
pessoas a bordar e costurar, passava clientes e emprestava uma das
máquinas sem nada cobrar. Essa foi a sua resposta: “Por que é da minha natureza
ajudar os outros, e se chegamos até aqui foi por que fomos ajudados, aprenda
isso”.
Eu tenho uma imagem da minha mãe que é símbolo de toda
a sua maternidade. Meu irmão mamou até os seis anos de idade, e ela,
impossibilitada de largar a máquina, pois haviam muitos pedidos, amamentava-o
enquanto bordava.
Hoje, aos setenta e seis anos continua ativa, em uma
cooperativa de artesanato vendendo suas peças e ajudando os outros.
Sinto como se fôssemos o mesmo espírito dividido em
corpos diferentes, ela em grau evolutivo muito acima de meu. Sem ela não
teria costurado o meu todo, pois alem de dar agulha e linha, foi mão principal
para o alinhavo.
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