Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Os meus vastos cabelos negros

   Houve uma época que os meus vastos cabelos negros diziam sobre a minha disposição, energia, jovialidade, e sobre como significava como pau prá toda obra, não que eu me considerasse um Sansão, longe disso, porém, não deixava nenhuma Dalila preocupar-se com os seus cachos, eu não dava tempo para isso, pois não a deixava colocar a cara para fora da alcova, a cama não era usada para o descanso, diuturnamente.
   Se notarem o vocabulário usado no texto acima, mais precisamente a palavra para denominar o quarto, alcova, verão que estou mais passado do que propriamente amadurecido, ou seria mais correto dizer que sou passado. E antes que um dos meus leitores confabula com os seus miolos que o correto seria dizer que estou apodrecido, vou me adiantando, não estou e nem sou.
   Porém, houve uma época, creio que entre os meus dezoito e vinte e cinco agostos, que não havia a necessidade de me olhar no espelho para saber se os meus vastos cabelos negros continuavam vastos e negros. Não obstante, aos vinte e cinco agostos, eu ousei olhar, e para a minha surpresa, contei o primeiro fio de cabelo branco. Passou-se o tempo e mais fios brancos foram agregados a minha cabeleira em detrimento dos fios negros. As idas ao espelho tornaram-se constantes e aos trinta agostos me deparei com a queda dos fios, aos trinta e um percebi que além dos fios de cabelo, a pele também caía e além da pele, desesperei, caía outro órgão, além dos músculos, que tão bem significa qualquer Sansão, isso é bíblico.
   Nessa época, ainda não havia inventado um medicamento para elevar o combalido órgão, portanto, procurei na medicina popular um medicamento que evitasse a queda dos já não tão vastos cabelos negros e me indicaram a Finasterida.
   Durante dois agostos, eu tomei a Finasterida, e por incrível que pareça, quanto eu mais tomava, mais caía, não o cabelo, não a pele, mas o bendito órgão que tão bem significa qualquer Sansão. Nesta época, eu comecei a trabalhar na indústria gráfica do setor de bulas para medicamentos e lendo a bula da Finasterida, vi escrito: ESTE MEDICAMENTO PODE CAUSAR A PERDA DA LIBIDO. Antes que o medicamento enterrasse de uma vez o careca, resolvi suspendê-lo correndo o risco de ficar careca, mas afinal, não é dos carecas que elas gostam? Dalila que o diga.
   Aos treze deste mês, eu completei quarenta e sete agostos, e se for do gosto, mesmo atrasado, de alguém querer me presentear, deixo claro que não aceito bengala, peruca, bonés e afins, por fim, Viagra e o seu concorrente, pois sim, ele existe, e para os interessados, chama-se Helleva. Enfim, digo isso com muito gosto, aos trinta e três agostos, eu me casei com a Dalila certa, por certo, cuida tão bem dos meus cabelos que posso dizer que não sou um SANSÃO, porém, me considero um sanSÃO, pois não tenho a jovialidade dos dezoito agostos, mas tenho a disposição, e a energia. E é devido à destreza dela em cuidar da minha cabeça que não houve mais quedas, não que eu tenha os mesmos vastos e negros cabelos, mas que importância tem isso, com a Dalila que tenho, mesmo se perdesse todos os fios, eu me manteria de pé.

Imagem de arquivo pessoal

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Um novo começo - Última parte

   Quando o encontro com a morte parecia inevitável, eu senti uma mão sobre o meu ombro puxando-me para cima, interrompendo a minha queda. Percebi o rio, agora a pouco manso, revolto, debatendo-se na parede do cais antes de eu virar a cabeça e olhar aquele rosto belo de tez clara e cabelos cacheados da cor do ouro, brilhante como o sol. Encantei-me, seu corpo era todo poesia, sua voz aromática e veludada dizia tudo de sua alma, pura música. Visualizei asas em seu ombro, não dei importância, afinal, devido ao encantamento, achei que estava delirando. Quando dei por mim, meus sentimentos eram de amor para aquele encanto de mulher. Li nos seus olhos que ela sentia o mesmo. Levei os meus lábios ao encontro dos seus, ela os deteve, suavemente, com os dedos e me pediu:
   "Prometa que nunca mais desejará a morte, seu desejo, sua vontade sempre será a vida e que nunca você quebrará essa promessa"
   "Há pouco tempo atrás pedi a Deus a boa morte e que ela viesse pelas mãos de um anjo, e Ele me mandou a vida, você. Prometo nunca mais desejar a mor... Corrijo-me, prometo desejar somente a vida e a partir de hoje, mesmo não sabendo o seu nome, eu a chamarei de Vida, pois a vida veio-me pelas suas mãos". Disse-lhe com os olhos marejados e a voz cortada por soluços.
   Beijamos-nos e por um instante via as asas sumirem. O que o amor não faz na mente de uma pessoa

