Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Álbum de família: fotos, grafias emotivas


    No meu álbum de família tem tantas fotografias pelo tanto de ano vivido, não tanto quanto o do rei Roberto Carlos, que expô-las me causa emoções indizíveis.
    Poderia expor a foto do colégio Santa Eufrásia, administrado por feiras; lá, eu conheci o quanto deus pode ser mau pelas palmatoadas das professoras, principalmente a de religião. Porém, aprendi a respeitar o outro. Ou então, a foto de um nordestino cabra da peste que conviveu comigo até os meus doze anos e foi esteio em minha vida, e devido à distância que nos separou, permeou as minhas saudades, o meu avô.
    Poderia expor a foto de uma senhora-menina com 73 anos, completados no último dia 23 de maio, que me ensinou o quanto deus é bom ao dispor de si para dispor-se ao outro, a minha mãe. Ou então, a foto de um jovem, senhor dos seus 76 anos a completar em 07 de setembro, que com a mão direita me deu o pão, alimento para o corpo; com a mão esquerda os livros, alimento para a alma; e me ensinou o significado de bondade, o meu pai.
    Poderia expor a foto dos tios, tias, primos, primas, irmãos, irmãs, sobrinho e sobrinhas que me ensinaram a consagrar a família. Ou então, a foto da rosa e do cravo que, apesar das brigas infantis, se constroem amando e mais me ensinam do que eu a eles, os meus filhos.
    Poderia expor, por fim, a foto de uma guerreira que aos 12 anos saiu do seio da sua família por não suportar ver os pais se disporem da alimentação para dispô-la aos filhos, e em dias de farinha com peixe frito, havia dias outros que na falta de um alimentavam-se do outro e na falta dos dois, alimentavam-se de ilusões. Essa guerreira venceu e me ensinou o significado de solidariedade. Minha flor de Liz, sedimentando o meu chão; mais do que estrela do meu céu, o próprio céu, minha esposa.
    Não o faço por saber o valor que todos eles incutiram em mim. Exponho outra foto porque ela simboliza o valor de outra família agregado aos meus valores. O filosofo escreveu que nossa felicidade depende dos bons encontros que temos no decorrer da vida, e esta família foi um bom encontro. Algum dos membros já conheço há bastante tempo, outros há pouco e alguns estou aprendendo a conhecer, mas todos eles já significaram o valor da amizade e da gentileza. Por isso, amigos, obrigado é o mínimo que posso dizê-los. Muito podem achar que a foto pode representar pobreza, mas ressalto que o tesouro está intrínseco; ela representa a família e para conhecer uma família é necessário entrar em casa. Por isso convido a todos a conhecer essa nova família que tanto valor agregou a mim. Para sabê-los clique no título da postagem para entrar na casa de cada membro desta nova família; não precisa bater na porta, ela já está aberta.


  • In memorian Pedro Mariano Vogado, meu avô, vindo à luz em 30 de janeiro de 1907 e ido à luz em 11 de outubro de 2000
  • A frase “dispor de si para dispor-se ao outro” é de autoria do Padre Fábio de Melo e está no livro “Quem me roubou de mim?”



sexta-feira, 21 de maio de 2010

Folhas de outono

Amiúde, nas tardes outonais, sou tomado por uma tristeza desmedida, trazida pelos ventos gélidos de maio, enregelando os meus ossos a ponto de petrificá-los de dor, obrigando-me a me prostrar no sofá. Apesar do som ensurdecedor da televisão – não me dou ao trabalho de diminuí-lo ou desligá-la -, ouço minha voz interior, tão e demasiada olvidável na juventude, lembrar-me que as minhas cãs, pululando na minha cabeça talmente baratas dos lixos, não sustentam por muito tempo a tintura, apesar do esmero da cabeleireira ao tintá-las. Soçobrado pela solidão, o meu apego as lembranças é um átimo em que me volto à vida sem mais tê-la, novamente.
Houve época em que a tristeza não aflorava tanto como tem aflorado ultimamente. Não sei se devido às idas ao quarto – outrora constantes -, agora esporádicas; ou, então, devido essas mesmas idas, outrora para outros afazeres mais prazerosos do que o de agora, apenas para dormir entre lençóis bordados de solidão.
Estão ali todos os símbolos da minha velhice, a pantufa com o escudo do São Paulo, presente de um tempo remoto quando eu tinha ânimo para torcer por um time de futebol; o pijama cor de burro quando foge com bolinhas pretas a depreciar a minha imagem diante do espelho ao vesti-lo; a bengala, usada mais como arma em defesa aos desaforos preconceituosos por ser idoso, do que propriamente como apoio; a dentadura dentro do copo a me sorrir um riso que não é meu, como quem quisesse dizer que tudo em mim era falso; a coleção de cachecóis dispostos sobre o cabideiro como uma teresa, incutindo em mim a ideia de sair da vida de uma forma trágica.
Quão diferente era a penteadeira dela com todos os tipos de cremes para cada parte do corpo; os batons em cores fortes e vivaz; todos os tipos de brincos e cada um trazendo um pouco de sua história; os eflúvios dos perfumes amadeirados permanente ali para me lembrar da sua ausência.
Melancólico, os meus olhos, amiudados pela tristura sem mesura, percorreram toda a casa se perdendo nas suas coisas, espalhadas pelo chão de uma forma juvenil, em busca de alguma melodia, de um pouco de lirismo, ou, quiçá, de uma poesia fluindo ritmicamente a falta que ela me faz, esquentando o meu álgido coração.
Cerro os olhos e guardo esta última imagem fotografada em versos viniciusmoraeseanos de juras de um amor eterno antes-durante-depois-da-vida.
As lágrimas cozidas pelas solicitudes de salvação pela dor silente das saudades é a mesma que cose por fios de alegria o manto da minha partida.
Colho flores de maio vestidas de orvalho da madrugada e deposito em seu túmulo. Parto talmente a folha de outono levada pelo vento, perdida de si, estilhaçada, e quase em pó, um átomo, perdendo-se, mais ainda e para sempre, alhures. A possibilidade de reverdecimento me é impossível por saber que as folhas de outono parasitam secas algures.
                                                *
Dias depois, um garoto vestido de felicidade – destas encontráveis, somente e não mais, em uma criança -, perdido do seu cão, entra no cemitério a sua procura, e, ao deparar-se com o túmulo entesourado com flores de maio, lê o epitáfio escrito na lápide vertical: “Uma esposa que amou, acima de tudo, o seu marido, e o espera, sempiterno, alhures”.
Ao sair com o desentendimento balouçando a sua mente pelo que foi lido, o garoto é encontrado pelo seu cão, e os dois pela sua mãe.
As folhas de maio aquarelavam de amarelo, vermelho, marrom e cinza a calçada, atapetando-a. Mãe e filho estavam sentados, tendo o cão lhes observando como se tivesse diante de um quadro de Matisse. O garoto, com duvidas no olhar, lhe pergunta o significado da palavra alhures. O cão ladra como se conhecesse a resposta. Com a voz melodiosa como se estivesse declamando uma poesia lírica, ela lhe responde que alhures é aonde se encontra as folhas de outono, reverdecidas.

