Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

domingo, 19 de abril de 2009

Tristura outonal

Toda interferência humana traz consigo prejuízos irreparáveis. Assim que as matinas do final de Março descortinavam, os ventos outonais fracos, porém gélidos, sopravam. O clima não trazia o frio característico e se não fosse pelo mês, Março, pensaríamos que as manhãs eram outonais, as tardes veranis e as noites primaveris, sabendo-se que a estação era outonal. Contudo se o meu estado físico não sofria com as mudanças repentinas do tempo, o meu estado anímico, irascível, não dizia o mesmo. Por ser outono, a estação me doía onde eu era mais vulnerável, na alma, a enregelando em tristezas e por mais que eu buscasse na mente animo para degelá-la, desarrazoada, a minha alma se nutria de sentimentos desconhecidos da razão. Eu me escurecia.
A pior escuridão não é aquela que te cega para o que está em tua volta, mas a que te cega para ti mesmo.
O nublar do espaço físico descorloria o ambiente tornando-o feio, não que a fealdade fosse intrínseca aos objetos, era apenas um estado de feiúra, pois se retirasse a névoa da estação o colorido ressaltaria dando beleza a quem era belo. Por maior que fosse o espaço, a estação não me deixava enxergar uma outra cor senão o cinza. Seriam, sempiternos, tristes dias outonais de esperas. O que mais me desconsolava era saber que após o outono o inverno me tirava qualquer tentativa de esperança. Eram-me custoso dar um passo após o outro, por mais que os meus pés fossem, eu não os acompanhariam. Estava em um estado hibernal angustiante. O que me aterrorizava era ter que abrir a porta e sair, afinal todas as feras se encontravam lá fora e a luta era injusta, mas quando você somente luta consigo mesmo não há vencedor.
Caíam as flores sem ter dado a oportunidade ao fruto de brotar e nem tão pouco a esperança da semente. As folhas secas trazidas a minha porta pelos ventos significavam muito mais do que a chegada da estação, elas acentuavam externamente as minhas tristezas internas.
Saí e percorri a rua com os olhos. Amarelecida pelas folhas e flores caídas das árvores, a calçada se apresentava a mim com a languidez da estação. Circunspeto, a ultrapassei sabendo que seria seis meses de uma luta inglória comigo mesmo. Algures a derrota era eminente.
A similitude do inverno com o outono caracterizava a inelutabilidade das estações, premissa da minha derrocada, deixando-me como simulacro de mim mesmo.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Despedida

“isso passa/ amanhã é um outro dia não é/ eu nem sei por que me sinto assim/ vem de repente, um anjo triste perto de mim – Renato Russo”.

