Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Um presente de Natal


   Houve um tempo, uma criança sabia que seu mundo iniciava nas
margens do rio São Francisco e se encerrava na linha do horizonte
entre o rio e o céu. Houve ele, ainda pequeno, de ganhar um presente.
Os presenteadores, seus pais, lhe ensinaram que quanto mais ele o
usasse mais valor dava a si e mais valorizado se tornava o presente. E
assim ele fez durante os primeiros doze anos de sua vida.
   Houve de o tempo passar, e a criança se tornou adolescente. Seus
pais, querendo que ele soubesse mais, atravessaram a linha do
horizonte e ele soube coisas do outro mundo. Luzes, cores e sabores
tinham outros significados. A aceleração diária neste novo mundo
tornou os dias mais curtos, os meses menos demorados e o passar dos
anos imperceptível. Então, ele deixou de usar o presente de criança e
perdeu valores.
  Tendo esse novo mundo como espelho ele se tornou ignorante.  Porém
já homem feito, soube que ignorância não é falta de saber, mas
sinônimo para falta de amor. Sozinho percebeu que não mudaria as
pessoas desse novo mundo, também não era enterrando em si aquela
criança que se adaptaria a esse mesmo mundo. Passou a ser o que sempre
fora e começou a usar o presente de criança.
  Meus amigos, essa história não é fruto da minha imaginação, é real
e a criança da crônica sou eu. Meus pais sempre me ensinaram, mais do
que isso, frisou que compartilhar o presente durante a minha
existência valorizaria não só a mim, mas também aqueles que comigo
conviveria. Aproveito o Natal e o significado de iluminação que ele
tem para mim e lhes presenteio com o mesmo presente dado pelo meu pais
quando eu era criança. Estendendo as minhas mãos para lhes presentear
na esperança que não guarda esse presente somente para si. Não abra
ainda, quero que saiba que dentro desse embrulho encontra-se a
GENTILEZA.
   Que na sua ceia de Natal a congregação em família - sendo que
família é formada pelos filhos do mesmo Pai, Deus - possa haver a gentileza em
abundância e que em 2012 vocês possam recolher e distribuir amor.
   São os sinceros votos da minha Família. A Luz sempre permaneça em
nosso lar. Perceba-A e ilumina-se.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Depois - Parte final


   Pedro estacionou o carro em cima da calçada, sabia que estava errado, contudo, a pressa não lhe permitia outra ação senão essa. Ele retirou dois sacos de sessenta quilos do porta-malas do carro e colocou na garagem do salão de distribuição de sopa, em seguida saiu em disparada, sendo observado por Salvador. Voltou meia hora depois com duas caixas pequenas e as colocaram próximas dos sacos.
   - Pedro, posso saber o que se passa. Não me diga que vai tirar Jesus da cruz com toda essa pressa. - Salvador disse entre risos.
  - Não. - Pedro disse sorrindo, também. - Recolhi alguns sonhos nas padarias do bairro e algumas latas de doce de leite de alguns supermercados.
   - E o que pretende com isso, aqui só distribuímos sopa. Você sabe disso.
   - Sei, Salvador. Vou distribuí-los na rua para os famintos.
   - Pedro, depois de vinte anos, você ainda me surpreende. Isso é bom. Precisa de ajuda?
   - Desculpa, irmão, quero fazer isso sozinho.
   - Vá com Deus, Pedro. Ele te guiará aonde você quer chegar.
   Pedro partiu incomodado por Salvador ainda não chamá-lo de irmão depois de vinte anos de convivência.

   Socorro corria, mas a fome estava lhe tirando as forças das pernas, se descansasse, ela sabia que não levantaria, por isso passou a andar lentamente.

