Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sábado, 29 de outubro de 2011

Gris - Final

   - Vai lhe soar estranho o que eu vou lhe dizer, mas não posso mais lhe ocultar a verdade, vejo nos seus olhos muitas perguntas, e elas serão todas respondidas com o que vou lhe contar.
   Percebendo que meu pai estava dando voltas e não dizendo o que queria dizer, eu abri minhas mãos e as levei de encontro as suas. Seus olhos marejaram e os meus verteram em lágrimas quando me disse que não era o meu pai biológico. Estarreci-me, e me estupefique quando ele me disse que eu só era filho biológico da minha mãe. Pensando que as surpresas terminariam aí, ele me disse que encontrou minha mãe em uma de suas idas as boates noturnas no centro velho de São Paulo. Enojado da história que ele estava me contando, eu tentei tirar as minhas mãos das dele, mas ele não deixou. Perguntei por que ele casou com ela, ele me disse que não casou. A incompreensão abateu sobre mim, e mais ainda quando ele disse que ela estava grávida e não sabia de quem, pois ela era muito solicitada.
   - Sou filho de uma prostituta. - Gritei esperando que ele dissesse não. O sim veio através do silêncio.
   - Por que você ficou com ela? - As perguntas se acumulavam na minha mente. Enfim, ele respondeu.
   - Eu não fiquei com ela, mas sim com você. Nunca a amei, nunca tive relação com ela. Ela queria abortar. - Disse isso, e senti que as palavras lhe cortavam a garganta sangrando fel. - Para lhe ter, eu teria que ficar com ela, não tive opção, teria que abdicar do meu desejo de casar e ter filho. Percebi com o tempo que eu já tinha uma família, e ela se resumia a nós dois, e o amor que eu lhe tenho suplanta qualquer outro amor. Filho a vida é feita de escolhas, e as nossas escolhas depende de nossas vontades. A minha vontade era vê-lo saindo daquela barriga para a vida. Quando isso aconteceu, eu passei a enxergar o amor de uma forma diferente, o amor que vem da alma e não almeja o físico. Eu escolhi esse amor e não me arrependo.
   Ao terminar o seu relato, ele me pediu para perdoar a minha mãe, dificilmente faria isso. Ao deixar o quarto, o silêncio permaneceu entrecortado pelo seu amor, não havia mágoa, não havia dor, pois nunca tive uma mãe, apenas um pai e agora sabia que ele havia sido minha mãe também, me preenchendo com o quê nela faltava, a maternidade. Definitivamente eu tinha a certeza de que não precisava dar a luz para ser mãe e muito menos ser mulher.
   Em 1986 nós tivemos o melhor ano de nossas vidas. Ele entrou esbaforindo a felicidade de quem conseguiu alcançar o objetivo proposto. Cansado, ele tirou a amarelinha número dez da mochila e a jogou no sofá. Eu não acreditei quando vi a assinatura do Rei Pelé na camisa. Abracei-o feliz e com certa mágoa por saber que só havia uma camisa e certamente era dele. Ele, desvencilhando do meu abraço e retirando da mochila, me deu a amarelinha com o autógrafo de todos os jogadores da seleção de 1982 na frente da camisa e atrás, abaixo do número dez também estava o autógrafo do Pelé:
   - Sabe o que me reconforta, é saber que todo o esforço da minha conquista é para a sua felicidade. Eu te amo, campeão.
   Diante de mim estava um homem que não precisaria morrer e nem da confirmação da igreja para ser intitulado de santo.  Assistimos de mãos dadas todos os jogos do Brasil e pensávamos que iríamos ser tetra campeão quando nas quartas de final, o Brasil caiu diante da França na disputa de pênaltis. Após as penalidades, ele, suavemente, retirou a sua mão da minha, balançou a cabeça, encheu o pulmão de ar e o esbaforiu nervoso, passou as mãos pelos cabelos e me olhando nos olhos falou:
   - O Zico não é Pelé. Não verei o Brasil ser campeão novamente. - O Zico havia perdido um pênalti quando o jogo estava empatado no tempo normal e ele sempre buscava um culpado para o fracasso da seleção brasileira, como também dizia que nunca mais veria o Brasil campeão do mundo.
   Em 1986 eu tive o pior ano da minha vida. Um mês após a final da copa, ele chegou esbaforindo, e antes de entrar à casa, no portão do jardim, observando-o da janela, eu o vi apoiado no portão tentando recuperar o fôlego. Arrastou os pés apoiando-se ora nas plantas, ora em uma esperança de sobreviver, não a dele, mas na minha, pois eu havia corrido em sua direção. Encontrei-o com as duas mãos apoiadas nos joelhos, com os dentes à mostra, esforçando-se em respirar, puxando o ar pelo nariz num esforço descomunal e ao não conseguir abriu a boca, não para pedir socorro, pois não havia mais tempo, mas para ingerir o ar derradeiro. Ele foi ao chão sem ter tempo de pôr a sua mão sobre a minha estendida. Naquele momento tinha percebido que nossas mãos não atariam novamente. Deitei-o no sofá, abri a sua mão gélida e a apertei na minha. Para a minha surpresa ele abriu os olhos, derramou as lágrimas da despedida e balbuciou:
   - Perdoa-a. - A voz rouca saiu enfraquecida.
   Os seus dedos desvencilharam dos meus. O silêncio da morte só foi quebrado pelo meu grito de não. A minha mãe estava encostada na porta da sala sem demonstrar os seus sentimentos, se houvesse algum, provavelmente não seria de dor. Vi nos seus olhos um brilho macabro e gélido, o que isso significava, eu não saberia dizer, nunca soube entender, muito menos compreender o significado do seu olhar. Após o enterro do meu pai, saí do cemitério levando comigo uma tristeza gris, lá fora o tempo estava ensolarado, dando mais brilho às cores. Olhei para trás e fixei os meus olhos nos da minha mãe, eles estavam irrespondíveis, foi a última vez que a vi viva.

