Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quinta-feira, 31 de março de 2011

Estação primavera


A solidão é transitória e não estacional, dura apenas um inverno. A minha flor amarela não precisou esperar a primavera, era ainda inverno quando floriu, assim também o meu coração não precisou esperar pela estação para o degelo. Todos os meus sentidos estavam prontos para as cores, odores e sabores, para os ardores prima-se pela a estação das flores. Botão a espera da primavera para se abrir em flor, assim eu estava.

Não havia mais cardigans me cobrindo, o meu pesoço desnudo não carregava mais o cachecol, descida dos meus saltos altos, eu não pisava mais calçada em botas. O meu colo emoldurava o meu estado de espírito, eu enfrentava a vida de peito aberto e aberta as todas emoções sem a preocupação das decepções. Coberta por perfumes e descalça, eu pisava o meu chão forrado por tapetes floridos. A alegria era vestido e eu primavera, não estava mais nua.

A paixão aos cinquenta tem o gosto de vinho envelhecido, prima-se saboreá-lo aos poucos para dar tempo à língua sentir o seu sabor sem amortecer os lábios. Apesar de ser primavera e o tempo estar ameno, dentro de mim havia um verão, eu ardia e quem vinha lá adiante trazido pelo vento, puberbe, senão semente. Senhora de mim, eu esperei o vento trazer o meu menino. A estação tinha seus sabores, odores e cores e o meu estado era de ardores. O meu menino estava de vermelho e ele se vestia de bombeiro. Banhei-me com as águas do prazer e ele ainda não tinha vinte.

Não tinha tempo de esperar a semente brotar em tronco, do tronco surgir os galhos, dos galhos nascerem folhas e flores, e finalmente das flores, frutos. Passarei a estação todas sob lençois e me fiz terra, a semeadura se daria pelos ardores.

Enquanto houver primavera, você será o meu menino, quando não houver, você permanecerá, semente... E eu já tenho ciquenta.


Imagem: www.gettyimages.com

sábado, 26 de março de 2011

Estação inverno

A falta de um cobertor não me desprotege do frio, o agasalho que eu necessito é interno, e eu ainda tenho os meus travesseiros. Retirar a pedra de gelo do Campari e a rodela de limão da borda do copo é um ato que eu sempre faço sem saber o porquê, pois seria muito mais simples pedir a bebida sem os dois, inexplicável também é tomá-la sem usar o canudinho e deixá-lo no copo até o fim da mesma. Mas quantos hábitos corriqueiros nós fazemos e são imperceptíveis aos nossos olhos, os meus eu só os percebo no inverno. Estação solidão, o inverno me faz perceber a falta do outro, e, sozinha, eu despercebo de mim mesmo e atento para os pequenos detalhes. O inverno não enregela os meus sentimentos, a minha solidão é silenciosa, não me leva ao desespero, nem tampouco me deixa seca.

O gelo se derretia sobre o balcão e uma lâmina de água aos poucos ia caindo no chão, devido à umidade ou por força da gravidade, o gelo caiu de uma vez no chão se estilhaçando. O que caracteriza o inverno é a aproximação das pessoas, comigo ocorria o contrário, nem o inanimado, por sua natureza imóvel, permanecia próximo a mim. Pela janela vejo o vento estilhaçar uma folha de ipê amarelecida, e é assim que me sinto, como a folha, desprendida do galho da árvore e sem ter de onde nutrir o seu sustento vai sendo levada sabendo que em poucos minutos tudo cessará, menos o vento, menos o vento...

Eu fico pensando como a folha me veria ali na janela com um copo de Campari na mão e um olhar sofrido e petrificado, não pelo frio, mas pela dor trazida pela estação gélida.

Ponho o copo no balcão e percebo que o gelo estilhaçado tinha mudado de estado, não morreu, transformou-se em líquido, quanto tempo levaria para evaporar eu não sabia. Tudo no inverno parecia permanente, das certezas, a única que eu tinha era que a dor não mudava de estado. Em algum lugar, a folha deve estar cobrindo algum solo para que na primavera ele esteja pronto para receber as sementes. Abro a janela à espera de uma ventania, uma brisa não me serve.