   Pedro havia distribuído todos os sonhos. Foi em direção ao carro e quando jogou os dois sacos vazios no porta-malas sentiu um ruído, então, ele enfiou a mão no saco e encontrou um sonho. Olhou para todos os lados para ver se encontrava algum faminto, como não encontrou, ele levou o sonho à boca. Neste mesmo instante, ele ouviu um ruído de algo se chocando no carro. Foi na direção de onde o ruído havia vindo e encontrou uma criança caída no chão.
   - O que lhe aconteceu? - Pedro perguntou ansiando uma resposta, pois estava preocupado.
   - Você é o anjo que veio me trazer o sonho recheado com doce de leite.
   Pedro não havia entendido a resposta, somente se deu conta quando a criança avançou sobre a sua mão retirando o sonho e o comendo vorazmente.
   Esbaforido, Pedro entrou no salão de distribuição de sopa, carregando a criança no colo e já explicando a Salvador o que se passara. Após pedir às voluntárias que desse um banho na criança, a alimentasse e a acomodasse num dos quartos do salão, Salvador, pela primeira vez, viu Pedro orando.
   - Pai, um dia, eu não dei valor a vida que me deste, atentei contra o bem maior que deixara para mim. Pai, sei que sou pequeno, ainda não merecedor de Sua graça, por isso, peço-Lhe, não para mim, mas para essa criança, não deixe que a Luz lhe expire, ilumina-a.
   Salvador, emocionado, se encaminhou a Pedro e lhe deu um abraço demorado.
   - Pedro, a sua fé trará Luz a ela. Você é um iluminado, irmão.
   Pedro, enfim, ouviu o que tanta ansiara, ser chamado de irmão por Salvador. Segurou mais um pouco aquele abraço para si e o agradeceu por não ter desistido dele. Salvador lhe sorriu e beijou a sua testa, abençoando, em seguida saiu da sala deixando-os a sós.
   Ainda emocionado, Pedro viu os seus olhos retrocederem em câmera lenta para o passado, no momento que encontrou com Angélica pela primeira vez na escola e voltar ao presente lestamente ao encontro dos olhos da criança que acabara de acordar. Gelou, o olhar das duas eram parecidos. O seu coração disparou, um sentimento que há muito tempo estava adormecido aflorava. Ela é uma criança, Pedro, disse para si. Agora sem controle dos olhos, esses voltaram para o dia que ele fez amor com a Angélica na padaria e foram trazidos de volta para o corpo da criança que remexia no sofá. A simetria dos corpos era idêntica, as curvas mais ainda, um detalhe as diferenciava, Angélica era clara, a criança é morena. Se não fosse pela magreza de uma em relação à outra, poderia dizer que eram a mesma pessoa. Olhou mais detalhadamente para o corpo dela, e ela percebera, gostara até. O delineamento simétrico das curvas do corpo dela já não lhe dava a certeza de que era uma criança. Perturbado, ele resolveu falar com Salvador, mas antes a criança lhe falou:
   - Posso saber o nome do meu anjo salvador?
   - Pedro, e o seu?
   - Socorro.
   - Pois bem, Socorro, eu não sou anjo e muito menos salvador, sou apenas um praticante do amor cristão. Agora preciso ir. - Pedro disse tartamudeando, nervoso e perturbado.
   Ele encontrou Salvador no jardim cuidando de suas flores.
   - Pedro, amar é exercitar o Deus em nós, isso você fez ao salvar esta garota, reduzir o amor a superfície do físico é diminuir o Deus intrínseco, é deixar de verbalizá-lo, é emudecer a Sua voz, é regá-Lo ao depois. Pense bem irmão, o conhecimento nos dá a oportunidade de saber escolher, e escolher é saber pôr em pratica as nossas vontades. Saiba das suas e escolha.