                                 FIM

   Ele tirou um cigarro da carteira, acendeu-o com uma alegria incontida, tragou-o segurando ao máximo a fumaça deleitando-se em um prazer indizível. Percebeu a sua esposa descendo as escadas, pegou-a pela mão e lhe disse:
   - Pronto, terminei. Vida, desça aqui e vem dar uma olhada na história que acabo de escrever. Como você é minha primeira leitora e crítica, dê a sua opinião. - Ao abandonar o cigarro no isqueiro, ele a abraçou por trás beijando o seu pescoço, sem atrapalhar a leitura.
   Ao terminar de ler, desfazendo de seu abraço, Vida estava trêmula e lívida. De soslaio, ela olhou as portas e janelas para certificar que estavam trancadas, sabendo que mesmo que estivessem, seria inútil, pois nada a deteria. Estupefata, ela se jogou no sofá em prantos.
   - Diz alguma coisa. Você está me assustando com essa reação. Não é para tanto, é apenas mais uma história, e por mais que você diga que escrevo bem, creio que você está exagerando.
   - Delete isso, agora. - Ela já sabia que mesmo que ele deletasse, as profundezas do Limbo tinham pressentido a história e logo abriria as portas do inferno para a captura.
   - Não posso, sou um escritor. Pode não parecer, mas o que está escrito aí não me pertence mais, precisa ser lido. Repito, é apenas mais uma história.
   - Não, não é apenas mais uma história. Meu Deus, como isso foi acontecer. - Desesperada, ela aponta para o monitor do computador. - Isso era para estar morto em teu inconsciente, nunca deveria ter aflorado. Aconteceu conosco de acordo com o que está escrito. Você teve um bloqueio induzido por mim, e daquele dia até agora, você não teve um fio de lembrança sobre o acontecido. Não entendo como isso veio à tona. Não era para vir, vou te perder para ela, será uma luta inenarrável te recuperar novamente. - Perturbada, ela levou as duas mãos a nunca e a enterra entre os joelhos, inerte, não sabia como agir.
   Boquiaberto, ele estava incrédulo, porém, orgulhoso por a história ter levado ela aquela reação. Leu de novo para certificar-se que era tão realista assim. Retirou seus olhos do texto ao ouvir a voz dela pedindo atenção.
   - Amor, tem mais uma coisa. As asas não eram imaginação sua. Eu era uma anjo.
   - Como assim?
   - Lembra que eu sempre lhe pedia para não desejar a morte?
   - Sim, Vida, lembro.
   - Então, naquele dia na igreja ao pedir a boa morte, Deus lhe deu uma nova chance. Era para eu lhe tirar dos braços da Morte. E assim eu fiz. - Demonstrando cansaço na voz, ela passava a ideia de remorso.
   - Bull shit! - Disse num inglês aprendido ao assistir filme estadunidense. - Você sabe que eu não acredito nisso.
   - Ouça-me - Gritou. - Não temos mais tempo, sinto que as portas do inferno foram abertas. Então, quando eu te salvei, apaixonei-me por você e tive que escolher entre o céu e a terra, entre continuar nos braços do meu Pai ou nos teus. Por isso você viu as asas sumindo, eu te escolhi. Tornei-me um anjo caído, e o teu desejo pela vida é que me fazia humana. Se voltasse a desejar a morte eu voltaria a ser um anjo. Percebe minha voz, isso está acontecendo, daqui alguns instantes só me comunicarei pela força do pensamento.
   - Mas como você mesmo disse, a história estava represada no meu inconsciente, é apenas fruto do meu pensamento e não um desejo consciente.
   - Só o ato de pensar já é um desejo, o fato de ter escrito já expressa a sua vontade, e quando você leu e permitiu-me que eu lesse, materializou o seu desejo. Você abriu o canal que te liga à Morte, nenhuma força terrena pode fechá-lo. Será feito a sua vontade, não tem como escapar, a Morte também já o deseja. Percebo-a de mortalha aberta, sorriso satânico, saindo do Limbo, sequiosa.
   A casa começou a estremecer, o céu repentinamente escureceu, portas e janelas abriram e fecharam pela força do vento, e o chão tremeu abrindo fendas em forma de xis. O medo apossou dele, desesperado, implorou aos céus que lhe salvasse.
   - Amor, não se desespera, tenha fé em Deus. Olhe, minhas asas estão crescendo! Estou me transformando em anjo. Logo estarei nos braços do nosso Pai. Abra a sua mente que lhe falarei por pensamento. - O seu entusiasmo por ter voltado a ser celestial o desesperava.
   - Me salva! - Ele disse a ela desesperançado.
   "Não posso, já fiz isso uma vez". - Ela havia perdido a condição humana de se comunicar, a voz; e se comunicava pela condição divina, o pensamento.
