Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Outono


Álgido, o vento fraco teve força o suficiente para arrancar o galho seco do jatobá, imponente, plantado na porta do asilo e levá-lo de encontro à janela, tirando-a da sua letargia mórbida. Sentada na espreguiçadeira de jacarandá com uma colcha de fuxico a cobrir suas esquálidas pernas do tempo gélido, ela não se assustou com o barulho, porém, deu um suspiro de quase abandono; o gato encolheu-se sobre os seus pés enrugados rosnando de medo. Em cima da mesa, forrada com uma toalha trabalhada em vagonite, havia um prato de mingau de milho mofado há muito tempo, no esquecimento do ato de ser comido. O silêncio ali somente era quebrado pelo assovio do vento. O relógio marcava sempre às quinze horas de um dia incerto. De quando em vez um vento mais forte fazia com que as cortinas bordadas em recilier bailassem no quarto como fantasmas atormentados a espera do céu. O bailado das cortinas era o único momento em que ela se permitia um sorriso, silente, no rosto macilento, dando viço aos seus olhos sofridos. Quando as cortinas tocavam as linhas tortuosas marcadas pelo tempo em seu rosto, ela se lembrava dos beijos prometidos dos netos que se foram, dos abraços esquecidos na infância perdida dos filhos que a abandonara, e o último beijo na última primavera do marido que não chegou a ver o último verão de felicidade. Desse dia em diante, quando a vida lhe fugiu, ela invernou aos poucos até chegar ao estado em que se encontrava em uma estação chamada saudades. Outonal, ela foi à janela e viu as árvores em tons amarelados, o céu gris e uma tristeza contida nos rostos das pessoas que formigavam nas ruas esfumando-se entre as esquinas. O outono sempre lhe vinha como uma quase morte, sendo um pouco otimista, o que lhe era raro, o considerava como uma semi-vida, porém, o verdadeiro significado era de abandono. As lágrimas esfumavam-se dos seus olhos; o gato, companheiro desde sempre e ainda, aninhou-se em seu colo cerrando os olhos; os dela há muito estavam cerrados.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Fábrica de monstro

Sexta-feira, desprotegido, as frustrações da semana era agasalho. Eu chego a minha casa cansado. Esposa na escola, filha dormindo. Campainha quebrada, eu ouço alguém chamar. Uma criança prostrada na porta com um olhar triste conta-me que havia jogado um pé de sandália, sem querer, na minha garagem e que havia chamado e como ninguém atendeu, ele estava vindo aquele horário. Não a achei, explico-lhe que talvez minha esposa tivesse guardado e que ele voltasse amanhã.
Anoitecia, o frio era intenso. A minha esposa havia chegado. Conversamos amenidades. Era madrugada quando fomos deitar. Aconteceu de eu esquecer de relatar sobre o pé de sandália.
Sábado de manhã. O sol nem havia surgido e a criança estava na minha porta com um pé de sandália na mão dizendo que era igual aquele a que ele havia perdido. Como minha esposa tinha saído cedo, ele ficou sem respostas. Chorando disse que seu pai daria uma surra, pois a sandália era para ele ir à escola de manhã e para seu irmão ir à tarde. Portanto além de apanhar eles teriam de ir descalços. Ofereci-lhe um par de sandálias novo. Ele recusou porque não o eximia do erro e seu pai pensaria que ele teria roubado.
Sentamos na escada da garagem e ele percebeu os jornais, as garrafas de alumínio e PET amontoados. Admirou eu ter a mesma profissão do seu pai e ser rico (coisas de crianças). Conta-me que seu pai era catador de lixo. Explico-lhe que eu separava meu lixo não orgânico e doava e se ele quisesse poderia levá-lo. Dois minutos depois ele chegou com um carrinho de mão.
Após chegar das compras minha esposa mostrou-me onde tinha guardado o pé de sandálias. No domingo vi a criança com sandálias nova, presente do pai por tê-lo ajudado na coleta de lixo. Dei-lo o pé de sandália e ele me falou que ia doá-lo para um colega de escola que estudava descalço. Saindo disse-me:
- Obrigado por ter me ensinado a valorizar a profissão do meu pai. A tua doação me ensinou a doar também.
FIM

A história acima é verdadeira, o final é fantasioso. Vamos aos fatos. Ao sair para a escola minha esposa deixou o pé de sandália na calçada, e alguém deve ter pegado. A criança por não ter achado apanhou tanto que no domingo ela me mostrou suas pernas. Marcas de cinto. A pobreza fabricando monstros.
Resolver o problema da desigualdade social para quê? Estaremos sempre construindo presídios para enjaularmos os monstros.