CINCO ANOS DEPOIS

   Contristo e cabisbaixo, Pedro alimentava os pombos, fazia isso para ter companhia. Com cinquenta anos, os vincos no rosto, a rigidez da pele e dos sentimentos o envelhecera muito. Sombreava por onde passava, perdera a luz depois que abandonou o serviço voluntário no salão de distribuição de sopa. O alarido dos pombos, após ele jogar as migalhas de pão despertava em seu rosto o sorriso de antes. Repentinamente, o bater de asas dos pombos voando por sobre a sua cabeça o assustou, uma sombra no chão encontrava com a sua. Ele levantou a cabeça e não acreditou no que estava vendo.
   - Angélica? - Pedro disse, incrédulo.
   - Não, Pedro, sou eu, não me reconhece mais.
   - Socorro. - Pedro disse se refazendo do susto.
   - Pensou que ia fugir de mim. Demorei, mas te achei. Levante.
   Socorro pegou-o pela mão e o ergueu, Trazendo-o para junto de si. Parados, se olharam demoradamente, um procurando no outro quais eram as suas vontades. Não precisou de muito tempo para saber.
   Pedro voltou para o serviço voluntário e reencontrou Salvador. Deu-lhe um abraço demorado segurando as lágrimas.
   - O bom filho a casa torna. - Salvador disse sorrindo.
   - Ele torna porque sabe que o Pai sempre estará de braços aberto para ele.
   - Sempre, Pedro, Ele sempre estará com e será por nós.
   E durante mais cinco anos Socorro exercitou o amor divino ajudando aos necessitados, juntamente com Pedro, Salvador e outros voluntariados. Em um dia comum, um dia de sol brilhante, ela se foi, alegre. Sofrera, aos vintes e cinco anos, um ataque cardíaco fulminante. Pedro estava ao seu lado, mas quando o resgate chegou já era tarde. Antes de ir, ela, segurando na mão de Pedro, disse:
   - Meu amor, estou indo pelas mãos do amor, o amor divino, por isso não sofra, sempre há um depois.
   - Eu sei, amor. Vá em paz.
   Pedro disse escondendo a sua tristeza em um sorriso sem convicção e deixando as lágrimas jorrarem assim que os olhos de Socorro foram fechados por ele. Aos poucos, ele foi perdendo a tristeza ajudando aos outros no serviço voluntário. Permaneceram em si as saudades e as boas lembranças vividas.
   Aos sessenta anos, ele não aguentava mais o serviço voluntário, o seu corpo não fraquejava, cansava fácil. Sentou, arcou o corpo levando a cabeça ao braço do sofá, adormeceu. Em seu rosto havia sorrisos da época que ele amara a Angélica e Socorro, os mesmos sorrisos.
   - Você voltou, veio realmente me buscar como havia prometido.
   - Sim, Pepito. Eu sempre lhe disse que há um depois. Vem meu amor, me acompanha.
   - Mas, onde está Socorro?
   No rosto de Angélica havia um sorriso que não era seu, o sorriso de Socorro. Pedro entendera. Foi para amá-la até um novo depois.

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domingo, 11 de dezembro de 2011

