Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Retalho

   Táxi, é disso que preciso, para ser sincera, um aéreo. Não intento o paraíso. Quero apenas chegar, se possível voando. Pouco importa aonde. Basta me encontrar e me saber feliz. A felicidade é o lugar, e por mais que diga que se encontra no paraíso, ela pode ser encontrada em qualquer local, afinal, somos nós que a construímos, e ela independe do lugar.
   Estou a olhar para o céu ainda esperando um táxi, mas não vejo nem as nuvens para dar a ilusão de que logo um chegará, no entanto aceitaria uma carruagem desde que o cocheiro trouxesse o príncipe, também. Contudo, o que vem são andorinhas.
    Nós, mulheres, vivemos nessa corda bamba entre a santificação e o pecado, como se abdicar dos prazeres nos levasse a um, e, se nos déssemos aos prazeres nos levasse ao outro. Comigo não funciona assim, provaria do "adão" e depois comeria a maçã, apesar de não saber comê-la, a minha voracidade devora até as sementes. A morte da cobra é o que nos leva a santidade e não o fato de ter provado do fruto. Dia a dia, eu mato a cobra que há em mim, e aonde chego não é uma parada de táxi. Eu preciso voar, afinal, parafraseando Pessoa, viver não é preciso, quanto a voar...
   A santidade, só é alcançável se abdicarmos da maldade e não dos prazeres, pois, o prazer não é um mal em sim.
   Os saltos do meu Le Soulier já me cansavam as pernas e o táxi era uma ilusão entre uma rua e outra. Enfim a ilusão se fez real. Quando a porta do taxi foi aberta pelo recepcionista do hotel, ele entrou sorrindo, em seguida, depois de mim. Ele, elegantemente, pegou na minha mão e me retirou do táxi indicando o caminho. Sua animação era em 3D, e real. Ao se encaminhar para a Ferrari estacionada no outro lado da rua, eu apontei para ele e para a Ferrari e fiz uma cara de interrogação querendo saber o motivo de ele ter entrado no táxi.
   Deixou-me sem respostas, minto, com um sorriso encantador ele tirou um champanhe Veuve Clicquot Magnun Brut da sua cartola mágica, entregou-me uma taça de cristal da Boêmia e ao enchê-la, percorreu os seus dedos sobre o corpo da taça e os depositou sobre as minhas mãos. Percebi em suas digitais a sua sensibilidade. Minha alma fez borbulhas.
   Ele não precisava usar a sua condição financeira para me impressionar, ao sorrir as linhas de seu rosto formavam um quadro onde eu me via apaixonada. A simplicidade dos seus gestos elegantes, espontâneos já me causou tanto encantamento que eu me via como a Gioconda do quadro de Da Vinci, o meu sorriso era um convite à aceitação.
   Bebi o champanhe saboreando os seus olhos azuis, e talmente Rose, no final do filme Titanic, quando se desfez da jóia, eu joguei, despretensiosamente, a taça no chão. Ele não me deixou para trás, fez o mesmo e foi além. Suspendeu-me pelo colo, retirou os meus sapatos Soulier jogando-os ao deus dará, passou por cima dos cacos e ao me colocar de volta no chão retirou os seus sapatos Cole Haan.
   Dizem que depois da chuva de verão aparece um arco-íris. Quando ele me tocou, umedecida, jorrei em gotas. Ao olhá-lo novamente, vi refletido em seus olhos azuis um arco-íris. Era o reflexo da minha alma.
   Tom Cruise, George Clooney, Brad Pitt não chegam aos seus chinelos, e não é Havaianas, é um Jimmy Choo. Ao falar o seu nome quando lhe perguntei, da sua boca saiu um hálito mentolado misturado a um balsâmico que não consegui definir, assim como não soube qual foi o nome falado por ele, pois o mesmo acorrentou-se ao aroma que evolou da sua boca. Pouco me importava a sua identidade, a minha eu já sabia que ia perder sob o lençol, ganhos maiores eu teria sobre ele, o lençol. Sobre ele ou sobre mim não haveria perdas, os ganhos seriam mútuos.
   Não sei aonde ele me levou. O céu azul estava bordado de estrelas símile a colcha que eu mais gosto de dormir, da Hennes & Mauritz. Deitado no chão eu o esquadrinhei com os olhos para decifrar o genoma de sua alma. Por segundos, tudo ficou congelado, enquanto eu o descobria. Decodifiquei todos os seus códigos e percebi que ele iria me levar onde eu queria ir. Percebi que a felicidade só pode vir em um estado, líquido. Assim eu estava, úmida, esperando que a felicidade mergulhasse em mim e me fizesse inundação. Desfeito do encanto, encantada, ele me levou ao encontro de suas águas.
   Não sei se ele será mais um retalho nessa grande colcha que é minha vida, porém, sei que ele fará parte do pedaço que não perguntamos o que vem depois da felicidade.