   Agora, estava, novamente, no cemitério para dar um endereço ao seu corpo morto, permitindo que ela fosse enterrada no jazido da família.  Era, para mim, um gesto de perdão, não esperei o caixão descer ao túmulo, pedi ao coveiro que depositasse a rosa branca sobre o seu caixão antes de fechar a gaveta. Então ele virou para mim e disse:
   - Lindo gesto.
   Ia sair sem lhe perguntar por que, mas voltei atrás e perguntei.
   - A rosa significa amor. Você deve ter amado ela muito, por isso não quer assistir a cerimônia até o fim.
   Saí sem lhe dar uma resposta, apenas o agradeci. Na rua, apesar do dia gris, trazia em mim as cores da primavera, eu estava colorido e feliz.
    Abri a minha mão e senti a mão do meu pai tocá-la, não o vi próximo a mim, mas tinha certeza que ele me acompanhava.

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terça-feira, 25 de outubro de 2011

Gris - 1ª parte

   Agora, os seus olhos desidratados, fechados em um corpo sem vida deitado na madeira fria, sem nenhum forro para aquecer a sua última morada, não mais diriam o que eu tanto queria saber:
   - Ela me amou? - Essa foi a pergunta que eu nunca fiz, nem a mim mesmo, pois a resposta ficaria legada ao silêncio.
   O seu velório tinha o som dos solitários, o silêncio sepulcral. Diante de mim havia apenas o seu esquife, nenhuma vela acessa com a sua chama extinguindo significando o fim da vida, nenhuma flor perfumando o ambiente e significando o reflorescimento, a continuação da vida em outro plano. Não, não havia nada disso, apenas o silêncio, o seu corpo morto e eu com uma rosa branca na mão. Sentindo-me estranho naquela despedida, eu pedi ao coveiro que acelerasse o sepultamento. Ela, quando viva, já estava morta e enterrada. Que se jogasse logo a pá de cal.