Depois - 5ª Parte

   - O que você fez? - Pedro disse, nervoso, agitando os braços.
   - Calma irmão, eu que lhe pergunto o que você queria fazer. - Salvador disse, sereno.
   - O que você pensa que eu queria? É um ignorante? Estava tentando me matar, não percebeu? - A exacerbação das palavras era exagerada na boca de Pedro.
   - Não só a você. O que intentava com isso? - Salvador mantinha a calma, pois percebera que aquele homem estava sofrendo.
   - Eliminar o meu sofrimento, a minha dor. - Mais calmo na resposta, as palavras saíram chorosas, e os olhos de Pedro se perderam longe se procurando.
   - E você pensa que a morte elimina a sua dor. Ela não encerra com a morte do corpo, estará sempre com você, na tua alma, e essa, por mais que você morra e renasça, sempre estará contigo...
   - Vá à merda. Não me venha doutrinar com a tua religião, daqui a pouco me convidará para ir para a tua igreja e dirá que lá eu serei salvo. É o que eu menos preciso agora. - Pedro disse repetindo o impropério.
   - Irmão, talvez você não saiba o verdadeiro significado da palavra religião, ela quer dizer religar a Deus e para isso você não precisa de igreja, a religião, o religamento não está em um templo, em uma sinagoga, em uma igreja, mas em você, intrínseco. Liga e acenda a tua luz interna, ilumina-se, religa a Deus, sinta-O. - O brilho dos olhos de Salvador era intenso e suas palavras tornavam o que dizia verdade.
   - Deus? Você vem me falar de Deus uma hora dessa. Onde estava Deus quando tirou a minha Angélica, onde Ele estava quando tirou o meu pai? - Apesar das queixas, não havia raiva nas palavras ditas por Pedro.
   - Irmão, Ele está onde sempre esteve, em você. A pergunta correta era onde estava você para não percebê-Lo tão próximo, estendendo as suas mãos para confortá-lo. Irmão...
   - Pare de me chamar de irmão que eu não sou seu irmão, me chame de Pedro. - A rispidez de Pedro ao interrompê-lo, não assustou Salvador, quanto mais ríspido e ignorante era Pedro, mais calmo e sereno era Salvador nas respostas.
   - Pedro, somos filho do mesmo Pai, Deus. Portanto estamos irmanados pelo seu amor, pois, como ia dizendo antes de ser interrompido, somente lembramo-nos Dele quando perdemos alguém apenas para culpá-Lo por causa dessa perda e esquecemo-nos dos ganhos que Ele...
   - Irmão - Pedro disse irônico. -, ganhos? Isso é piada? Como você pode falar em ganhos se eu só tive perdas.
   - Pedro, Deus lhe deu algo de importante e você despreza, a sua própria vida.. As perdas estão aí para aprendermos com ela, pois elas são um processo natural da vida. Deus nunca deixou de assisti-lo. Receba-O, sinta-O e você perceberá os ganhos. Agora preciso ir, estou atrasado.
   - Por favor, me ajude! - A necessidade impôs a Pedro a serenidade e a calma necessárias para quem estava precisando de ajuda.
   Salvador não poderia negar aquele chamamento, a Luz havia acendido no coração de Pedro, caberia a ele intensificá-La.
   - Pedro, primeiro você precisa se ajudar para depois ser merecedor de ajuda, você entende isso?
   - Sim, quero ser curado.
   - Mais uma coisa, Pedro. Não será somente Deus que vai te curar, mas você também. Quando você tiver a compreensão disso, você estará curado. Agora vamos, me acompanhe.
   Ao chegar ao local de distribuição da sopa, Salvador cumprimentou a todos os voluntários chamando de irmãos. Todos estavam a postos com concha em mãos, no caldeirão os alimentos ferviam, as cumbucas estavam dispostas em uma mesa retangular circundando toda a cozinha. Então, ele se dirigiu a Pedro.
   - Pedro, pegue uma concha, uma cumbuca e sirva a sopa para os sem-tetos.
   - Mas, Salvador, você me disse que ia me curar, quero dizer, eu ia me curar, e o que você faz é me dar trabalho. - Pedro disse constrangido.
   - E quem lhe disse que a ocupação não opera a cura. Pedro olha aquele quadro e...
   - É o Chico Xavier. - Pedro disse, interrompendo Salvador.
   - Pedro, não atenta para a imagem, mas para o que está escrito embaixo.
   - Trabalhe para o bem dos outros, para que possa encontrar o seu próprio bem.
    Ao terminar de ler, Pedro compreendeu porque Salvador era tão sereno e feliz, agora ele entendia o porquê de tanta pureza nele. Sem esperar que ele pedisse, Pedro apanhou concha e cumbuca.
   - Vamos, Pedro. Vamos, irmãos. Os nossos irmãos famintos precisam ser alimentados. - Salvador disse, entusiasmado.
   - Salvador, por que você chama a todos de irmãos, a mim não?
   - Acorde o Deus em ti. O aceite como Pai para que eu possa lhe chamar, sinceramente, de irmão. Vamos, passou da hora de alimentá-los.