06/06/06

sábado, 10 de abril de 2010

Ensaio sobre a felicidade


     O homem sozinho é inservível. Não foi à-toa que deus para fazer a mulher usou uma das costelas do homem - se tivesse usado a sua teria criado a mulher perfeita, desde que não lhe desse vontade própria, pois as imperfeições é fruto das vontades humanas -, para demonstrar tanto a um como ao outro que eles são insétil. Portanto a fortaleza de um encontra-se alicerçada na do outro. Explicito isso, no conto Carpe Diem, as mulheres assexuadas viraram pó, pois é bíblico, do pó viemos ao pó voltaremos, e espera-se que se vai como pó apaixonado para igual voltar. Este não seria o caso das mulheres assexuadas, pois heteromasculofóbica, iguais não se atraem, se repelem, isso é físico, mais precisamente física, posto que hoje em dia os iguais se atraem fisicamente, mas graça a providência divina não se reproduzem. Portanto morta estão para esta vida e para a outra se outra vida houver.
     Ficou implícito no mesmo conto como uma mulher bem mulher, ou seja, uma mulher boa, e para ser mais explicito, uma mulher com dois seios, um rabo, e que rabo, destes rabos que ao balouçar soletra o nome e sobrenome do homem, e neste conto, sendo o sobrenome Pinto, ela soletrava Pin-to, PIN-to, PIN-TO! sobremaneiramente que o nosso Pinto, digo, da personagem, ficou em posição de sentido tal qual o soldado diante do seu superior, e não seria o contrário, pois se pinto é, como pinto deveria se comportar; então, como ia dizendo, como uma mulher boa de dar no pau, do nada surgiu. Como?           
      Milagre. Como, vocês dizem entre interrogações e interjeições. Na história humana temos provas suficientes de milagres. Cito o da multiplicação dos peixes. Mas há alguns blasfemos que dizem, sendo Jesus pescador, ele poderia muito bem apontar um lugar no rio que houvesse muitos peixes, mas espere aí, Pedro também não o era? Deixando esta história de lado, pois ela é mais divina do que humana, cito outra. No último terremoto que houve, após quinze dias, dos escombros não saiu uma pessoa com vida. Pois bem, por milagre, quando as mulheres assexuadas tentaram eliminar os heteromasculossexuais, um sobreviveu, o Ribeiro Pinto. Porém lá não está escrito que se salvou uma heterofêmeassexual, mas salvou-se, por força do milagre. Mas como se eu não escrevi isso, vocês devem estar se perguntando. Simples. Demora-se para se reconhecer um milagre, e às vezes, mesmo o reconhecendo, nos custa acreditar.
     A heterofêmeassexual pertencia ao clã dos Wilson, e diga-se, de são consciência, salvou-se sem nenhum arranhão, com toda a sua simetria nos seus devidos lugares, fisicamente; e, diga-se também, sã animicamente. E como o Pinto não era insano, posto que nenhum Pinto o seja quando se trata de mulher, mas, se por acaso, o for são para outro gênero não é um Ribeiro, pois nenhum Ribeiro o é e nunca o será não importa quanto milênios se passam.
     Como todos sabem, quem conta um conto aumenta um ponto e puxa a sardinha para o seu prato, e como já perceberam o contista é um Ribeiro. Contudo tudo que dos Ribeiros foi dito e escrito é vero, conquanto o que dos Pintos foi dito e escrito cabe aos Pintos confirmá-lo, mas isso não que dizer que o contista aumentou um ponto. Deixando de lado este circunlóquio, vocês já devem estar se perguntando como Pinto e Wilson viveram felizes para sempre como foi escrito em “Carpe Diem”. Ninguém é feliz para sempre, vocês podem estar pensando, e vocês pode ter razão, afinal o poeta cantou que o para sempre, sempre acaba, porém outro poeta escreveu que seja eterno enquanto dure, no caso aqui como é um Pinto, seria correto mais correto dizer duro, posto que o durar, sendo um pinto, só duro, do contrário não tem serventia, diga-se de passagem, perdurar. Voltemos para o que eu estava discorrendo sobre o feliz para sempre. Sabemos que os contos de fada terminam com a frase “viveram felizes para sempre” e ponto final. Se foram não houve uma linha escrita sobre isso, contudo há sim um conto após o feliz para sempre, o do ogro Shrek. Sabemos que ele não foi feliz para sempre, pois tinha um sogro que era uma mala e por sinal um anfíbio anuro peçonhento, ou seja, um sapo. Da sogra sabemos o suficiente para deduzir que era um ofídio, mesmo que nada ali foi dito, só pelo fato de ser uma sogra já é uma cobra, perfídia, peçonhenta, vocês há de convir comigo. Outro fato para o Shrek não ter sido feliz para sempre foi o concorrente, o príncipe encantado. A grande desgraça para um casamento é o rival, e todos nós o temos, e na maioria das vezes é o vizinho ou o colega de trabalho.
     Portanto aí está a explicação deles terem sido feliz para sempre, tanto o Pinto quanto a Wilson não tinha sogro e sogra, muito menos vizinhos, afinal eram os únicos sobreviventes, consequentemente por serem sozinhos só tendo um ao outro, não tinha amigos e nem colegas de trabalho. Vocês devem estar pensando que a vida deles era monótona por eles terem só a si, convenhamos, o que vocês acham que eles fizeram.  Isso mesmo, pensou bem. Agora pergunto quem não seria feliz para sempre assim. Quanto aos filhos, os filhos dos seus filhos, bem isso vocês sabem, afinal os seus filhos tiveram filhos... e foram felizes para sempre?