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Foi AQUI que me embebi para me inspirar na feitura do texto.


sábado, 28 de janeiro de 2012

Confissão

CAPITULO II



    Não sei quanto tempo eu estou aqui... Sim, Padre, eu sei, você tem tempo disponível. Padre, poderia apagar as velas? Obrigado. Sabe, você me faz lembrar a formiga que leva a folha para o formigueiro. Há tanta bondade transpirando dos seus olhos. De nada. Sim, eu consigo ver seus olhos pela cortina que nos separa, Padre. Falo, eu pedi para apagar a vela porque o seu cheiro me faz lembrar o Demônio. Vou lhe contar. É muito dolorido lhe falar sobre o Demônio, de alguma forma me sinto ligado a ele, como se ele fosse uma extensão de mim. Todos nós somos uma extensão do Demônio. Não somos, Padre? Não? É porque você não conheceu o Demônio. Quando ele entra em você, ele não permanece, forçosamente, você se vê obrigado a colocá-lo para fora praticando as mesmas atrocidades que ele fez com você. Sim, Padre, é por isso que estou aqui. De alguma forma, falando, eu o estou colocando para fora. Hoje eu o matarei.
   Sabe, Padre, quando somos criança o que precisamos é de uma mão nos mostrando o caminho, e, se é uma mão cuidadosa, que nos mostra o caminho certo. Quando completei cinco anos, o Demônio pegou na minha mão e me levou para o quarto. Se minha mãe não fez nada? Ela estava no quarto colocando as velas em volta da cama. Ele pediu para eu tirar a minha roupa. Inocente, sem conhecimento da maldade, a tirei e subi na cama conforme ele pediu. Ele apagou a luz e a única coisa que percebi foi o brilho do branco de seus olhos. Aos poucos, minha mãe foi acendendo as velas, e assim que o lume bruxuleou no pavio, o quarto ganhou cor e forma. O desenho do corpo da minha mãe foi ganhando formas que ainda não tinha visto. Eram curvas e saliências que até então não era do meu conhecimento. Ela andou até a cadeira, sentou de pernas abertas e eu vi uma mancha escura. Cruzou as pernas e sorriu para mim. O seu sorriso me tranquilizou.
   O Demônio me deitou de bruços com a cabeça virada em direção da minha mãe. Agora, além de sorrir, ela passava as mãos sobre as suas coxas e as levava até os seios, os massageando. As mesmas mãos que um dia acarinharam os cachos dos meus cabelos e deveriam mostrar o caminho certo. Aquelas mãos, Padre, estavam percorrendo caminhos errados, explorando um terreno que não deveria ser do meu conhecimento. Essas mãos, Padre, me mostraram o inferno, porém, foram as mãos do Demônio, mais precisamente os seus dedos que faria do meu corpo o próprio inferno. Padre? Está me ouvindo, Padre? Padre, onde está você? Não precisa se desculpar, Padre. Eu sei, é chocante. Mas sabe o que me choca mais, são pessoa que não reage como o senhor reagiu. Algumas são tão maléficas como foram a minha mãe e o meu padrasto, pois sente prazer ao ver ou ouvir essa história. Padre, onde está Deus nessa hora? Entendo, Padre, Deus sempre existe, essas pessoas que não percebe a Sua existência. Como fazer com que elas percebam, Padre? Ah! Padre, o senhor é mesmo uma formiga. Então, a solução é uni-las as outras correntes para que ela sinta a bondade da maioria e assim contaminada por essa bondade perceberão a infinitude das ações Divina. Concordo, Padre. Sinto-me contaminado pela sua bondade. Amém, Padre.
   Sim, Padre, preciso colocar para fora o resto do Demônio que ainda permanece em mim. O Demônio enrolou os seus malditos dedos entre os cachos dos meus cabelos, percorreu, amiúde, subindo e descendo, suavemente, a minha coluna vertebral, arrepiando-me, fazendo sentir medo, e, também, prazer. Padre, me perdoa, eu era uma criança... Era para eu sentir apenas dor... Suavemente, ele ergueu minha cabeça e vi os dedos de minha mãe entrando e saindo da mancha escura entre as suas pernas. Padre, eu fechei os olhos, e mentalizei várias formigas entrando ali, erguendo-me e me arrastando daquele inferno. Eu sei, Padre, não preciso contar mais. Sabe, Padre, os dedos do Demônio entraram em mim, e seus tentáculos não machucaram só o físico, desestabilizou a alma, pois, eu sinto falta desses dedos. Isso me martiriza, Padre. O Demônio, por mais que eu fale sobre o ocorrido, sempre estará em mim, a necessidade é a lembrança de sua existência. Padre, me perdoa por eu necessitar dele e, também... Padre por que descerrou a cortina? Ah! Padre, depois de vinte anos é o primeiro toque carinhoso, sem intenção de fazer aquilo, que sinto. Obrigado, Padre, por me conceder o seu perdão.  
   O que me fez sobreviver nesse inferno? A minha fé, Padre. Deus me manteve de pé. Todos os dias eu esperei a formiga trazer a folha. Sim, Padre, ela veio todos os dias. Quem era a formiga? Deus, Padre, e a folha era o Seu alimento.