VINTE ANOS DEPOIS

   Seu corpo, apesar de esquálido devido à desnutrição, era um corpo de mulher com saliência e curvas simétricas. Sentada na calçada jogava biriba, sozinha. Ainda tinha a alma de criança, as nuvens no céu ainda eram algodões-doces, o céu era gelatina com gosto de anis, o chão era um pão salgado sem manteiga. No seu mundo fantasioso, ela não tinha como fugir da fome.
   - Socorro. Socorro. Tá surda desgraçada. Levanta daí, vem cá miséria.
   Ela reconheceria essa voz onde estivesse, no mundo real ou fantasioso, mesmo que decorressem mil anos.
   - Tou indo, mãe. - Socorro disse, jogando as pedras no ar e imaginado-as como pipocas doces caramelados.
   Ao aproximar de onde sua mãe estava, ela viu um homem gigante e gordo com uma pedra de Ox não mão. Ele a entregou e caminhou em sua direção. Ela entendera que a sua mãe estava fazendo uma negociação e ela era a moeda de troca. Saiu dali correndo sem olhar para trás.
   A sua mãe, ainda radiada, retirou a roupa e nua se ofereceu como moeda de troca. O traficante retirou a pedra de Ox de sua mão lhe dizendo que o seu corpo não valeria o valor pago para a mesma.
   - Socorro, desgraçada, volta aqui, merda. - A mãe de Socorro descabelava desesperada. O seu corpo começava a sentir falta da droga.
   Montada em suas fantasias, Socorro corria, corria e corria. Adiante, ela via um sonho recheado com doce de leite, e ela corria atrás desse sonho. Corra, Socorro, corra, um sonho recheado de doce de leite te espera. Essa era a voz que ouvia quando corria.

CONTINUA EM 14/12/11

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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Depois - 4ª Parte



DEZ ANOS DEPOIS

   Havia dez anos que Angélica havia morrido, Pedro estava para completar vinte e cinco anos. Durante todo este tempo ele se entregou a tristeza, a dor da perda tecia em seu coração elos difíceis de serem desembaraçados. No início do seu sofrimento, ele procurou alívio na bebida, depois, achou a tranquilidade ao fumar maconha e por fim a cocaína retirou qualquer sentimento de dor, ele estava fora de si. Todas as tardes, ele sentava no toco da árvore que o caminhão havia se chocado. Tentou por várias vezes ressuscitá-la, porém a morte encerrava qualquer tentativa de revida. Ele mais morto estava, sentia isso. O alívio que as drogas davam era momentâneo, o depois era devastador. Sentado, ele pegava alguns pedregulhos na rua e jogava no ar, qual a sua intenção com isso ninguém sabia. Ele sabia, tentava matar os seus monstros, imaginários ou não, sabia que não conseguiria. E se se matasse, fez essa pergunta pela primeira e única vez.

   Seu pai o acompanhou na sua travessia de tristeza e dor, tentando animá-lo e reforçando o que Angélica havia dito, sempre há um depois. Orava todos os dias, pois não tinha mais de onde tirar energia para continuar esta luta inglória, usava a sua última arma, a fé. Tinha conhecimento que todo viciado em drogas começa com um inocente cigarro de maconha e toma um caminho cujo retorno é difícil de conseguir, se livrar das drogas pesadas. Pedro tomou este caminho, se houver uma volta, terá de ser pelas mãos de Deus, as suas não eram suficientes.
   O cachimbo de crack estava em cima da cômoda, Pedro o olhava, porém, além dele havia alguém lhe chamando, era um dos seus monstros, a morte. A pedra de Ox também lhe chamava, animada pela sua abstinência, ganhou vida e sussurrou em seus ouvidos: "Para que se matar, se me possuindo, você morre aos poucos, com prazer". Pedro foi em direção ao cachimbo e ao tentá-lo pegar, surpreendido, foi a morte que o agarrou. Seu destino estava selado.