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Blogagem coletiva - CARPE DIEM


Ano 2424

O dia rompia gris e cálido. As nuvens plúmbeas cobriam o céu escurecendo o entardecer. Ainda se via, mesmo assim, raios dourados por entre elas. Porém, ao cair da noite o negrume tomou conta do céu. Haveria necessidade de luz artificial para ver e ser visto. Era o cenário ideal para dar curso aos planos arquitetados há anos. O holofote sobre a placa de aço fulgia o nome do local: Centro de armazenamento de sêmen masculino. Como último sobrevivente dos homassteros, ele não poderia deixar que a terra fosse habitada por aquelas aberrações assexuada.
A 24° hora do dia 24 do ano de 2424 trazia um vento álgido, enregelando os dedos de suas mãos, mas isso não o impediria de acionar as bombas por controle remoto. O prédio veio abaixo iluminando com a explosão a noite, o ar quente propagou o som ensurdecedor. A placa de aço voou rasgando o céu e caindo aos seus pés. O último dos Ribeiro Pinto pisou sobre a placa de aço do Centro de armazenamento de sêmen masculino que veio ao chão com a explosão. Ele sabia que seria descoberto e sua sina seria a morte, mas ele sabia também que a vida era uma morte diária de sonhos e esperanças neste mundo dominado por mulheres.

Ano 2011

O dia rompia alegre, com o sol luzindo sobre todas as cores. A avenida paulista estava apinhada de gente, o número era surpreendente. Caetano Veloso que havia confirmado a sua presença para a abertura do show, com amigdalite, não compareceu; Nei Matogrosso alegou o mesmo problema por não ter vindo; Augusto Liberato que seria o mestre de cerimônias, também, não compareceu por motivo não divulgado; o prefeito de São Paulo foi impedido de comparecer por ser o manifesto apolítico, Cauby Peixoto queria marcar presença, mas a doença o impediu; Michael Stipe, do R.E.M., Elton John, George Michael e Ricky Martin cancelaram sua vinda devido ao apagão aéreo que novamente deixou a população sem meios de se locomover por via aérea. Mas estava lá o Élcio, o Wilson e toda turba de blogueiros no 2° encontro do Dia Internacional do Homem, também conhecido como o Dia do Homem Assumidamente Hétero, ou por sua corruptela: Homasstereo. Do palco, montando em frente do MASP, via-se toda a avenida tomada de gente. Nunca se imaginou que havia tanto heteromasculossexuais. O sucesso da passeata, e do evento em si, foi finalmente reconhecido mundialmente e a partir desta data, 1° de Abril, o dia Homasstereo passou a fazer parte do calendário mundial.
A heteromasculofobia aumentou assustadoramente após a oficialização mundial da data e no 3° Homasstereo, uma mulher bomba explodiu-se no meio da multidão matando milhares de pessoas na Avenida Paulista. Aos poucos o grupo denominado Mafieta (mãe, filha e espírita santa) se espalhou pelo mundo atacando tanto heteromasculossexuais como homossexuais e flexomasculossexuais. Uma seita foi aberta pelo grupo terrorista denominada Trindade feminina e se espalhou universalmente angariando novos fieis, propagando um mundo perfeito, prometendo o paraíso sem o fruto do pecado, pois eliminado o homem, conseguintemente o Diabo deixaria de existir. E ano após ano o dia Homasstereo perdeu a sua força, pois a quantidade de heteromasculossexuais foi diminuindo, e os poucos que existiam viviam na clandestinidade. Não havia mais homossexuais, nem tampouco flexomasculossexuais.
Em 2224 somente existia duas famílias heterossexuais no planeta terra. Caçadas pelos heteromasculofóbicos, as famílias aprenderam tática de guerrilha e assim se propagaram até o ano de 2424 quando surpreendida, a família Wilson foi eliminada sanguinariamente, e da família Ribeiro Pinto sobreviveu apenas um.

