Um espelho de água, uma chapa de aço, um vidro de uma vitrine de loja, ou, simplesmente, qualquer objeto que reflete a sua imagem provoca nele sensações aterrorizadoras. Consome o seu tempo sentado no banco da praça jogando comida aos pombos para não se dar ao trabalho de ter que olhar no rosto de quem passa, pois se alguém tiver a felicidade estampada, se culpa por não ter construído a sua; e se, ao invés disso, tiver a tristeza, é a sua maior ainda, e se maldiz.
Aos poucos, os pombos famintos se aglomeram em volta das migalhas de pão, penas voam dos seus corpos ao se debaterem por um espaço no chão. Se há felicidade ou tristeza entre eles, ele não sabe, afinal é da natureza dos pombos irem atrás das migalhas, e como todo ato instintivo, não traz em si felicidade ou tristeza, pois os pombos sabem que se ali não houver migalhas para a sua sobrevivência, alhures haverá de ter, o instinto os levará até lá.
Passivo, ele não alça voo, a felicidade é uma meta distante cujos passos ele não dá para alcançá-la; estoico, envolto por tristeza, é indiferente ao seu sofrimento. De pouco riso, - somente quando um pombo dá voltas, sobrevoa por ele e pousa em seu ombro, ou então, quando come em suas mãos, ele se permite o riso. – mas quando ri, o sofrimento se desprende do seu rosto, como se fosse a sua segunda pele, deixando à mostra as covas no meio da bochecha, apagando qualquer traço de envelhecimento. Os seus olhos tornam-se dois lumes incandescentes, espargindo vida; uma vida que não é dele.
O tempo passa como sempre passou, com as suas divisões cronológicas e suas peculiaridades, porém ele o sente linear. Não importa qual a hora do dia, qual o dia da semana, qual a semana do mês, qual o mês do ano, ou qual ano que fosse, para ele, todos os dias são imutáveis, como se a mudança, perceptível, do dia para a noite, do dia de hoje para o dia de amanhã não lhe chegasse aos sentidos. A não percepção da mutabilidade do tempo o faz não perceber, também, a mutabilidade que o tempo inflige ao seu corpo. Envelhecido, as únicas cores que distingue são o branco e o preto com as suas nuanças. Solitário, ele ouve apenas o silêncio, sua voz há muito emudeceu. Enfim, se ele tem algum sentido, sua mente não o verbaliza, pois não se visualiza nenhum traço de sentimentos em seu semblante.
Os pombos alimentados tomam o seu rumo, alçando voos curtos em busca de abrigo. Ele os vê se distanciar, permanecendo-lhe um vazio inelutável, uma solidão silente e desarrazoada. A ociosidade não o desespera e nem tampouco o faz se sentir inútil. Pega um jornal deixado no banco da praça, não com o intuito de ler, mas se fechar em si, criando uma bolha invisível, com um desapego à vida, como se a vida somente lhe tivesse significado ao alimentar as aves. Por um instante ele desvia o olhar do jornal e procura a si mesmo, e se o achasse quereria saber se foi o inconformismo que o levou ao nervosismo, e este a ignorância e consequentemente a perda da família. Porém, a pior perda foi a de si mesmo. Uma lágrima quis vir à luz, mas ele, incólume, cerra os olhos a retendo.
Contristo e circunspecto, ele está morto em si, o seu corpo é ataúde para a alma.