   Os seus olhos gris sempre trouxeram tristezas descomunais, incompreensíveis. Tentei várias vezes lê-los, saber o quê se escondia por trás dos seus sentimentos, porém os seus olhos se mostravam indeléveis. Nunca a vi chorar, os seus sentimentos se expressavam pela secura, não lhe havia umidade. Vivendo o seu sertão, o seu coração rachado buscava preencher as rachaduras com sentimentos que ela não encontrava no nosso lar.
    Não sei se por medo da resposta, ou por medo de perguntá-lo, magoando-o, o meu pai silenciava quando ela saía à noite, e com essa atitude, eu sabia que o silêncio seria a resposta para a pergunta nunca feita. E assim foi, ad infinitum, as saídas noturnas dela, o silêncio dele, os meus olhos incompreendidos querendo uma resposta. Eu só a saberia anos depois.
   Os meus olhos ganhavam um colorido quando ele adentrava sob a coberta me despertando. Não havia tempo de lhe responder bom dia, pois nos meus lábios havia um sorriso descomunal impedindo a fala, porém, ao se pôr de pé com a mão aberta esperando o encontro da minha, levando-me ao banheiro e depois à mesa para o café da manhã, eu lhe dizia - carregando em cada palavra a felicidade de quem é amado -, bom dia querido pai! Ele não se dava ao trabalho de abaixar a cabeça para retribuir a gentileza do bom dia, fazia melhor, pegava-me no colo e quando nossos olhos se encontravam não havia necessidade das palavras, a nossa felicidade falava por si só. Assim crescemos, sem nunca abaixar a cabeça um para o outro, pois nos respeitávamos, e quando a elevávamos era em agradecimento aos céus por ser nossa relação um eterno ensinamento e pratica de amor entre pai e filho. Indiferente a esse amor minha mãe passava os dias gris, tristes, cumprindo a sua tarefa de dona de casa, relegando o seu papel de esposa e mãe ao depois. Se houve alegria em sua vida, ela nunca demonstrou durante o dia; durante a noite, com suas saídas nunca explicadas, eu não saberia dizer se houve. Porém o depois chegou, mas já era tarde para ela recuperar o papel de esposa, o de mãe seria impossível, pois ele é inerente a toda mulher, tanto é que não há a necessidade de dar a luz para ser mãe, a maternidade é uma condição divina. Essa condição disposta por Deus a todos as mulheres, ela não tinha.
   Eu sempre pensei que ninguém é bom o suficiente para merecer a santidade, contudo eu vim saber o verdadeiro significado de santidade quando o meu pai, sempre verdadeiro no seu modo de agir quando no de falar, contou-me a verdade sobre mim. Primeiro me disse que eu já tinha idade para compreender e absorver o que ele haveria de contar. Eu estava com dez anos.

Continua.

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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Não é blue o meu céu

   “Meu encontro com a escrita se deu quando eu pus as histórias do meu avô no papel, de lá para cá o tempo passou. Estou no blog há três anos, e neste tempo o que me deu mais prazer foi conhecer novos escritores, e mais prazer ainda escrever histórias a quatro mãos. Dentre estes escritores está a Paula Barros, juntos escrevemos o texto abaixo. Obrigado Paula pelas suas duas belas mãos que por entre os dedos destilam poesias”.