Continua

Capítulo I 
Capítulo III
Capítulo IV 


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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Pulando amarelinha

   O meu rádio só sintoniza as estações que tocam as músicas que me lembra de você. E não sei dançar sozinha, por isso...
   Por isso, estou aqui pulando as reticências da nossa história mal acabada. Procuro em um alfarrábio um ponto final para dar fim a nossa história tão em desuso, ou, quem sabe, um bom acabamento, afinal, quem ainda sofre por amor? Encontro interrogações de perguntas fáceis para respostas difíceis. As interrogações nunca funcionam, as respostas são mudas. Nem como anzol para me salvar desse mar de lágrimas em que me encontro serve.
   As exclamações transfiguradas em meu rosto depois dos lençóis revirados pelos nossos corpos em noites de lua cheia não tem o significado de outrora. Há a cama vazia e em mim um vazio imenso temperado com o sal das minhas lágrimas
   Como gostaria que nosso relacionamento tivesse terminado com uma vírgula, significando uma pausa, ou, talvez, com um ponto e vírgula, uma interrupção mais demorada para dar chance a um novo começo. Não, o que ficou foram as reticências... Um não fim... Uma não continuidade... Esse é o meu paradoxo.
   Esse nosso relacionamento parece mais uma daquelas histórias publicada em blogs, poucas pessoas dão valor porque o meio que a veicula é virtual. Pensam que para ser verídicas há a necessidade de ser impressa no papel. As minhas lágrimas não necessitam de impressão para ser reais, eu as expressos a cada momento que eu me lembro de você.
   Nosso relacionamento é uma história escrita em português ruim, sem pontuação, sem significado. Apesar de sermos cultos, os nossos sentimentos são analfabetos, não sabem se expressar.
   Vou seguir pulando as reticências... Saber que eu era feliz quando pulava amarelinha, pois você não fazia parte do meu vocabulário. Não obstante, eu não entendia nada de letras... Permaneço criança, ainda...  Ainda me divirto com brincadeiras antigas.
   Acredito piamente que as reticências não é o fim de uma história, mas a oportunidade para um recomeço... Amarelinhas é uma brincadeira que se pula só, assim se alcança o céu mais fácil, no entanto, não me ensinaram a pular as reticências sozinha. Por isso, ao pulá-las, eu alcanço o meu inferno...
   O meu rádio só sintoniza as estações que tocam as músicas que me lembra de você. E eu não sei dançar sozinha... A solidão não é uma boa companheira, ela não sabe bailar...

Texto inspirado após trocas de emails com a minha amiga Paula Barros.








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domingo, 22 de janeiro de 2012

Confissão

                                                              
CAPÍTULO I

    
   "Nós enxergamos tudo num espelho, obscuramente. Às vezes conseguimos espiar através do espelho e ter uma visão de como são as coisas do outro lado. Se conseguíssemos polir mais esse espelho, veríamos muito mais coisas. Porém não enxergaríamos mais a nós mesmos. Jostein Gaarder".