Imagem: www. gettyimages.com

domingo, 20 de março de 2011

Estação outono


Ninguém chega aos cinquenta anos sem se alquebrar. A brisa foi sentida como um furacão me vergando, e o pior de tudo é que eu somente tinha a solidão como bengala e a amargura como apoio.
A folha amarela de outono tinha tanto viço interno que eu diante dela parecia invernal. Se aqui fora o sopro é gélido, dentro de mim o que estava expirando era outro sopro, o da vida, simplesmente, o sopro da vida.
Quando se está sozinha, nenhum apoio é confortável, nenhum mesmo. Minhas mãos se apoiaram no ferro frio sem ter a certeza de que naquele banco encontraria apoio. Sentei sopesando algumas folhas que se encontravam no banco, ao fechar as mãos para as estilhaçarem, eu percebi que elas haviam voado borboleteando no ar sem destino certo, senti-me como ela, mas, infelizmente, a tristeza me pregava naquele banco.
Olha só quem veio atrás de mim. Não sabia dizer que dia era hoje, não obstante, eu senti que era a última noite de outono, o vento gélido invernal se aproximava intentando a minha ida, dentro de mim o destino tinha uma estação, o inverno.

Imagem: www.gettyimages

segunda-feira, 14 de março de 2011

Estação verão


Amor fácil não dura mais do que uma estação, e este não durou um verão. O verão nos permite pouca roupa para nos mostrarmos, desde que não nos tornamos vulgar. A natureza foi benigna comigo, o que em mim excede, a maioria das mulheres buscam em clínicas, e por mais silicones que injetam, o homem ao tocá-las tem a sensação de estar apalpando uma "amoeba". Comigo não, a sensação não é artificial.

Quando uma mulher sai de vermelho tendo a sensualidade como vestido é para abater. Havia um mês que eu não pegava ninguém. Eu saí de vermelho e o mundo estava em lençóis, precisava urgentemente de uma cama. Sabe a sensação que você tem de não estar no lugar certo, eu tive quando fui para essa balada. Todos os homens ali presentes pareciam ter decorado frases de placa de caminhão. Não estavam tentando me conquistar, mas ofendendo a minha inteligência. Contudo, a fome de comer era maior do que a vontade de rejeitar o prato. E eu estava de vermelho tendo a necessidade como vestido. Quando o cara mais descolado da festa me falou que queria ser um touro para correr atrás de mim, eu fiquei imaginando sua mãe como vaca e me rachei de rir. Pior foi outro dizer que eu era a última bolacha recheada do pacote, aí é demais. Teve um idiota que me disse que eu era a nora que sua mãe havia sonhado, então, eu lhe medir dos pés a cabeça com os olhos e lhe perguntei se ele não estava muito grande para agradar a mamãe. E assim foi a noite toda. Quando estava indo embora, alguém me puxou pelo braço, disse-me que me reparou durante toda a noite e havia preparado um discurso para me conquistar, mas agora somente lhe vinha à cabeça frases de placa de caminhão, por isso se calaria para me admirar. E eu estava de vermelho e ele se vestia de uísque. Desnudei-me de todas as vestes para ser coberta de prazer. Foi o mais tórrido amor de verão. Na última noite da estação, eu saí da sua casa com o meu vestido preto, somente. Deixe minhas peças íntimas como souvenir. No verão o olfato se torna mais aguçado, deixei-o cheirando as peças e nunca mais o vi. Na rua, eu tive a sensação do vento outonal. Estava vestida de felicidade...


Imagem: www.gettyimages.com

quinta-feira, 10 de março de 2011

Cinzas


Foi um beijo de despedida, sem amargor, um beijo de cinzas. Eu nunca acreditei que amor de carnaval durasse mais do que uma noite, este durou quatro. Estava me sentindo como a princesa que ao tirar a fantasia e vestir o vestido de baile se ver diante dos seus súditos sem o seu par, pois o príncipe havia virado sapo. Nem isso eu tinha. Quando eu me entreguei a ele, estava sem fantasia, havia me desnudado. Ele nem a máscara de papel-marchê tirou. Deixou seu nome gravado no mesmo papel que usou para retirar a minha maquilagem, pois me queria sem os simulacros. Tirou muito mais do que isso. Paulo, nem sei se esse nome era realmente o seu. A teatralidade do carnaval cabe qualquer personagem, o eu se esconde sob vários disfarces que usamos durante os quatro dias. Até a felicidade é movida por uma embriaguez tardia. Amor de carnaval é como uma batida de surdo, o som estridente da caixa, a simplicidade da batida do tamborim e o choro da cuíca cuja harmonia somente funciona enquanto a festa durar. É como se o combustível que o incendeia exaurisse na última noite e nos deixasse as cinzas de todas as quartas.