Não era prateado, nunca é, o meu céu. O meu Recife está dourado. A esperança rondava as nuvens em tom alaranjado, liquidificando em mim uma alegria com sabores variados. A nau foi ao mar... Meu Deus o que estou dizendo, um rapaz de cinquenta anos falando nau. Recomeçando, pois o recomeço não é uma história repetida. A ancora da alegria foi içada, o navio, agora sim, foi ao mar. Sempre me repito em meus passos. Navegar era uma forma das andanças não serem dada com os mesmos passos. Da proa, eu ouvi a batida eletrônica vinda do salão de dança. Ousei. Entrei jogando os calcanhares para os lados, remexendo os quadris, socando o ar com os punhos como se tivesse lutando com seres imaginários, pulando símile ao macaco de galho em galho. Dançava. Percebi-a rindo, de mim. Não me perturbei. Fui a ela, conforme a maresia. Da forma que dança, vai chamar chuva, disse-me. O céu mandou resposta, gotas poéticas caiam no convés inundando os meus pensamentos de devaneios. Apesar da chuva, o meu céu não é blue. Tocava, agora, um blues, ela disse: acompanha-me. Decedi ousar, pois a ousadia é uma característica masculina. Não a deixei no vácuo, respondi logo o sim e me arrisquei lançando-me. Agora, os meus primeiros passos eram de dança, permiti-me o novo, ouvi outros sons. Os meus sons. Sem saber ela estava sendo minha parceira nessa nova andança. La nave vá. Pensando estar conduzindo, eu era conduzido pela leveza das suas mãos. E ser conduzido assim, sem manter o eterno controle, também era novo para mim. La nave vá, eu também, feliz, com outros passos, os da dança, uma nova dança, deste novo ser em mim.

Autores: Paula Barros e Eder Ribeiro
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terça-feira, 18 de outubro de 2011

Sobre as minhas águas



   “Meu encontro com a escrita se deu quando eu pus as histórias do meu avô no papel, de lá para cá o tempo passou. Estou no blog há três anos, e neste tempo o que me deu mais prazer foi conhecer novos escritores, e mais prazer ainda escrever histórias a quatro mãos. Dentre estes escritores está a Paula Barros, juntos escrevemos o texto abaixo. Obrigado Paula pelas suas duas belas mãos que por entre os dedos destilam poesias”.
Poderia ser romântica se não fosse banal dizer que eu estava no carro, em um estacionamento, comendo uma maçã com boca de quem queria cometer um pecado, olhando a lua cheia num céu límpido, sem nuvens, ouvindo Fagner cantar "Borbulhas de amor".
   Poderia ser poética se a maçã fosse gala ou argentina, mas não, ela é fuji, como é o seu coração divido sem saber se fica ou se vai. Falta-lhe gala, talvez nem o significado desta palavra você saiba. A covardia de assumir os teus sentimentos só lhe deixa uma alternativa, a fuga.
   Poderia ser musical, e me deixar levar pelos passos da dança, perder os meus sentimentos entre os jogos de pés como em um passo de tango, ou, quem sabe, não mais me saber, muito menos dos sentimentos quando não souber de quem é a perna quando os pés estiverem descalços.
   Tenho um coração dividido, como canta Fagner, entre a esperança e a razão. Mas quem me domina sempre é a emoção. Ah, você! Não vale essa exclamação.  Onde está? O teu silêncio não é resposta. O teu coração é como o rochedo, necessita das águas do mar para se moldar. Talvez ele, devido à insensibilidade, não molda, se desfaz. Você não percebe que a musicalidade do meu corpo não necessita da audição para ser compreendida. Você olha e não me enxerga, toca e não me sente. Não me engano mais, simplesmente você não conhece o significado do pecado e nem o gosto da maçã.
   Você agora é um peixe fora do aquário, não conhece a mansuetude dos rios e nem a agitação dos mares, nada perdido sem saber da profundeza das minhas águas.

Autores: Paula Barros e Eder Ribeiro
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sábado, 15 de outubro de 2011

A espera de uma dança


   “Meu encontro com a escrita se deu quando eu pus as histórias do meu avô no papel, de lá para cá o tempo passou. Estou no blog há três anos, e neste tempo o que me deu mais prazer foi conhecer novos escritores, e mais prazer ainda escrever histórias a quatro mãos. Dentre estes escritores está a Paula Barros juntos escrevemos o texto abaixo. Obrigado Paula pelas suas duas belas mãos que por entre os dedos destilam poesias”.