   - Isso é desumano.
   "Não, se tiver fé, verá que é divino".
   - Você vem me falar de fé logo agora que eu estou preste a morrer. Daqui a pouco serei nada. Como ter fé em uma situação dessas. - Ele não conseguia mais articular as palavras, estava desesperado.
   "Ouça-me com atenção. Não lute contra a Morte, aceita-a, deseja-a como ela o deseja e tenha fé em Deus que após a sua morte nos encontraremos no reino do céu e seremos felizes para sempre, nos encontraremos de novo para amar. O amor vivido na terra, assim no céu será. Amo-te. Tenha fé, logo te verei".
   Ele a viu pela última vez, as portas do céu se abriram, somente para ela.
   Enfim o inferno se fez sobre e sob ele. Sentindo-se dentro do furacão, ele não teve força para lutar. As lavas satânicas brotavam sob os seus pés. Tudo queimava, o calor era insuportável. Ele fechou os olhos para não ver o rosto da Morte, símile a sua primeira namorada.
   Quando estamos prestes a morrer, tendo fé ou não, nos apegamos a Deus a espera da salvação. O cheiro da Morte pairava no ar, ele a sentia.
   O abraço mortal foi sentido por ele quando a Morte cravou as suas garras em seu ombro. O sangue escorrendo pelas suas costas, ao pingar no chão, se confundiu com as lavas satânicas, como se fossem feitas da mesma essência, e são quando a semeadura se dá no pecado.
   Ele sentiu os pensamentos do seu anjo furar a barreira infernal pedindo-lhe que beijasse e desejasse a Morte. Após o beijo, a Morte lhe cravou os caninos pontiagudos, lhe arrancado um naco de carne do pescoço. Os dois, atrelados, giravam no ar em um frenesi carnal. A Morte, satisfeita, se desvencilhou dele, com a força do olhar o sustivera no ar, abriu a sua mortalha e fez surgir, por entre as pernas, um tridente com lâminas de aço, cravejou-o nas partes íntimas dele, triturando-as. Ainda com o tridente cravejado, puxou-o para cima de si, esticou o seu longo rabo secular com ponta forjada no caldeirão do demo e deu o golpe fatal cravando-o nas costas dele. Uma lágrima, como se fosse a última gota líquida no seu corpo, caiu o chão.
   Satisfeita, as gargalhadas mortíferas ecoaram por todo o Limbo assustando aqueles que ali se encontravam, pois eles reconheceram o riso vitorioso da Morte. O riso também foi escutado no céu, juntamente com uma voz exaurida, tão desejada pela Vida, pedindo ajuda.
   Ele, sentindo a morte se aproximando, a vida sendo exaurida, arrependido, orou:
   "Pai, sei que não sou merecedor do seu perdão, os erros cometidos foram muitos, porém, Pai, peço-lhe humildemente que a minha estadia no Limbo não seja tão sofredora como está sendo a minha passagem da vida terrena para a celestial, se assim for a Sua vontade. Pai, se me fosse possível, eu me prostraria de joelhos aos seus pés, mas não posso por estar preso nas garras da Morte. Contudo, pai, lhe agradeço por me permitir sentir o seu amor. Pai, não há dor em mim.
   E assim a morte lhe acometeu, a vida lhe foi tirada. Tombou a cabeça para o lado e uma última lágrima caiu de seu olho, como se fosse a derradeira gota líquida em seu corpo.
   Pobre Morte, por ter apenas o sentimento da morte, não sabe que tão certo quanto a sua chegada é a eternização da vida. E mais ainda, não sabe que o Pai nunca deixa de assistir um filho quando o arrependimento é sincero, seja o seu estado físico ou anímico.
   Quando a última lágrima, gota de arrependimento, caiu no chão, esfriou as lavas satânicas, dando-lhe uma tonalidade rosa bebê. Alguns segundos depois, movida pelo amor contida na lágrima, a cor ganhou tonalidade branco celestial. Aproveitando que o ambiente estava iluminado, Vida o retirou das garras da Morte. Ao abrir os olhos, eles demonstravam uma alegria colorida, e o sorriso era uma jazida de diamantes, cujo valor em si era incalculado. Percebendo que ela estava sem as asas, intrigado, perguntou:
   - Como você perdeu as asas?
   - Tive que fazer uma nova escolha. Definitiva.
   - Isso quer dizer o que?
   - Que não sou mais um anjo caído, mas humana.
   - Então nos foi dado uma nova oportunidade para reescrevermos a nossa história?
   - Sim, e essa história não tem fim. Você acha que está preparado para um novo começo?
   Ele respondeu deixando os seus lábios, demoradamente, sobre os dela. Abraçados, partiram iluminados.
             