Ano 2424

As mulheres enfim dominaram o mundo. Ao sair de casa e abandonar o lar e a família para competir com o homem por mais espaço na sociedade, imaginava-se que esta mesma sociedade perderia muito da característica masculina, a saber, a ignorância, o individualismo, a arrogância, o egocentrismo e passaria a absorver características femininas, tal como a paciência, o companheirismo, o altruísmo. Porém, mesmo sendo dominado pelas mulheres, o mundo não perdeu as características masculinas e muito delas foram absorvidas pelas mulheres.
As mulheres evoluíram tanto que já conseguiam dirigir com perfeita maestria; se dava seta para a esquerda, por incrível que pareça, virava à esquerda; trocava pneus sem quebrar uma única unha, algumas chegaram a um nível surpreendente de evolução, conseguiam trocar o óleo do carro. Aprenderam a abrir latas de quaisquer produtos em conserva; a trocar lâmpadas sem tomar choque; a instalar um produto eletrônico, e, abismem-se, algumas faziam isso sem ler o manual; a bater um prego sem ferir o dedo; a atarraxar e desatarraxar um parafuso com a chave correta; aprenderam as regras de todos os esportes, e, enfim, todas as atividades que antes eram delegadas aos homens devido à incapacidade intelectual feminina de realizá-las. Porém ainda gastavam os sábados e domingos no salão de beleza, acompanhava todas as novelas televisivas, liam todas as revistas de fofocas e assistiam aos programas reality shows, ou seja, não deixaram de ser mulher, apesar de masculinizadas.
As mulheres perderam a sua beleza física, as feições nada tinham de feminina, as curvas não mais delineavam o seu corpo, passaram a ser conhecidas como mulher-peixe, nada de frente, nada de costas. Assexuadas, a fertilização se dava por inseminação artificial com sêmens retirados do heteromasculossexuais, homossexuais e flexomasculossexuais eliminados. O avanço da medicina estava chegando ao tão sonhado mundo perfeito, a fertilização humana sem a necessidade do sêmen masculino, porém a destruição do Centro de armazenamento findara este sonho. Ele como último heteromasculossexual seria caçado, não apenas por motivo de vingança, mas também como o último do espécime a fornecer o sêmen para concluir a pesquisa que levaria ao mundo perfeito.
O homem quando homem nunca deixa de ser homem diante de um rabo de saia. O último que ele viu foi em uma revista playboy achada em uma casa abandonada na periferia da megalópole paulistana. O nosso herói, se assim podemos chamá-lo, desditoso, usa as mãos para os afazeres dos desejos carnais folheando a revista, nunca viu, in loco, um rabo de saia por dois motivos, a saber, primeiro, desde o século vinte e dois a mulher deixou de usar saia; segundo, com a evolução a natureza lhe tirou, por assim dizer, o rabo por não mais precisá-lo, quando homem ainda havia, para a sua ascensão profissional, e, quando homem não mais havia, não havia necessidade de tê-lo.
Posto isto, ele, a lambuzar os dedos com a sua saliva para fazer melhor uso dos mesmos no folheio da revista, foi, inopinadamente, surpreendido por coxas, seios e rabo, ou seja, uma mulher com eme, u, ele, agá, e, e erre nos seus devidos lugares para compreensão da palavra, como coxas, seios e rabo, também em seus devidos lugares para melhor compreensão do ser, fisicamente
E foi assim, primeiro se conhecendo pelo físico, pois os desejos da carne não têm o tempo da espera, que se conheceram. O conhecer da alma somente se daria com o tempo. E com o passar do tempo eles conseguiram se livrar das armadilhas impetradas pelas mulheres assexuadas, e neste meio tempo, entre idas e vindas dos desejos carnais, eles tiveram filhos, e viveram, por assim dizer, como foi escrito em muitas histórias verdadeiras ou não, felizes para sempre.
E desse dia em diante eles não mais comemoraram uma data específica, seja de aniversário, seja de casamento, seja dia dos pais, seja dia das mães, seja dia das mulheres; porém, eles se felicitavam a cada amanhecer por ser o dia de todos os dias um dia especial. E assim uns diziam aos outros:
- Um bom dia, este dia é seu! Carpe diem!