Depois que você se foi, eu resolvi exorcizar os meus fantasmas escrevendo. Porém, as lágrimas não permitiram, borraram a escrita. Então resolvi comer as palavras. Não, não eram sopas de letras, comi as palavras por inteiras. Comi a felicidade com tanto gosto, mas a digestão foi tão rápida, durou pouco. Faminto, comi a alegria, a amizade, a música e fiz um dicionário de coisas boas dentro de mim, no entanto, as palavras foram efêmeras, digeridas, sobrou uma bíblia de desilusão.
No rádio Maísa canta, as lembranças pululam em minha mente. Quando penso em você, tudo é passado, somente a dor de ter lhe perdido que não é, ela teima em passar. Lembro-me você matando uma barata e me pedindo para jogá-la no lixo, eu com cara de nojo recusava sempre e você dizia, "que eu saiba, a mulherzinha aqui sou eu". Ríamos à toa, felizes.
Agora Renato Russo canta, "você foi embora cedo demais". Mudo de estação para não permanecer neste estado de solidão e tristeza. Chega, estou indigesto, paro de ouvir, paro de comer as palavras, eu preciso é tomar alegria.
As pessoas se angustiam com o seu próprio sofrimento, e com o do outro. E logo propõe algumas alternativas. Viajar, passear, sair para dançar. É o que tenho escutado. Como solidão, sofrer, chorar, não pudesse ser vivido por muito tempo. Você se foi, e não posso sofrer em paz. É, começo a achar que as pessoas estão certas. Preciso respirar outros ares. Mesmo que chore sorrindo. Ou chore dançando. É, vou aceitar aquele convite para dançar. Mesmo sem saber. Sou muito duro, sem jeito, desengonçado. Mesmo sabendo que me falta musicalidade no corpo, eu preciso beber felicidade. Afinal escrever e dançar são tão iguais como Romeu e Julieta, para escrever basta a mão se dar a caneta e os dois bailam pelo papel como se este fosse um grande salão. Eu sei escrever, e não é soberba, acho, agora eu tenho que dar a minha mão para que outra mão me guie neste salão de dança que é a vida. Espero...


Autores: Paula Barros e Eder Ribeiro.

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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Estado


 
   “Meu encontro com a escrita se deu quando eu pus as histórias do meu avô no papel, de lá para cá o tempo passou. Estou no blog há três anos, e neste tempo o que me deu mais prazer foi conhecer novos escritores, e mais prazer ainda escrever histórias a quatro mãos. Dentre estes escritores está a Paula Barros, juntos escrevemos o texto abaixo. Obrigado Paula pelas suas duas belas mãos que por entre os dedos destilam poesias”.


Definitivamente eu não sou um homem de fases, sou sim, um homem inconstante, tal quais as estações em um país tropical, não bem definidas. Quanto tempo dura um inverno?Não sei. Que importância tem isso agora. Sei, e muito bem, a perda fez um inferno dentro de mim e mesmo assim, permaneci gélido. Ela se foi e deixou um inverno interminável, sofri infernos. Mas o que é o passado senão cinzas que nunca abrasarão. É primavera, preciso abrir janelas e portas, lá fora o dia é um quadro de Matisse, ou então um quadro cubista de Picasso. Preciso da brisa da estação para retirar de mim este cheiro guardado de guarda-roupa velho. Lá fora uma nova época, mudanças, transformações, o belo, a harmonia, o desabrochar. E eu? Tão inverno ainda. Vivendo este inferno de lembranças e dúvidas. Das flores preciso das tonalidades das cores, dos cheiros variados, das diversas texturas e formatos. Preciso não só abrir janelas e portas que dão para o mundo, preciso abrir minhas janelas e minhas portas, abrir os sentidos para um novo sentido de vida. Depois que ela se foi, eu precisava de um recife para me incrustar e esquecer que um dia a amei. Não tive, sobrou-me Recife para destrancar o meu necrosado coração. Mas esqueci que o sofrimento, as situações mal resolvidas, vão conosco onde estivermos, e que as mudanças de estações servem para reflexões, mas as nossas estações têm tempos indefinidos, como são as estações do ano em um país tropical. A perda sempre arrecifa o meu coração, decididamente eu não sou um homem de fases, sou sim, um homem de um único estado, a solidão.