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terça-feira, 23 de agosto de 2011

Um novo começo

     São os desejos que nos tornam vivos, por eles sofremos, por eles vivemos para no final, com todos os desejos realizados, a morte, nunca desejada, ser a finalizadora do nosso desejo maior, a vida. E como é inútil a vida, essencialmente sofrível para a redenção vir após a morte, sendo que após ela o que há senão o nada. E é assim o teatro da vida, não importa em que peça você atua, pois todas as personagens, seja herói ou bandida sofrerão, causarão dor, terão um mínimo de felicidade, e quando a vida cansar delas, irão todas de encontro ao que sempre as esperam, a morte.
     Estou na metade do que penso ser minha existência, sem saber realmente se estou no mundo dos vivos ou dos mortos. E o estranho de tudo isso é que não acredito em vida após a morte. Mas quais as certezas que nos temos? Quem me garante que não há vida no nada? Só em pensar, ele já existe por si só.
     Acreditei que amando seria o suficiente para ser feliz. Já homem feito, eu fui à busca deste amor, e no meu primeiro amor acreditei que tinha encontrado a felicidade. E é sempre assim, quando amamos acreditamos ter encontrado o amor verdadeiro, o amor definitivo, mas quando o amor termina percebemos que todas as certezas são nulas, isso não pelo fato de o amor ter acabado, mas sim porque quando se está amando, de alguma forma nos iludimos.
     O meu primeiro amor eu encontrei num destes momentos fortuitos que a vida nos oferece. Estava indo ao ponto de ônibus quando um garoto apressado, correndo, esbarrou em uma mulher que vinha em sentido contrário. Após o esbarrão o garoto desapareceu misteriosamente, mas que importância tinha esta imagem se, diante de mim, meus olhos viam a beleza em forma de mulher. Encantei-me. Tudo que ela tinha nas mãos foi ao chão. Abaixei para ajudá-la, ela olhou nos meus olhos e assim ficou. Disse-me: “É você”. Dali para cama não decorreu uma semana. Enfermeira, ela não tinha horário livre para nos encontrarmos e quando ocorria de nos encontrarmos, era na horizontal que éramos felizes. Hoje percebo que a pior forma de encontrar o amor é pelo sexo. E vivemos assim por dois anos.