   Seu Edson olhou para as suas mãos e se fez uma pergunta: "E se Deus usar as minhas mãos para salvar o meu filho". Não esperou respostas, ele saiu da padaria correndo, entrou dentro de casa e foi direto para o quarto do filho. O bilhete estava debaixo do cachimbo de crack, ao lado estava a caneta que ele usou para escrever e uma pedra de Ox recém-usada. Percebeu que chegara tarde demais.
   "Pai perdoa-me, você sabe que eu tentei, percebi que esse depois nunca chega, além disso, dia após dia, eu vivia a espera desse depois. Pai, eu quero o agora, e o agora, perdoa-me, é o meu fim". Apesar do bilhete deixado por Pedro estar ininteligível devido às letras disformes, seu pai entendeu muito bem o que estava escrito. Então, ele prostrou ajoelhado na cabeceira da cama, chorando, estendeu as suas mãos sobre a cama e as levou para o alto.
   - Pai, essas mesmas mãos que castigaram quando ele errou, não souberam retirá-lo do fundo do poço quando ele sucumbiu. Pai, o Senhor, como eu, também é Pai, por isso Lhe imploro, ao invés de levar o meu filho, leve a mim. Falhei por não ter dado ouvidos a Angélica, o anjo que o Senhor mandou para nos alertar, por isso, Pai, leva-me, eu não conseguirei suportar essa perda.
   Levado pela emoção, após fazer suas orações, o coração do Seu Edson não resistiu. A janela do quarto abriu-se brutamente, uma corrente de ar gélida levou consigo o bilhete. Seu Edson, antes de fechar os olhos definitivamente, ainda movido pela emoção, balbuciou: "Angélica, você veio salvá-lo?". Um lampejo de luz que ainda resistia ouviu a resposta. Ele se foi tranquilo.

   Os passos, imprecisos, de Pedro não tinham direção, o mesmo não podia dizer de suas intenções. Cambaleando entre o meio fio e a avenida, a iminência de ser atropelado era provável, se não foi até agora era porque o fluxo do trânsito estava lento no sentido bairro centro, por isso, os carros conseguiam desviar dele. No sentido contrário, centro bairro, o trânsito estava intenso e parado, nada movia, somente o tempo.

   O tempo de Salvador estava expirando, ele precisava chegar ao seu destino, com o trânsito parado, ele não conseguiria. Como não tinha nem tempo para pensar, instintivamente, entrou à direita, estacionou o carro e resolveu fazer o resto do percurso a pé, seria mais quinze minutos de caminhada. O começo de noite estava claro e fresco, o inverno não era intenso, e isso era bom para os sem-teto. Lua e estrelas, além de darem ao céu luminosidade, davam, também, a Salvador esperança necessária para que a distribuição de sopa trouxesse aos desvalidos alívio para as suas dores, afinal, para ele, aquela sopa era o pão que Deus amassou. Ele atravessou a avenida, ergueu a cabeça, olhou além, sorriu para si mesmo e foi feliz, pois carregava intrínseco a intenção de ajudar os outros.

   Pedro olhou além e viu uma luz bem distante e tomou uma decisão, o seu fim também seria o fim da sua dor. Se ele tivesse fé enxergaria nessa luz a sua salvação, mas não era. Os dois faróis do caminhão vinham altos, a avenida estava livre, o motorista pisou no acelerador, obedecendo aos limites de velocidade. Os sem-tetos, alguns metros dali, estavam formando fila para retirar a sua sopa, preocupados com a sua fome, eles não sabiam da intenção de Pedro.
   A felicidade de Salvador aumentava assim que ele se aproximava do local de distribuição da sopa. A luz alta do farol do caminhão ofuscava a sua visão, porém, a luz que iluminava o seu caminho era outra, por isso ele continuou andado sem dar importância à luz do caminhão, a luminosidade que o fazia enxergar era outra. O mesmo não poderia dizer de Pedro, sem intentar para a luz que mudaria o seu destino lhe dando conforto e compreensão, ele divisou a chegada do caminhão e se jogando embaixo dele, abreviando a sua dor com o fim da vida. Pedro não sabia que a morte não encerra a vida, nem abrevia a dor. O céu trabalhava movido pelas orações do seu pai e de sua namorada, e uma luz maior os iluminou, o céu e o Pedro.
   Pedro se jogou no exato momento que Salvador ia passando, os dois caíram na avenida. O motorista do caminhão de lixo ouvia a sua música preferida, ia levando o caminhão para a garagem, ele tinha pressa, esposa e filhos o esperavam. Uma interferência provocou um ruído na estação de rádio sintonizada, e ele tentando resolver o problema viu os dois corpos no asfalto, em sua mente veio a imagem do acidente na rua da padaria, a culpa que ele levava por ter matado aquela adolescente, a árvore. Não havia nenhuma árvore na avenida, a calçada estava lotada de sem-teto, no sentido contrário da avenida, um tapete de carro o impedia de ir na contra mão para livrar dos dois. O motorista, sem poder de ação, não freou, não desviou, apenas orou e passou. Ele não sentiu o impacto dos corpos no caminhão, nenhum solavanco, assustado, olhou no retrovisor e sentiu um alívio imenso. Olhou para o céu iluminado e agradeceu. Os dois estavam em pé na calçada se refazendo do susto. O rádio, sozinho, voltou à sintonia anterior tocando a canção Jesus Cristo na voz de Roberto Carlos.