   Posso começar a falar? Obrigado. O medo levou o homem ao encontro de Deus para ajudá-lo a enfrentar os seus monstros, imaginários ou não, apenas com a sua fé, tanto é que bastou ele saber de sua coragem para ir de encontro a Deus e achar que por si só aniquilaria todos os seus monstros. Há monstros que mesmo destruídos permanecem em nós, como se a maldade que nos fizeram quisesse se revelar através de nossos atos. É por isso que estou aqui, querendo o seu perdão para aniquilar de uma vez o meu monstro, antes que ele toma conta de mim. Quem é o meu monstro? Eu o chamo de Demônio. Só pronunciar o seu nome me vem uma vontade de arrancar a pele do meu corpo, assim eliminaria as manchas maculadas por ele. Licença, preciso sair agora, limpar minhas mãos, os meus dedos, pois a vontade que eu tenho é de cortá-los. Por quê? Ele usou os dedos para entrar em mim. Quem? O meu monstro, o Demônio. Tudo bem, usarei o banheiro. À direita?
   A água estava quente. Melhor assim. Limpou as sujeiras embaixo da epiderme, e essas são as piores, maculam até a alma. Sabe, as pessoas trocaram o confessionário pelo divã achando que uma analise psicológica dos seus problemas destravará os caminhos da mente, mal elas sabem que o demônio já os conhece muito bem, até os seus desvios. Sabe, Padre, o mal da humanidade é a falta de fé, a total descrença em Deus, é achar que a solução para as suas doenças, seja física ou psicológica, está somente em uma ciência. O homem se acha Deus de si mesmo. Sim, Padre, eu acredito em Deus. Sim, estou aqui para confessar os meus pecados.
   Sabe, Padre, às vezes duvido que o homem seja uma criação divina, ele parece mais uma obra do diabo. Olha em nossa volta, a perfeição na natureza. As plantas não precisam daquilo para... Não, Padre, só de ouvir essa palavra me dá nojo. Então, as plantas não precisam daquilo para se multiplicar, elas são Deus em essência. Enquanto o homem vive por e para aquilo, os animais irracionais só fazem aquilo quando estão no cio, apenas para a sua multiplicação. Por que eu tamborilo o dedo médio na mão quando falo daquilo? Foi com o dedo que o Demônio entrou em mim, Padre. Se ele fez aquilo comigo? Sim. Sim, ele fez sexo. Desculpa, Padre, eu vou vomitar. Eu sei, à direita, não macularei o chão da sua Igreja.
   Minha mãe? Ela ganhava dinheiro fazendo uso daquilo. Sim, Padre, ela era prostituta. A desgraçada... Desculpa, não falarei mais palavrão.  A minha mãe me abandonou em uma caçamba de lixo. Me responda, Padre, pode haver Deus em uma pessoa assim? Não, Padre, nós não somos uma extensão de Deus, as pessoas não são assim por não exteriorizar o Deus em si, por deixá-Lo interiorizado. Não, Padre, elas não sente a presença de Deus em todas as coisas, mas somente em si e se acham onipotentes. Deus, para elas, inicia e encerra em si. Eu? Como eu sinto Deus? Deus, Padre, para mim, está em tudo, até numa simples formiga que leva uma folha para o formigueiro, pois, aquela folha será para o proveito de todas. Deus é isso, Padre, a liga que nos une ao todo, a uma só corrente, sem distinção dessa ou daquela espécime, sem individualismo, sem um querer ser maior do que o outro, por que grandeza só há uma, a de Deus. Por que eu estou chorando? Me sinto um elo quebrado dessa corrente. Esperança? Padre, é o que mais tenho desde os cinco anos. Quantos anos eu tenho agora? Vinte e cinco.
   Não, Padre, uma mendiga me achou pensando que eu era algum alimento... Engraçado, né? Quando viu que eu era um recém-nascido, ela me deixou na primeira porta que encontrou. Isso mesmo, na porta do prostíbulo. Noutro dia, após ser abandonado em uma caçamba de lixo, eu voltei para os braços da minha mãe. Se tivesse que escolher, preferia ter permanecido no lixo. Quando completei cinco anos, ela casou com um cafetão, o Demônio. Posso descansar um pouco, Padre?