     Meu amigo casaria daqui uma semana. A turma faria uma surpresa para ele na sua despedida de solteiro. Seria numa casa noturna. Como eu estava preparando a comemoração de dois anos de namoro, fiquei alheio à surpresa. Quando o carro parou na porta de minha casa o meu amigo estava vendado. Encaminhamos para o inferninho. Chegando lá tudo estava preparado. Um bolo enorme de um metro e oitenta estava no centro do palco. Quando tiraram a venda dos seus olhos, meu amigo percebeu onde estava, a felicidade tomou conta do seu rosto. A música começou a tocar e por detrás das cortinas surgiram seis dançarinas bem vestidas, e aos poucos suas vestes foram caindo, quando demos conta do espetáculo, elas estavam apenas com as partes de baixo. O bolo se parte no meio, e para surpresa nossa surge de dentro dele uma dançarina fantasiada de diabinha. “I’m sexy, so sexy; I wanna make love with you...” Ela cantava apontando o dedo para meu amigo, e aos poucos, suavemente, ela tirou a fantasia. O céu desabou sobre minha cabeça quando ela se mostrou como veio ao mundo. Se a surpresa era para meu amigo, quem foi surpreendido fui eu. Diante dos meus olhos estava minha primeira namorada, meu único amor. Saí dali quando meu amigo foi jogado no palco e ela acariciava com os dedos dos pés os seus mamilos.
     O tempo estava de acordo com o meu estado de espírito, melancólico. Encaminhei-me para casa, pois nada do que eu visse ou sentisse mudaria o meu estado.
     Esperarei a diabinha, (há pouco tempo atrás era meu único amor, meu primeiro amor) terei que matá-la. Matá-la. A idéia da morte estava me fascinando.
     Ela, quando entrou em casa, chegou toda dissimulada. Que ótima atriz seria, afinal toda puta é. Aproximou de mim para beijar-me, afastei-a com as mãos com certa violência. Ela estranhou. Disse que não precisava mais fingir, eu já sabia de sua vida dupla. Cantei imitando-a. “I’m sexy, so sexy; I wanna make love with you...” Ela riu e disse-me que nós faríamos uma bela dupla de stripper. Eu esbofeteie-lhe o rosto esperando sua reação para de uma vez liquidar com sua vida. Para minha surpresa ela pediu que eu a batesse com mais violência. Assim fiz. Quando dei por mim eu estava com todos os apetrechos sado-masoquista. Seu corpo sangrava, os pingos de vela avermelhavam mais ainda sua pele branca. Eu que pensei que a levaria à morte, levei ao prazer. Dor e prazer se misturavam. No seu rosto estampava o êxtase, vi um fio de dor.
     É nesses momentos que pensamos que nos conhecemos e somos surpreendidos por nossos sentimentos, e entramos em conflito quando os sentimentos são sórdidos e vão de encontro ao que racionalmente acreditamos ser correto. Ao batê-la estava também sentindo prazer. Excitei-me. Pela última vez fiz sexo com ela. Mas antes de ir embora a vi, tal qual um cão pitbull pronto para abater a presa, vociferar. “Vivo ou morto, hoje, você será meu para sempre”.
     Era dia ainda, e eu noturno. As imagens do que eu acabara de fazer atormentavam-me. O que eu sabia de mim mesmo nunca poderia ter me levado a praticar atos tão sórdidos, eu que acreditava que através do amor seria salvo... Não, não existe amor, todos nossos atos, todos nossos desejos são prostituídos, tudo é fome que se sacia através do sexo. Meus pensamentos efervesciam, minha alma estava sofrendo.
     Autoflagelo. Precisava sangrar a carne para purificar a alma. Exorcizar meus fantasmas. Pela morte a salvação. Agachei e peguei um caco de vidro e comecei a sangrar o meu corpo. Quem passava por mim olhava-me com certa indiferença. Hoje em dia ninguém dá importância ao outro, as suas dores. Somos egoístas, nunca nos vemos nos outros, principalmente quando estes sofrem. Perdemos nossa sensibilidade. Tudo é banalizado. Só Deus para nos salvar. Apesar de minha fé ser inconstante, eu entrei numa igreja para desencargo de consciência, mas Deus poderia estar ali?
     Igreja deserta, o ar em volta era de paz, as chagas do meu corpo ainda sangravam. Ajoelhei, cabisbaixo orei. “Deus que a morte seja minha redenção e que seja uma boa morte e que ela venha pelas mãos de um anjo”. Decisão tomada, iria me matar.
     A noite caía tranqüila e clara, enquanto eu, soturno, mergulhado em minha melancolia era todo escuro. Andei alguns metros até a ponte e lá senti a calmaria em minha volta. O rio estava manso, sem ondas, olhei-o fixamente, era escuro e mesmo assim tive a impressão de ter visualizado a imagem da minha primeira namorada travestida de morte a me chamar. Neste instante onde à vontade de morrer é maior do que a de viver, eu, sem nenhuma saída, entristeci e vi o rio avolumar-se. A distância que nos separava a pouco, que era de cinco metros, não passava de um palmo. Eu vi a diabinha vestida no seu corpete a cantar. “I’m sexy, so sexy...” Ela me sorria.


                                                        CONTINUA

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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Minha periquita era um louro