sábado, 8 de maio de 2010

O filho que perdi

Está presente na minha memória, com uma certeza absoluta que nunca daí sairá, a perda do meu segundo filho. Está lá no canto da memória a doce voz da médica dizendo a minha esposa: “Há uma vida dentro de você, mãe”. E não importa quanto tempo eu viva, tanto imagem quanto voz viverão comigo. Passado um mês veio o susto. Sangramento. O tom da voz da médica agora era de preocupação: “A um problema mãe, você está perdendo seu filho”. O quê dizer nestas horas, será que as lágrimas dos dois diziam por si só? Havia uma esperança que o medicamento o segurasse, uma tênue e fraca esperança.
Minha filha desde o nascer sempre precisou de cuidados médicos. Não importava o dia ou a hora e nós estávamos a levá-la ao hospital devido problemas alérgicos. A idas e vindas eram tão constantes que enfermeiros e enfermeiras já a conhecia, a tratava de nossa princesinha. Numa dessas idas (ela tinha dois anos), quando é o desespero que te guia, eu, dirigindo, fui de encontro a um ônibus que vinha em sentido contrário. Lembro de, como se tivesse acontecendo agora, minha esposa gritando o nome da minha filha e me perguntando o que estava acontecendo. Vi as ferragens do carro se contorcendo vindo em direção ao meu rosto, solto o volante do carro para proteger o rosto e o carro dá um giro de trezentos e sessenta graus batendo no poste. Deste acidente ficou a cicatriz na mão e no lado esquerdo da cabeça e o agradecimento de não ter perdido esposa e filha.
Noutro momento, quando minha filha tinha quatro anos, já grávida do que seria nosso segundo filho (sempre o tive e terei como filho apesar de ter sido gerado por apenas um mês), minha esposa levando-a no colo até o hospital sentiu dores na altura do abdômen. Durante dias após o aborto ela se culpou achando que aí estava a causa do mesmo. Preferi, e a convenci do mesmo, apesar de não ser plausível, a versão da médica de que a própria natureza se incumbia de expelir um feto degenerado.
Após uma semana de medicação, quando a tênue e fraca esperança evadiu, o médico num portunhol canhestro falou que a enfermeira acompanharia minha esposa até a sala de cirurgia para limpeza do útero. Para surpresa do médico e minha, minha esposa falou firme com os punhos sobre a mesa: “Não”. Foi neste momento que ele nos olhou, e, acho, percebeu que estava tratando com seres humanos. Ele nos deu no máximo uma semana. Saí dali certo que não o tinha mais conosco, mas foi necessário para minha esposa ir para casa para chorar o quanto fosse necessária a perda do nosso segundo filho. Noutro dia ela me chamou para ir ao hospital e disse com as mãos no ventre: “Aqui não há mais vida”.
Tudo isso me veio agora porque de quatro mudas de rosas plantadas nenhuma vingou, e quando se faz à semeadura, sempre esperamos que o fruto vingue.
Ouço a voz da minha filha, o choro do meu terceiro (o que não nasceu sempre será o segundo) filho. São as vozes do chamamento, e lá vou eu regar a Rosa – assim chamo minha filha -, e o Cravo – assim chamo meu terceiro filho -, afinal fruto vingado tem que ser cuidado e amado.

05/02/08