Continua

Capítulo II

Capítulo III

Capítulo IV 

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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Frieza tecnológica

  Eu soube que o nosso relacionamento acabou quando ele passou a usar os dedos na fria tela “TOUCHSCREEN” do seu iphone do que na maciez da minha própria pele. E olha que eu não era um "TABLET”, o meu corpo tinha curvas. Inegavelmente ele era um homem tecnológico, entendia de "BITS", "WIFI", "HD" e eu emaranhada nos fios, de lã; não conseguia chegar aos elétricos. Eu lhe falava de lençol, cama, travesseiro, aconchego no peito e café da manhã no dia seguinte em um fogão, de lenha, se possível; enquanto ele, cama "BOX", "HDTV", “BLU RAY”, ‘HOME THEATER”, frios em micro-ondas, bem, não preciso dizer que na cama ele estava mais para uma geladeira inox de ultima geração, a sua frieza era seca.
   Rosas vermelhas como lençol em uma cama king size num motel de beirada de estrada para me perder entre prazeres e aromas, tomando vinho com morango na banheira de hidromassagem com sais aromáticos e sentir os seus dedos percorrerem o meu corpo deixando marcas inapagáveis. Trocar tudo isso por um congresso do Bill Gates, isso é bem você. As suas digitais já não reconhecem as marcas de expressões do meu rosto, contudo, sabem reconhecer os circuitos de uma placa mãe onde deve ser instalada a saída “HDMI-DVI”.
   A gota d'água. Quando você propôs fazer sexo virtual, percebi que prazer você só encontraria através do toque na tela touchscreen. Tudo se resumiria ao monitor do seu PC, ao monitor do notebook, as duas câmeras “WEB” e as trocas de mensagem no “MSN”. Você nunca entendeu que o amor não se armazena em um “HD”, não se transmite por “BITS”. Tudo bem, pode dizer que sou analógica e você digital. Usarei a tecla mais apropriada ao seu jeito: “DELETE’.

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sábado, 14 de janeiro de 2012

Pelo meu pai, pelos meus filhos

   Eu sei muito bem o momento da minha vida quando o meu pai virou o meu super-herói, e sei também quando virou o vilão.
   Aos quatro anos, as madrugadas tinham luz, meu pai acordava para fazer o pão, eu de pé em pé o acompanhava pelo corredor que ia da nossa casa para a nossa padaria. Fingindo que não estava me vendo, ele me surpreendia pegando-me pelo colo e me deitava na rede armada na padaria. Na feitura do pão, o trigo encobria o seu corpo dando-lhe uma áurea divina. Assim, eu criei o meu super-herói e ele não tinha armamento, capa ou qualquer tipo de máscara.
   Meu pai é um homem de muitos defeitos, porém, ressalto nele a sua melhor qualidade. Com uma das mãos, ele dava o alimento para o corpo, o pão; com a outra, ele dava o alimento para a alma, os livros. Semi-analfabeto, na época da minha infância, ele tinha um conhecimento estupendo dos números e quase nenhum das letras. Contudo, foi um incentivador contumaz para que os filhos estudassem.
   Qual de nós nunca sonhou em construir um castelo para dar morada à princesa? Em Brasília, o meu pai teve a primeira derrota, falido, ele foi tirando um a um os tijolos do meu castelo para deixar a cal da amargura. Remoí esta amargura por toda a minha adolescência e boa parte da minha vida adulta por tê-lo que substituí-lo no sustento da família, tempo o suficiente para desistir dos meus sonhos. Assim, de super-herói, ele passou a ser o meu vilão.
   Nordestino está acostumado ao solo seco, e se insiste em plantar neste solo é porque sabe, não importa quanto tempo passa, Deus o ajudará. Aos quarenta e três anos, o meu pai se empregou na construção civil, trabalhando como servente de pedreiro. Ele voltou a estudar, fez curso de mestre-de-obras e em pouco tempo estava exercendo a função para qual estudara. Ele tinha uma predestinação a falir, mas não vi até hoje ninguém com garra para se levantar após cada queda como ele. Ele teve outras quedas e soube levantar.
   Dizem que só reconhecemos nossos pais quando somos pais. Não sei se levei todo esse tempo para reconhecê-lo como tal, porém, entre nós havia um muro invisível que dificultava a nossa aproximação, nossos diálogos eram monossilábicos. Éramos muito de silêncio, como se esperássemos ser transportados para o início de nossa história para reescrevê-la.
   Quando eu vou para a sua casa no interior de São Paulo, eu gosto de deitar na rede e me quedar. Numa dessas vezes, ele tomou a iniciativa e, sentado em um tamborete, quebrou o silêncio e me contou que no meu nascimento ele não estava presente. Barqueiro do Rio São Francisco, nesse dia, o seu barco havia afundado. Ilhado, ele só veio me ver uma semana depois. Essa foi a sua primeira queda, pois, ele teve que remar, literalmente, para dar sustento à família que estava se formando. Quando ele voltou a me ver, eu tinha um ano. Devido a sua ausência nesse período, ele me disse que foi difícil me convencer que ele era o meu pai, pois eu tinha elegido outro como tal, o seu primo. Por fim, ele me disse que havia se arrependido de ter saído da Bahia e a única coisa que o confortava era saber que se tivesse ficado lá, nós não seríamos o que somos hoje. Durante um tempo, ele ficou esperando que eu confirmasse o que acabara de dizer, como não fiz, ele saiu e se fechou no quarto. Após a sua saída eu não consegui segurar as minhas lágrimas. Naquele dia o meu super-herói havia voltado.
   Hoje, eu estou construindo um castelo, e um a um, o meu pai está me ajudando a colocar os tijolos. 