   Ai! Como doerá escrever essa crônica, pois só eu sei sobre quais escombros ela será escrita. Ei-la.
   Alguns acham a ciência um deus, outros blasfemam achando-a o próprio Deus. Não sei em que dado momento da história, a ciência disse que o macaco ao descer da árvore e andando ereto se tornou um hominídeo. Muitos passos depois chegamos aqui, e para inveja das mulheres, a ciência usando de um modelo masculino o transforma em mulher. E isso só é possível porque com a revolução industrial e as grandes guerras, o mercado precisava de mão de obra. Restou à mulher se candidatar para as vagas devido os seus respectivos maridos estarem guerreando. Antes desse advento era fácil reconhecer tanto o gênero feminino, quanto o masculino pelas suas atitudes. Depois disso não se reconheceu mais o gênero feminino, pois ele se igualava nas atitudes másculas.
   O louro resolveu sair do armário, pelo tamanho da comissão de frente e da dispersão, seria melhor dizer que ele resolveu sair do guarda roupa montado nas cores são paulina, vermelho, branco e preto, brincos e batons lilás, sombras azuis e um sapato de salto alto bico fino na cor rosa. Estava um verdadeiro arco-íris.
   Se o hominídeo deu alguns longos passos para a sua evolução, a ciência deu mais ainda, e do louro não poderia dizer outra coisa, pois ele se transformou em uma bela periquita. Foi nesse estado que eu a conheci.
   O louro resolveu parar de usar o "o", o artigo; o outro artigo ele nunca deixaria de usar. Portanto, Mario passou a se chamar Maria. Eu sem saber fui a Maria tentando furar a sua comissão de frente. Barrado já adentrando as linhas laterais da avenida, fui direto para a dispersão. Era o ó do borogodó, não tive como ficar dispersivo. Ativo, entrei e saí da dispersão amiúde por saber que a comissão de frente me era proibida.
   Chega certo momento que - para se ter um julgamento justo da sua evolução e da dela também - a comissão de frente tem que se mostrar para dizer para que veio. Ela disse ao mostrá-la para mim. Pensei que a comissão de frente estivesse fantasiada de aranha, quem sabe uma carambola madura rachada no meio, soltando seu sumo pela abertura. Mas não, ela estava fantasiada de jardim do éden com uma cobra bem no meio tentando expelir o seu veneno, ou então, tava mais para uma árvore de natal com duas bolas estourando em brilho. Foi aí que eu entendi porque papai Noel leva o saco atrás, a culpa é da rena.
   Bem, nessa hora vocês devem estar se perguntando por que eu não o reconheci pelo timbre da voz. Confesso, ele, melhor dizer ela, para não manchar a minha já manchada biografia. Repetindo, ela fez uso da língua e da boca para tudo, menos para a fala. Porém vocês devem estar curiosos, no inicio eu não disse que a ciência consegue, sobre um modelo masculino, transformar ele em ela. Consegue sim, o contrário que é impossível, contudo, eu disse também que essa crônica iria me doer. Pois amigos, ela queria continuar escrevendo a sua história, e para isso, não dispensou a sua caneta. Não preciso dizer da dor que senti, a sua escrita era forte. Além disso, a sua caneta era de ponta grossa, e sua história era uma epopéia homérica... que não queria ter fim.

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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A casa

"Estou lhe esperando. Precisamos pôr fim a nossa história. Me encontre na casa".
   Quando ele leu o bilhete, ficou receoso de ir, contudo, precisava acertar as contas com o passado.