Autores: Paula Barros e Eder Ribeiro.

Imagem clique no nome: MYRA LANDAU

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Você se foi


   “Meu encontro com a escrita se deu quando eu pus as histórias do meu avô no papel, de lá para cá o tempo passou. Estou no blog há três anos, e neste tempo o que me deu mais prazer foi conhecer novos escritores, e mais prazer ainda escrever histórias a quatro mãos. Dentre estes escritores está a Paula Barros, juntos escrevemos o texto abaixo. Obrigado Paula pelas suas duas belas mãos que por entre os dedos destilam poesias”.

   Meu tosco coração não bate, gesticula-se em movimentos lentos, pulsando uma dor infindável. Você foi embora, porém permanece em toda parte, nas cores da parede do quarto, no desenho da capa do sofá, nas dobraduras dos lençóis da cama. Você se foi e deixou os seus livros românticos com finais felizes, histórias que não nos pertenceram. A tua poesia escorre pelo chuveiro toda vez que eu vou tomar banho. Por que você não foi por inteira.
   Você se foi, eu não preciso do inverno para me sentir frio, a sua falta dura mais que uma estação. Estaciono na porta de entrada, gélido, com o olhar petrificado na esperança que o vento lhe traga, olho para o céu e não é estrela que vejo, a desesperança brilha no negro céu, nenhuma brisa de alento sinto. O peitoral da janela é encosto para o meu desespero e eu não consigo derramar nenhuma lágrima, acho que desaprendi a sentir assim que você se foi.
   Você não volta, essa demora me deixa atordoado. Acho algo que lhe pertencia nas gavetas dos móveis, cópias dos seus escritos estão por toda a casa, nos livros que pego para reler. Sua presença está em mim. Em todas as lembranças, nas noites inquietas, no amanhecer ao som dos pássaros, no que há de mais belo da natureza.
   Ontem, na porta de entrada encontrei uma chave caída no chão. De quem será? Qual a porta que abre? Que importa isso agora. Que diferença faz. Você soube abrir muitas portas, a principal, a do meu coração. Você se foi, agora, mais nenhuma chave abre a porta do meu coração. Nem sei se meu coração tem porta, ou é algo mais fechado, compacto, uma caixa lacrada com formato de coração presa em um cubo de gelo.  Uma vez senti meu coração saltitando dentro desta caixa por causa da melodia de algumas palavras bonitas. Suas? Não sei, precisaria muito mais do que palavras para o degelo.  Mas palavras não têm dono, pertence ao mundo, e meu coração se fechou de novo. Outra vez senti meu coração suspirando, eram uns olhos que me olharam de uma forma especial. Uns olhos que penetravam os meus. Uns  olhos que pareciam espelhos de cristal e me vi refletido. Mas os olhos ficaram e eu tive que partir. Meu coração continua fechado, deve ter uma trave que o trancou por dentro. Para abrir não sei como se processa. Nem sei se precisará de um picador de gelo. Coração só se abre por descuido. Mas se fecha também por descuido. E a sua partida foi um dos maiores descuidos que meu coração sofreu em todos esses anos. Nada, nenhuma palavra, nenhum olhar, nenhum carinho é suficiente para derreter este inverno em mim.
   Olho para o mar tentando perder meus olhos em alguma imagem para ver se me acho, vejo as ondas se arrebentarem nas pedras deixando de existir e mesmo assim continuando mar. O que eu preciso não é da sua volta, mas de um recife para me arrebentar, deixarei de ser para ser mar.

Autores: Paula Barros e Eder Ribeiro.