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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Pelo meu avô, pelos meus filhos


   Na minha infância a vida era doce. Nos potes, muito mais do que mel, havia ouro. Após chuvas de verão, arco-íris e risos. Enquanto isso, borboletas no jardim enamoravam as margaridas. Apesar de minha mãe me chamar de principie, não me tornei rei. Contudo, fiz da minha infância o meu reino. Fui uma criança abastada.
   Neste verão chove aos cântaros. Programa de domingo, praça de alimentação, cinema, pipoca. Shopping, portanto. Afinal, ninguém aguenta mais o programa do Silvo Santos.
   No Shopping, um pai discutia com o filho por este não aceitar o celular que ele estava lhe presenteando, pois o mesmo exigia um mais moderno, portanto, mais caro, símile aos dos seus colegas de escola.
   Ah! A minha infância foi abastada. Os meus presentes eram como potes de ouro, os melhores. Mais ainda do que os presentes do menino rico da minha cidade. E os meus vinham transportados pelo vapor Benjamim Constant. Porém, tal qual ouro de tolo, eu os releguei ao esquecimento. Foi o meu vô, ao me ensinar como fazer carrinho da madeira do buriti, ou então, como fazer de cada osso da rabada do boi um boneco imaginário, que fez compreender o valor de um presente. Além disso, a sua dispensa era recheada de doce de caju, doce de murici, rapadura em pedra, rapadura temperada, doce do fruto do buriti e, também, do seu adocicado amor. Amor de vô é amor de pai somado ao amor do Pai. Os melhores presentes vinham de suas mãos.
   O meu filho tem o hábito de me perguntar se eu lhe trouxe um presente assim que chego em casa após um dia de trabalho. Resolvi surpreendê-lo e testá-lo comprando um presente nessas lojas de um e noventa e nove. Escolhi um mini-skate, cujo valor foi irrisório, um real.
   Há muito mais doce em um olhar de uma criança quando os seus olhos refletem alegria. O meu filho segurou o mini-skate entre os dedos e borboleteou por cima do sofá usando o encosto como pista, radicalizou em cima do aquário, não perdeu o equilíbrio no tampo de vidro do buffet, empurrou o mini-skate na mesa de jantar e se jogou no chão arrastando-se nos joelhos em direção ao outro lado da mesa aparando o brinquedo antes que ele caísse no chão. Quando ele se levantou agradecendo o presente, eu não havia reparado que as pernas de mais uma calça haviam sido puídas pelo chão. O seu rosto, que tem um sorriso natural, se mostrou mais sorridente do que de costume, e dos seus olhos saíram um arco-íris de felicidade. Por um momento ele encontrara o seu pote de ouro.
   Esqueci de dizer que o filho que discutiu com o pai por causa do presente tinha apenas sete anos.
   Meu vô já havia me ensinado que a simplicidade nos aproxima de Deus.