   A ventania tinha levantado algumas telhas, porém, como se elas tivessem apego pela casa, sustiveram-se no ar o tempo suficiente para o vendaval passar e voltaram para sua posição habitual. Ouviram-se murmúrios, pois ao assentarem nas ripas, as telhas soltaram suspiros de alívio. O tempo havia sobreposto nas telhas camadas lodacentas, impedindo que elas expressassem o seu sofrimento devido o abandono. 
   A copa da árvore em frente da casa, outrora frondosa e florida, estava carregada de solidão. As suas folhas amarelas, não se sabe se pelo tempo ou pelas agruras, trincavam-se e ao se esfacelar, perdiam-se no pó do esquecimento.
   Uma das janelas, presa por apenas um dos pinos da dobradiça, veio ao chão assim que uma rajada mais forte de vento abateu sobre ela, dando passagem ao odor guardado de sofrimento aprisionado dentro da casa. O alívio pela soltura do sofrimento não foi percebido pela casa, pois a permanência da dor era sentida nas suas paredes, intrincada no reboco.
   O vento, cada vez mais forte, desnudava a árvore levando as suas folhas para dentro da casa. As folhas se alojavam aonde as suas forças as conduziam, forrando o chão da casa com um tapete de desilusão. Lá fora, os galhos da árvore se contorciam, movidos pela ventania, implorando um abraço de despedida; desolados, debateram-se no ar até serem vergados ao chão. Sem a seiva da vida a árvore se foi sem deixar um fruto.
   A pintura ocre da parede da casa havia sido tomada pelo mofo, dando-a a aparência de uma tela abstrata pintada por um artista enlouquecido pelo ópio. Das suas rachaduras saíam limbos de tristezas, como se a parede fosse uma tela interativa, cujo artista, o tempo, a moldava de acordo com o temperamento da própria casa. O quadro não era um dos melhores. E foi assim que ele encontrou a casa quando chegou.
   Ele, trazido pelo bilhete, estava sendo empurrado pelas lembranças. Do alto do morro, viu a casa sem uma das janelas e a árvore no chão. Esse cenário, se fosse há anos atrás, o levaria as lágrimas, contudo, o tempo encarregou-se de apagar qualquer resquício de sofrimento, deixando apenas as lembranças do que de bom ali aconteceu. Se voltou, foi para entender o porquê de não ter dado certo e para acertar as contas com o passado.
   Ao entrar na casa, ele ouviu ruídos vindos dos seus pés, olhou para baixo e percebeu que estava pisando em folhas secas.
   O tempo acelerou no sentido anti-horário.
   Ela se tornava mais bela quando tinha uma atividade. Encostado no batente da porta, tomando um cappuccino, ele lhe sorriu perguntando que muda ela estava plantando.
   - Cerejeira. Vai dar a casa um ar europeu e lúdico. - Disse isso arcando a cabeça para frente seguido de uma gargalhada frouxa. Sempre fazia isso quando estava feliz.
   - Europeu! Lúdico! Sei. - Ele compartilhou da felicidade dela, olhou para o horizonte e viu o sol rompendo. Ali mesmo fizeram amor.
   - Quando estivermos estabilizados, você planta uma semente aqui. - Ela disse isso levando a mão dele a sua barriga. Com o sol estufando a abóboda do céu, ele permaneceu com a sua mão na barriga dela imaginando-a céu.
   O estrondo da porta se debatendo, movida pela rajada de vento que não queria cessar, o trouxe de volta do passado. Assustado, ele se jogou no sofá. Este, precisando de um leve empurrão para desabar, foi ao chão e o levou, novamente, para o passado.
   Ao entrar a casa, às escuras, ele foi de encontro à quina do sofá. Ao mesmo tempo em que a dor se fez presente, audível com o seu grito, ela também se fez ao ligar o interruptor de luz. A iluminação o tornou visível aos olhos dela.
   - Acho que o amor para você se resume a trinta e seis metros quadrados...
   - Não entendi.
   - ...ou então, a um colchão de casal com dois travesseiros...
   - Não faça drama.
   - ...pois você só me trata bem no quarto, em cima da cama e quando quer sexo.
   - Você deve estar de TPM.
   - TPM? Seu desgraçado. São seis horas da manhã de sábado, você saiu de casa às seis horas da manhã de sexta e vem me dizer que tou com TPM. Toma o que lhe cabe neste quarto. A partir de hoje você dorme no sofá.
   Ele desviou do travesseiro arremessado por ela.
   - Eu não estava com nenhuma mulher. Estava bebendo com os meus amigos e perdi a noção do tempo.
   - Não estava com mulher. Em que diabo de mundo você vive? Quer enganar a quem? - Ela ameaçou tirar da bolsa a prova da traição dele, mas recuou. - Para você tudo gira em torno do sexo, não existe amor, companheirismo, aliançar uma ao outro...
   - Isso não é amor, é prisão.
   - Prisão? É isso que você pensa. Sinta-se livre. Acabou.
   - Você diz isso porque está nervosa, amanhã lhe pego na casa de sua mãe.
   - Dessa vez não sou eu que vou sair.
É você e não tem volta. - Ela bateu a porta do quarto, trancando-a. Encostou-se a ela e chorou abraçada a foto dele nu com outra mulher. Não teve coragem de mostrá-la. A traição seria paga sem ele saber.
   Ele bateu repetidas vezes na porta, mas ela não abriu. Conhecia-lhe muito bem para saber que o casamento havia terminado. Sentou no sofá abraçando o travesseiro na tentativa de preencher o vazio intrínseco. Olhou para parede como se buscasse uma história de amor que ambos se prometeram. Lembrou que ela quis a cor ocre para as paredes. Cor de casa, disse um dia, arcando a cabeça para frente e gargalhando.
   A mancha de mofo na parede apagava a sua história de amor, se houve uma, escrita com ela. O limbo saindo de suas rachaduras era como tinta borrada sobre as linhas do papel, ininteligível. Compreendendo que estava no tempo presente, ele se levantou e encaminhou ao quarto com uma ilusão, infantil até, de que ao abrir a porta, ela o estaria esperando no quarto. Mais do que uma ilusão, ele tinha era um desejo, por isso levava consigo o travesseiro. Sentou na cama alisando o lençol, desejando que ela estivesse sobre ele e sob a sua mão a pele aveludada dela. Em devaneios, jogou-se sobre a cama levantando a poeira do abandono. Uma névoa acinzentada e densa encobriu o quarto. Envolto no torpor das lembranças, delirando, ele a viu surgir vestida somente de alegria e desnuda das camadas do tempo. Abraçado a ela, ele a teve mais uma vez. Suas peles tinham a mesma temperatura, a mesma febre dos amantes. Exsudado, após o frenesi sexual, ele percebeu que o pó havia impregnado em sua pele. Sentindo-se aprisionado, ele esfregou as mãos sobre o corpo, porém, a massa formada do pó com o seu suor não saía. Correu, desesperado, ao banheiro e com esponja, água e sabão esfregou-se. Foi inútil, a massa estava imantada ao seu corpo.
   Ele não percebeu que o tempo avançara, trazendo consigo vendavais, trovoadas intensas, prenúncio que as nuvens iriam desabar.
   A casa, percebendo o movimento da natureza, o prendeu no quarto sem precisar de muitos esforços, pois ele já estava preso aos seus delírios sexuais.
   A casa se desprendeu das amarras que a prendia ao chão, o sofrimento por ele ter falhado ao não transformá-la em um lar, e se deu a tempestade sem arrependimento.
   O telhado se desfez em pó após as telhas se debaterem movidas pelo vendaval. Vários estrondos em intervalos pequenos ecoaram no ar. Um dos pilares não aguentou a força do vento e trincou derrubando uma das paredes. Pequenos tremores de terra desestruturaram o alicerce levando ao chão as outras paredes. O último estrondo rompeu entre os destroços, uma nuvem de pó se elevou ao céu, não havia nada em pé. A casa se foi aliviada, ele nem tanto.
   Passado alguns minutos, a poeira ainda baixando, ela surgiu, saída de uma van, trazendo em uma das mãos a foto dele com outra mulher, nus; e na outra mão o controle remoto que acionou o dispositivo das bombas colocadas estrategicamente na casa. Acendeu um cigarro, tocou fogo na foto, jogou-a sobre os escombros e, ao vê-la transformar em cinzas, deu uma gargalhada estridente arcando a cabeça para frente.
   Finalmente as nuvens desabaram abaixando a poeira que teimava em permanecer. Ela ergueu a cabeça sentindo a chuva banhar o seu rosto, vingada, estava de alma lavada.