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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Aonde o sol se esconde - Final

   Qual de nós nunca imaginou um final feliz para a história de nossa vida? Qual de nós, após o fim, nunca desejou o paraíso, a felicidade?
   O padre beijou o crucifixo, ajoelhou em agradecimento por ter sido salvo, em seguida curvou-se e beijou o assoalho do altar abençoando o único local que não foi maculado pelo sangue da carnificina, até então. Ao se levantar esbarrou na pia batismal quebrando o silêncio mortal. O policial, que até aquele instante pensava estar só, aguçou os seus sentidos em direção ao fundo da igreja. A fumaça provocada pelos disparos ainda permanecia no ar e o impedia de discernir qualquer objeto, porém ele tinha os outros sentidos. O disparo dado pelo policial em direção de onde veio o barulho atravessou o cérebro do padre, o arremessando ao chão; o sangue espargiu no ar e atingiu o rosto do noivo.
   O garoto que acabara de entrar pela porta traseira frustrou-se por não ter dado aquele disparo, por não ter aquela morte creditada à sua vingança. Ele caminhou até o padre, o cutucou com o cano do AR-15 para ter a certeza da sua morte; nervoso, olhou em todas as direções em busca de algo móvel. Vendo movimentos de feixes de luz, ele escondeu atrás do altar e apontou a sua arma.
   Na mão direita a arma do policial fumegava, na esquerda a lanterna foi ligada, e, a mão nervosa, apontava os feixes de luz em todas as direções à procura de mais alguém.
   O halo de luz surgindo em sua frente fez com que o noivo imaginasse que sua noiva veio buscá-lo para levá-lo lá aonde o sol se esconde; ele foi em direção à luz estancando o sangramento na barriga com uma das mãos. O policial disparou a arma, pois a mão do noivo colocado em sua barriga dava a entender que ele estava armado. O noivo correu em direção à luz gritando, vem meu amor, você veio me buscar, eu não tenho medo, vamos ser feliz sim, lá aonde o sol se esconde. Antes de atingir à luz, o noivo encontrou a bala no meio do caminho. Sua vista escureceu, sentiu tontura, tentou equilibrar, a luz da vida estava lhe fugindo, tudo em sua volta tornava-se branco, tão branco como o vestido de sua noiva.
   O garoto saiu de onde estava escondido com o AR-15 pronto para dispará-lo, mas ele se reteve, suas pernas tremeram, estático, ele não acreditou no que estava vendo. Cristo havia descido da cruz, com as mãos em chagas lhe pedia a arma. O garoto limpou os olhos, com certeza estava tendo uma alucinação, os esfregaram várias vezes a ponto de deixá-los vermelhos. Um sopro com aroma de alfazema chegou-lhe aos ouvidos pedindo a arma. Filho não guarda rancor em seu coração, a vingança só voltará contra si. Mas eles mataram os meus pais, não foi você que disse, dê a César o que é de César. E a Deus o que é de Deus, filho; e o que é de Deus é o amor, só através do amor você terá a redenção. As lágrimas desceram do rosto do garoto, um alívio imensurável tomou conta de sua alma. Quando ele se levantou, esbarrou no pedestal que estava a bíblia, a derrubando no chão; só então ele percebeu que o policial estava correndo em sua direção. O garoto saiu em disparada pela porta traseira da igreja, sem desespero. O policial, em seu encalço, o seguia descarregando a sua arma.
   Quando a brancura era a única cor que o noivo conseguia sentir, ele viu a sua noiva vindo em sua direção, pegar em sua mão, colocar a aliança em seu dedo e pedi-lo para colocar a dela. Os dois estavam unidos e banhados de luz. Ela lhe disse, vamos. Para aonde, perguntou-a. Lá aonde o sol se esconde. A felicidade está lá? Sim e não, respondeu-o. Como? Se ela estiver em você, estará lá também, mas se não, não. Ele não fez mais pergunta.

