Assim nasce um filme: - Luzes. Ação! Na voz do diretor. Assim nasce uma vida: - Luzes. Ação! Na voz de Deus. E nosso primeiro ato é chorar, respirar e depois verbalizar.
Não sei a idade que ouvi a palavra milagre, porém, sê-la na voz da minha mãe. Ela me disse que eu sobrevivi por insistência, pois o meu pescoço flácido fazia com que minha cabeça pendesse para os lados. As idas constantes aos médicos não a esmoreceram, apesar deles não diagnosticarem as causas. Foram muitas simpatias feitas, as rezas das rezadeiras foram outros tanto, as promessas também, as orações muito mais ainda. Repentinamente, o pescoço aguentou o peso da cabeça. Eu lhe disse, graças a sua insistência. Não, ela me disse, graças à insistência de Deus. Cego, eu não sentia o milagre. Cresci driblando problemas de saúde, outros me acometeram quase levando à morte. Saí ileso de todos. A insistência Dele continuava, cego eu não sentia.
Um milagre me acometeu aos trinta e quatro anos sem saber, havia casado quando imaginava que ficaria para titio. Com certeza por insistência Dele ao incutir nela o amor por mim, contudo, cego eu ainda não sentia.
Com a vinda da primeira filha, eu comecei a construir um jardim. A Rosa brotava com problemas alérgicos e a sua primeira infância foi entre idas e vindas ao hospital. Alérgica ao ácaro, ela era acometida por infecções pulmonares. Toda quinta-feira, eu lavava e aspirava o carro sem tirar a cadeirinha de bebê. Neste dia, eu tirei e cansado não a recoloquei. No meio da noite, a alergia da minha filha agravou e tive que sair apressado, levando-a ao hospital, sem a cadeirinha de bebê. A neblina baixa tirava uns setenta por cento de visibilidade. A quarenta por hora, em uma subida, após passar por uma lombada, eu ouvi minha esposa pergunta, Eder, pelo amor de Deus, o que está acontecendo? Os ferros contorcidos do teto e lateral superior do carro vieram em direção à minha cabeça, tirei as mãos do volante e as levei ao rosto. O carro girou em torno do seu eixo duas vezes até parar em um poste. Saí do carro desesperado, pois vi a minha Flor de Liz no assoalha do carro, presa. Porém a minha filha eu não vi. Sua filha está com o cobrador do ônibus que bateu em vocês, ouvi alguém me dizer. Voltei para o carro para ficar ao lado da minha esposa, pois ela estava desesperada por ter que esperar pelo resgate, foi então que eu vi todos os cacos do para-brisa no banco traseiro do carro onde seria colocada a cadeirinha de bebê. Mais uma vez Ele operou mais um milagre em minha vida, no entanto, eu permanecia cego, não sentia.
Madrugada, ouço minha Flor de Liz, sentada no vaso sanitário, me dizer, Eder, está sangrando. Sei que levei minha esposa até o carro, sei que sentei no banco do motorista e afivelei o cinto, só hoje percebo que foi Ele quem me guiou ao hospital. Mãe, pai, vocês estão vendo este ponto aqui, é o feto, ele deve ter aproximadamente quatro semanas. Mãe, vou medicá-la para tentar segurar o feto, pois você teve um princípio de aborto. Todos os sons se calaram, só os sons de nossas lágrimas eram ouvidas por nós. Uma semana depois ouvimos da médica, a natureza se encarrega de retirar um feto mal formado, não há mais nenhum feto aqui. Ela aponta para o monitor, a tela estava negra, o meu céu também. Ao chegar a casa, minha esposa queria ficar sozinha, eu fui para o terraço e percorri os meus olhos pelo céu, os meus olhos cegos.
A história sempre se repete, não necessariamente com o mesmo final. Dois anos depois, madrugada, ouço minha Flor de Liz, sentada no vaso sanitário, me dizer, Eder, está acontecendo de novo. Quando cheguei à calçada do hospital, percorri os meus olhos pelo céu. Ouço o médico me dizer, pai vamos medicá-la para segurar o bebê. Pode voltar para casa, ela não dará a luz hoje. Ainda faltam cinco semanas. Ao chegar a minha casa, o telefone estava tocando. Ele nasceu, Eder, disse minha esposa do outro lado da linha. Desesperado, voltei ao hospital, fui direto para o berçário, o meu filho não estava lá. Gelei. A obstetra saiu de uma sala e me diz, pai o seu filho está na UTI neonatal, ele ficará lá por quinze dias. Ele nasceu com uma infecção e precisa ser medicado. Foram quinze dias que me silenciei escondendo as lágrimas da minha filha. Como minha esposa permaneceu no hospital, passei os quinze dias cabisbaixos sem olhar para o céu, mesmo cego, eu tinha medo do que poderia ver. Na minha mente veio à imagem da tela do monitor da ultrassonografia da gestação anterior, uma tela negra. Porém, mais uma vez o milagre aconteceu, mas quem disse que eu recuperei a visão.
Minha Rosa, além da alérgica, tem colesterol alto e está em tratamento. Meu Cravo, depois do terceiro ano de vida, em um exame de sangue, foi diagnosticado com alergia ao glúten. Passado dois meses fazendo a dieta prescrita, após um novo exame de sangue, a alergia não foi detectada, porém, descobriu-se que ele é alérgico a lactose, a peixes e frutos do mar. Está em tratamento.
Há vinte e dois anos que sofria com dores na coluna. Há treze anos que as pétalas da Flor de Liz perfumam a minha vida, e desde esta data ela orou para a cura de minha dor, concomitante ela foi atrás de especialistas. Fiz fisioterapia na melhor clínica com uma profissional excelente, mas infelizmente a dor não me abandonou. Minha esposa continuou orando e eu ralhando dela, pois se a medicina não fez a cura, não seria Deus que faria. Apesar de mim, ela continuou orando. Há dois anos atrás em uma palestra sobre a vasectomia, eu tomei conhecimento sobre o Cloreto de magnésio, cujo efeito no corpo seria tirar a dor. Pesquisei na internet e em um dos artigos um padre dizia que foi Deus que deixou aquele mineral para nos retirar a dor física. Ri à beça e resolvi tomar o medicamento. Há seis meses que não tomo mais o medicamento e as dores não voltaram. Sei que o medicamento foi usado por Deus para abrir os meus olhos. Hoje eu enxergo e sinto.
Como são grandes os desígnios de Deus. Foram necessários os problemas de saúde dos meus filhos e o meu para eu enxergar e sentir. Hoje todos os meus dias são dias de milagre, dias de Graças.
A Flor de Liz segue com as suas pétalas viçosas e belas, a Rosa perfuma com graça e inteligência, o Cravo, ainda botão, dá a completude ao meu jardim.
Aos cinco anos, minha filha, estudando em uma escola evangélica, entrou toda sorridente e me disse, pai, eu não sabia que você tinha um jardim e ele foi feito por Deus. Ela tinha razão, hoje Deus é o adubo para o jardim, e, mais ainda e muito, para o jardineiro.