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sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Admirável ser

O absurdo na formação do ser é que dificilmente sabe-se como, e quando finalmente ele é, percebe-se que gostaria de ser completamente diferente.



A imagem que ilustra o texto é da minha amiga Myra Landau. As suas telas abstratas causam um encantamento em mim que consigo deslumbrar várias formas, vários sentir. Para conhecer seu blog clique AQUI . Podem também se encantar com as suas telas clicando AQUI
 

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Livro

Os livros são uma janela para outro mundo, o meu é um livro de páginas em branco escrito com giz, também branco, para lê-lo precisa um pouco de magia para se encantar, um tanto de
coragem para não assustar com o que vai ler e demasiado zelo para não se perder de mim entre verbos e substantivos. Como eu, ele é protegido por uma capa dura envernizada para que não sofra com as intempéries, as folhas costuradas com fios de náilon, talmente as minhas amizades, para que não se percam e deixam de dar sentido a história. No final verá que o livro não tem fim, tal qual eu, continua em outras páginas, perdido em uma estante, a espera deste instante mágico, ser escolhido por algum leitor que, ao abrir as páginas, perceba que a sua vida iguala a que está escrito. Eu sigo ininteligível...

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Substantivo próprio

Perdi o sono. A madrugada é dos solitários. Percorro as bordas escuras do céu. Não acho estrelas. Descaminho, perdido no buraco negro da minha solitude. A lua é uma bola de gude olho de gato, mas não sou mais criança. Tenho pressa de crescer. Desilusão, todo crescimento é fruto de algum aprendizado. Não aprendo, prendo-me às palavras, mas não consigo apreendê-las por fazer do meu livro de cabeceira travesseiro. Perdi o sonho e nem o sono me é colo para o descanso. Perdi o sono e rio. Rio da minha situação, pois nem a mão ergue a vara para fisgar. Faço da madrugada rede, de pescar. A cama é o meu rio de letras. Fisgo o “erre”, o “eme”, o “i”, e o “a”. O meu alfabeto é curto, quem me socorre não é um verbo, mas um substantivo próprio. Próprio de quem deseja, escorrego pelas pernas do “M” e deitado sobre o “A” espero o ”R” escorregar sobre mim para eu ser hirto como o “I”. Tudo isso regado com prazer e gozo. Enfim é o verbo quem me acha. Amar. Perdi o sono. Entrelaço-me. A madrugada é uma dama a espera do seu par...



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