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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Aonde o sol se esconde - 6ª Parte

     A policia estranhou quando viu nos vitrais da igreja focos de luz bruxuleando, posto que ordenara a companhia elétrica o corte do fornecimento da energia assim que começasse a investida contra o morro. O capitão ordenou a invasão à igreja, e, sem fazer perguntas, atirasse mesmo que ofendesse os ouvidos de Deus. A saraivada de balas ensurdeceu, seja os ouvidos humanos ou não. O primeiro tiro acertou a barriga do noivo, o desacordando; ele não chegou a ver a sua noiva cair morta próxima do altar. Aos poucos as pessoas na igreja foram caindo mortas, algumas se arrastavam sobre os corpos dos outros, assustadas, sem conseguir desviar das poças de sangue, preocupadas em se desviar das balas que zuniam sobre as suas cabeças. Assim que cessou os disparos, apenas um policial ficou na igreja para fazer o rescaldo, havia a necessidade de provas para justificar a carnificina. O noivo estava acordando com uma bala alojada no intestino, o padre rezava pelo milagre de estar vivo, o policial, no meio da fumaceira provocada pelos disparos, procurava por provas. O garoto ainda não havia chegado à igreja.
     Qual de nós nunca brincou de polícia e bandido sabendo quem era o bandido e quem era o policial? Qual de nós ao ver um policial fardado se sentia seguro, protegido?
     Decepcionado consigo mesmo por não ter sido capaz de se vingar, - sem saber se foi devido ao seu temor a Deus, ou se a conduta ética e moral incutida por seus pais na primeira infância, ou ainda, se devido a sua covardia – o garoto saiu em disparada pela porta traseira da igreja, sem desespero. O policial, em seu encalço, o seguia descarregando a sua arma. O garoto, mesmo com um AR-15, não revidava por saber ser inútil o revide, mormente se ele parasse seria presa fácil; contudo, ele sabia que a oportunidade de matar o policial ele teve na igreja, e não o fez. Serelepe, ele correu desviando das balas que zuniam sobre a sua cabeça. Apesar de o policial ser mais rápido, o garoto era conhecedor de cada rua do morro, e este conhecimento era o que ele precisava para se livrar da perseguição. Quase do seu tamanho, a arma lhe serviu de apoio quando sentou. Do alto do morro ele viu Cristo de braços abertos, inerte, como deve ser toda estátua.
     Silente, o helicóptero da polícia circundava o morro, porém, tanto audível como visível a qualquer sentido humano, o garoto não o percebeu, absorto em seus pensamentos, com os olhos fixo na estátua do Cristo no alto do morro.
     Amanheceu, e o sol surgiu forte nas bordas do céu iluminando todo o morro e deixando a mostra o quanto devastadora era a mão humana quando agia movida pela maldade. E quando se pensava que essa mão ia sossegar para contar os seus mortos, o reflexo do sol sobre o AR-15 do garoto luziu aos olhos do policial. O helicóptero retornou, e a mão ávida do policial engatilhou o seu fuzil com mira a laser. Bem perto dali, um traficante, com olhos e ouvidos atentos, percebeu o helicóptero e engatilhou a sua arma, também.
     As balas, anjos infernais, saíram pelos canos das armas e atingiram os seus respectivos alvos ao mesmo tempo. O helicóptero, dando volta em torno de si na descendência, ao atingir o solo explodiu matando todos os seus ocupantes. O garoto olhou para o Cristo Redentor, depois para o morro, e, enfim, para a opulência do asfalto, contudo não enxergou nada, pois a vida lhe estava sendo expirada. O traficante o pegou, o colocou sobre o ombro esquerdo e o ouviu pronunciar suas últimas palavras, “Pai, perdoa-os”. Ora olhando para o morro, ora para o asfalto, o traficante, com apenas uma mão, disparou sua arma prometendo vingança àqueles que mataram o seu filho adotivo, ou seja, todo e qualquer policial. Mal ele sabia que as últimas palavras do garoto não foram ditas para ele.
     Após chorar os seus mortos, o morro, silente, clamava para que eles fossem enterrados; sempre presente, o traficante o desceu carregando o garoto no seu ombro.