CONTINUA EM 11/12/2011

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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Depois - 3ª Parte


    O motorista do caminhão de lixo estava no fim do seu turno, ele iria entrar na última rua para coletar o lixo quando ao acionar os freios, as rodas não frenaram. Sem poder fazer a curva para entrar na rua devida, pois o caminhão tombaria, ele seguiu reto, ladeira abaixo. O motorista afivelou o cinto de segurança e começou a ciciar as suas orações. Estava sozinho, os garis haviam pulado quando percebeu que o caminhão não faria a curva. Ele não estava sozinho, suas orações foram ouvidas. A rua estava deserta, o sol surgia na linha do horizonte, adiante, ele viu uma árvore, era a luz que ele havia pedido a Deus. O aroma de pão fresco ele sentiu sendo trazido pelo vento. Era a rua da padaria.

   O pai de Pedro estava assando a última fornada de pão, puxando a última fila de pão do forno com a espátula de madeira, quando Angélica tentou passar despercebida, pois não suportaria uma despedida, e seu Edson a notou.
   - Angélica, ia sair sem se despedir?
   - Sim. Seu Edson.
   - Por que, filha? Fiz alguma coisa que lhe magoou. Se fiz, diga-me para lhe pedir perdão.
   - Não, seu Edson, você não me fez nada. Eu que vou fazer. Vou me separar do Pedro, e caberá ao senhor apoiá-lo para que ele não sucumba.
   - Como assim, minha filha. Separar para quê? Vocês se amam, parece que têm a mesma alma em corpos diferentes. Diz para mim, é apenas uma briga de casal, comum a todos os mortais. Vocês farão a paz depois e perceberão que é inútil até brigarem de novo, sucessivamente.
   - Sim, seu Edson, faremos as pazes e nos veremos depois. Lembre ao meu Pedro que sempre há um depois. Sempre. Nunca se esqueça de dizer a ele.
   As despedidas são sempre dolorosas. Angélica abraçou lacrimosa o pai de Pedro e saiu apressada da padaria. Ela não percebeu que Pedro assistira toda a cena escondido atrás do cilindro de massa. Receoso de interferir na cena, ele a perseguiu com os olhos e pressentiu algo de ruim. Correu desesperado pela padaria e antes de alcançar a calçada, ele viu o caminhão de lixo em alta velocidade vindo ladeira abaixo.
   O sol firmava no horizonte brilhoso, ao olhar para ele, ela o sentiu maravilhoso, um lume grandioso da presença Divina; ao olhar para o chão, ela o sentiu revestido de Deus, e não pisava sobre ele, pois Ele o elevava; a estrada estava aberta, ela seria acompanhada por Ele. Enfim a paz.
   Pedro travava uma guerra contra o tempo na tentativa de salvar Angélica, mas sem saber como, alguma mão o prendia no chão. Ele guardaria até o fim de sua vida essa cena, e a culpa por ter, de alguma forma, matado Angélica ao chamar a sua atenção quando gritou, desesperado, o seu nome.
   - Angélica. - O grito de Pedro saiu como de despedida, pois vinha acompanhada de lágrimas.