Imagem: www.gettyimages.com

terça-feira, 8 de março de 2011

Amor de carnaval


Eu tenho a solidão das almas perdidas. São tantos nós que prendem a minha alma, nós que não se desfazem em poucos dias, precisam de tempo, mas já percebi, o tempo foi tanto e somos nós que nos desfizemos. Por ser mulher infrene, nunca nos atamos de verdade, você sempre soube que a minha liberdade não admitia amarras.

Não me visto mais de ilusão. A pior veste não é aquela que a moda nos impõe, mas aquela que nós mesmos nos impomos, por isso eu me desnudo e me visto de pele.

O meu carnaval tem a máscara da perdição. A ilusão desfila em mais um carnaval, amanhã continuaremos com as máscaras, afinal, amor meu, a vida é uma passarela, continuemos, eu com um copo de vinho tinto na mão e minhas lembranças, não preciso de mais nada, quanto a você, resta-lhe as fantasias.

Não preciso de maquilagem para me esconder. Minha idade? Mulher não tem idade, ela não conta o tempo pela data do seu nascimento, mas pelas experiências vividas, e eu vivi tanto que não tem produto antiidade para apagar essas marcas, elas me significam. Não sou velha, amor meu, sou experiente e, principalmente, experimentada.

Hoje é terça gorda, arlequim e pierrôs pulularão em torno de mim, a você restará a ressaca, banha-se de cinzas, amor meu, eu não vivo de fantasias. Desnudo-me e me visto de pele para ser vestida de amor, amor de carnaval.


IMAGEM: WWW.GETTYIMAGENS.COM

sábado, 5 de março de 2011

Apenas um até logo

 


   Por aqui muitos amigos me emocionaram, fizeram-me chorar e rir. Aqui criei amigos, fiz irmãos e irmãs, aprendi e apreendi, melhorei como pessoa, desfiz-me de preceitos, conceitos e preconceitos. Fiz uma irmã de alma e de outra uma alma irmã. Por isso a todos darei um até logo, espero estar de volta logo. Vou devido a compromissos profissionais que me tomarão tempo e me requerão mentalmente concentrado no novo desafio. Devido também a problemas pessoais, minha Rosa, alérgica e com colesterol alto, o meu Cravo, alérgico ao glúten requerem mais atenção. Deixo vocês entregue as escritas de uma amiga muito especial, Samaryna. Dela falarei pouco, pois todos a conhecerão com a leitura de seu texto. Deixo dela apena esta frase:
“Um grande homem não tem um mulher atrás, mas dentro de si”.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Imagem de indignação

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    O dia surgia cobrindo a manhã com uma névoa densa, no horizonte só se via feixes de luzes vindo das lâmpadas dos postes. Saí todos os dias como sempre faço, carregando o peso da minha responsabilidade. Cheguei ao centro da cidade, a névoa havia dissipado. Percorri as mesmas ruas para chegar ao meu trabalho. Pouca coisa mudou, geralmente são os mesmos rostos. Olhei na calçada da padaria ainda fechada e vi traços de algo coberto por uma caixa de papelão. Aproximei e percebi que ali estava um irmão. A ironia de tudo isso é que na caixa de papelão estava escrito em letras garrafais: “PRODUTO DE QUALIDADE”. Ele se mexeu, sentou-se e bebeu um líquido de uma garrafa. O cheiro era muito forte para ser cachaça, percebi que era álcool. Sai dali transtornado devido minha impotência. Culpei-me por não ter lhe ajudado. Sei que minha indignação não mudará o seu destino. Sei que mais tarde o dono da padaria limpará aquele chão.
     Cheguei ao serviço cumprimentando a todos, poucos responderam. A indiferença daqueles com quem convivo a maior parte do tempo não me incomodou. Adaptei-me ao meio e o meio não me mudará.
     A noite descortinou diminuindo um pouco o peso da responsabilidade. Saí do serviço e uma senhora passa de mãos dadas com uma criança. Ela me encara, sorri e gesticula com a mão dando tchau. Retribuo-lhe o sorriso e o cumprimento. Reconfortei-me e senti a esperança naquela criança. Caberá a nós ensiná-la a permanecer assim, quem sabe quando adulto ela passará por uma calçada e não verá um indigente porque ela aprendera a lição: AMAR O PRÓXIMO. Ainda há tempo de ensinarmos todas as crianças.
     Eu tenho dois. Elas são o arco-íris dos meus dias chuvosos, o sol nos meus dias claros, lua e estrela em minhas noites, o combustível que me leva adiante. Eu as ensinarei amar. Faça a tua parte e ensina uma. Ainda há esperança.