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domingo, 8 de janeiro de 2012

Pela minha mãe, pelos meus filhos

   A criança que se perdeu de mim sempre volta sorrindo para o homem chorar por tê-la perdida.
   Eu vejo essa criança ouvir o ciscar das galinhas na terra seca em busca de alimentação, as ovelhas balir entre o mato seco e sabiás gorjear em cima do fruto do mamoeiro. Eu vejo essa criança observar tatus cavarem o chão, o latido do seu cachorro Tupã com medo das trovoadas, as revoadas das andorinhas nas tardes de verão. Eu ouço o silêncio do encontro do Rio Grande com o Rio São Francisco ser quebrado pela rede do pescador, ouço o grito, por quatro vezes, dessa criança pedindo socorro porque o rio o queria para si, ouço a roda do vapor bater nas águas do mesmo rio trazendo produtos e notícias e por fim ouço a voz da minha mãe chamando a criança que eu fui. No horizonte a luz do dia se acortinava para dar lugar a luz da noite. Minha mãe já havia ligado o rádio, era seis horas da tarde, o silêncio imperava em casa, ela ajoelhada orava a ave Maria. A admiração por uma mulher jamais foi superada pela admiração que tenho pela minha mãe, e eu era uma criança.
   A criança em mim se perdeu aos doze anos quando, morando em Brasília, os sentimentos se tornaram concreto, cimento, pedra e cal. O sal da vida havia ficado na Bahia. Por fim, dois anos depois, morando em São Paulo, juntando ao cimento, a pedra e a cal, a areia e a água se misturaram para solidificar de uma vez os meus sentimentos.
   Ultimamente, eu estou olhando para trás, não com a intenção de aprender uma grande lição, mas para tentar encontrar a criança que se perdeu de mim. Porém, pelos meus filhos, eu tenho que olhar para frente, pois as lições a lhes ministrar são muitas. Essencialmente não permitir que a brutalidade havida e tida nas grandes cidades lhes retira o que de mais belo há no ser, a pureza na alma.
   Exatamente um ano atrás, a minha esposa quis comprar um pedaço de chão na cidade que ela nasceu no interior da Bahia, eu tentei demovê-la da ideia devido à cidade ser isolada e localizar em uma comunidade de pescadores. Um casamento para ser duradouro há a necessidade que uma das partes saiba ceder. Cedi e ela comprou o pedaço de chão.
   Hoje não olho para trás em busca da criança que se perdeu de mim, olho para frente e o vejo no pedaço de chão comprado pela minha esposa, a minha espera.
   Ainda tenho muito chão para percorrer antes de encontrá-la, duas crianças me impedem de partir por eu ainda ser o seu chão.
   Sinto uma vontade inaudita de encontrar essa criança, pois ao perdê-la, perdi a minha fé também. Quero ouvir novamente o que ela ouvia, ver o que ela via, e quando eu a encontrar enfiarei as nossas mãos na terra e sentiremos os dedos de Deus, pois o Pai celestial é, para mim, firmamento e chão.
   Hoje, eu olho para frente e aprendo uma grande lição, um sonho nunca morre enquanto você lutar por ele. Espera-me minha criança e que essa espera não lhe envelheça, já basta o tanto que envelheci por tê-la perdida.

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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Ano novo, hábitos velhos

  Segundo dia do ano novo, ainda permanece na minha boca o gosto da

farofa amanteigada. Haveria de ter outros sabores e cores, mas estes

se perderam nos presépios armados pela minha mãe na minha primeira

infância. Lembro muito bem dessa fase. Eu e os meus primos, cada um

segurando um pedaço de pau, esperando o peru ser embebedado para

partimos para cima dele e desferir em sua cabeça as pauladas. Doce ilusão,

sempre pensei que o peru era embebedado para facilitar a nossa tarefa.

Hoje, a carne animal me dá mais nojo do que prazer ao comê-la. Não sei defini-la pelo gosto,

tanto é que se eu não ler a embalagem, não saberei definir o que é

peru, tender, chester ou blesser, se cozidos, aí é que não saberei mesmo.

Como faço todos os anos, neste, eu passei longe da carne e me

aproximei das bebidas. Dos 365 dias do ano, o último dia é o único que

me dou a irresponsabilidade, e a família me perdoa, afinal, eu

compenso os vexames dados pela retidão nos outros 364 dias do ano.

Neste ano, lembro que não consegui ficar nas duas pernas.

Trincado, vi o mundo por um triângulo, caleidoscopicamente bêbedo. Sem

o peso da responsabilidade, eu me senti leve. Percebi onde estava ao riscaram o céu com lápis

de fogo. 2012 se fez em luz. Eu, de fogo, acendi e ascendi o ano novo com velhos hábitos.