   O sol ofuscava a visibilidade do motorista do caminhão, no seu campo de visão o único objeto visível era a árvore, tudo em volta tomava a coloração branca, uma brisa gélida tomou carona na boléia do caminhão, assustando-o. Ele não viu mais nada quando o caminhão foi de encontro à árvore, arrastando-a por alguns metros até parar na calçada da padaria.

   Virando o rosto em direção ao grito pronunciado por Pedro, Angélica não percebeu o caminhão arrastando a árvore.
   - Cuidado. - Gritou mais desesperado ainda, Pedro. A sua luta para retirar os pés do chão era agonizante.
   Angélica olhou em direção ao apontamento que Pedro fazia, com os dedos, desesperadamente, percebeu o veículo arrastando a árvore em sua direção e sorrindo disse a Pedro em voz consoladora:
   - Amor, nunca esqueça, sempre há um depois. Sempre.
   Mesmo que Angélica tentasse se erguer, os seus pés não sairiam dali, não haveria mais tempo de se salvar, além disso, ela sentia mãos, não lhe prendendo ao chão, mas a acolhendo. A sua falha na missão de trazer Pedro à Luz havia abreviado a sua vida, ela teve o livre arbítrio, havia feito a escolha, por isso, aceitava a morte, sabia que não era o fim em si e lutaria por mais uma oportunidade para tentar novamente salvar Pedro. Sempre há um depois.
   Os galhos da árvore se tornaram em grandes braços acolhedores, o tronco em um colo aconchegante, as raízes em pés ligeiros que lhe retiraria do plano físico. O seu chão estava revestido de Deus, as nuvens no céu, pinceladas de laranja pelo sol matinal, era a estrada que levaria ao colo do Pai. Seu caminho era de luz.
   Pedro conseguiu se livrar do que lhe prendia ao chão e retirando o último galho que estava em cima de Angélica implorou chorando.
   - Amor meu, não vá. Deus não a deixe ir. - Suplicou, Pedro, olhando para o céu.
   - Meu Pepito, não esqueça, sempre há um depois. - As últimas palavras de Angélica foram ditas com doçura. 
   Movido pelo ódio, Pedro exacerbou:
   - Seu desgraçado, é assim que você quer que eu creia na sua existência. Eu te odeio hoje, eu te odeio sempre e vou te odiar depois.
   O pai de Pedro que havia assistido a cena de atropelamento de Angélica, e estava em estado de choque, ficou estarrecido com as palavras pronunciadas por Pedro. Temendo pelo seu destino, pois sabia que a palavra tem poder, ele orou ao Supremo o perdão para o filho.
   Nuvens negras trazidas pelas palavras odiosas de Pedro entraram em seu coração o entrevando. Ao mesmo tempo, as orações de seu Edson foram ouvidas, cabia ao Pedro fazer as suas para alcançar o perdão.
   Após o sepultamento do corpo de Angélica, Pedro se isolou, fechando em si todos os seus sentimentos. Ao voltar para casa, ele não permitiu que seu pai se aproximasse. Em casa, ele se trancou no quarto e somente abriu a porta porque seu pai insistiu. O pai de Pedro tentava consolá-lo, mas este o repelia, e na terceira tentativa de abraçá-lo, Pedro o jogou contra a parede. Com o impacto, seu Edson gritou de dor, mesmo assim não desistiu, e o pegando de surpresa fechou seus braços sobre o seu corpo e ciciou nos seus ouvidos:
   - Filho, não se entrega a dor, tanto ela quanto a perda nos serve de aprendizado. Aprender com nossos erros pedindo perdão e perdoando é um grande passo na nossa evolução como ser humano.
   - Não consigo, pai. Está sendo difícil. Pedir perdão não arrefecerá a minha dor.
   - Dá ao tempo a oportunidade de te curar. O Altíssimo olha por ti.
   - É a você pai que tenho de pedir perdão.
   - E peça também a Deus. O perdão Dele lhe trará alívio. Eu o perdôo filho, e Ele também fará, afinal Ele é Pai, mais ainda.   
    Pedro emudeceu, não dizendo ao seu pai se pediria ou não.

CONTINUA EM 08/12/11

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