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O domingo estava amanhecendo, aparentemente parecia que seria igual a todos os domingos, o sol romperia no horizonte apagando do céu o tom acinzentado e frio das madrugadas; alguns pássaros cantariam no quintal dançando por entre as folhas das árvores; os beija-flores balouçariam no jardim os girassóis com seus bicos para sentirem as gotas de orvalho sobre as suas penas; zéfiros poderiam trazer, ao fim da tarde, o aroma característico da estação, úmido e adocicado, para dar ao começo da noite um ar lúgubre e chuvoso.
Com o regador em mãos eu fui ao quintal molhar as mudas de palmeiras para ter a certeza de que elas não eram artificiais, pois todos as achavam que eram. Como havia chovido em demasia na tarde de sábado até o começo da madrugada de domingo, poderia ser que a água em excesso as mofaria, mas eu corri o risco, afinal é preferível pecar pelo excesso do que pelo comedimento.
Após fazer o café, o senti forte e melado; com certeza a minha mão estava pesada devido às frustrações dos dias úteis semanais. Resolvi fazer as massas e o acompanhamento do desjejum mais tarde quando as frustrações fossem deslembradas. Envolto nas lembranças eu liguei a televisão e assisti o Globo Rural. Quando o programa estava terminando veio a mente que eu tinha de ficar de tocaia no jardim para surpreender o entregador de jornais devido ele jogá-los sobre os girassóis, molhando-os. Não que eu me importasse com os jornais, mas sim com os estragos que ele fazia na plantação de girassóis. Porém para que ter aborrecimentos se hoje é domingo. Deixei para resolver a questão em um outro dia.
Com os ovos estrelados na manteiga juntamente com o bacon frito em tiras sobre as gemas ainda moles, o domingo, finalmente, estava com o aroma de domingo, e isso me alegrou. Assobiando “Por enquanto” da Legião Urbana, eu assei a tapioca e depois, sem deixar de assobiar, joguei os ovos com o bacon sobre o beiju; enfim o domingo tinha o aroma, som e o sabor de domingo, mas lhe faltava algo para se tornar completo. Não faltava mais, o programa de televisão “Sr. Brasil” com Rolando Boldrin estava começando. Para não incorrer em um erro, faltava tatear as folhas dos jornais para todos os sentidos dar sentido ao domingo. Neste instante tudo parava e ganhava um movimento de sublime perfeição, todas as frustrações com suas dores, todas as perdas com seus remorsos, todas as derrotas com suas depressões eram diluídas até perderem seus significados. Havia, neste instante, uma adjetivação da vida que verbalizá-la somente seria possível de uma única maneira, sentindo-a. Havia, neste instante, apenas eu e a poesia.
Por tudo que ocorrera na parte da manhã, o domingo se encaminhava para ser um dia perfeito. Mas nós não sabemos que força move o mundo, ou seja, o homem e que influência ela exerce em cada homem para modificar o imutável. Ao término da minha tapioca ouço um barulho familiar vindo do jardim incomodar o meu ouvido, “clapt, clapt, plaft”. Quando abro a porta os jornais ainda deslizavam sobre o gramado, parando aos meus pés. Três pés de girassóis se encontram espatifados sobre o gramado. Audível, o som do ronco do motor da moto misturava ao som de risadas. Desgraçado. Era o entregador de jornais. Desanimado, o lixo era o endereço certo dos jornais. Dentro de cinco minutos estaria ligando para o serviço de atendimento ao cliente do jornal para cancelar as assinaturas. Nós não sabemos que força move o homem para ele despoetizar a vida. O meu domingo perdeu o que tinha de poético.
Por tudo que ocorrera na parte da manhã, o domingo se encaminhava para ser um daqueles dias que cabia chamá-lo de perfeito. Mas nós não sabemos que força maior move o mundo, ou, melhor dizendo, o homem e que influência ela exerce neste homem a ponto dele modificar o que parecia imutável.
Ao chegar a tarde o calor aumentava, algumas nuvens escuras tentava tirar o brilho do sol.
Ao término da ligação para o Sac do jornal ouço um barulho muito familiar esmiuçar os sons que me chegam aos ouvidos, “clap, clap, calp”. Quando abro a porta uma figura estranha batendo palmas se avolumava. Não percebi seus trajes e nem sua fisionomia, tão pouco o seu estado físico. Assim que fixei meu olhar nos seus olhos senti uma tristeza inexaurível em sua alma, desesperada, em busca de uma saída, mas algo a retinha, como se a alma precisasse dela para se expressar. O convidei para entrar oferecendo um café; ele recusou o café, mas entrou sem muita pressa, olhando minuciosamente todas as flores do jardim; era como se ele procurasse algum espécime que o significasse. Ao sentar foi que eu percebi que ele trazia consigo um calhamaço de papel escrito que ele colocou sobre a mesinha de centro. Conversamos detalhadamente sobre tudo, mas não consegui retirar dele o motivo da sua tristeza. Quando dei por mim metade da tarde se esmaecia, a outra metade se enamorava pela noite. Ele também percebeu isso.
A mutabilidade diária traz em si as marcas do envelhecimento, mas as piores marcas são as frustrações impregnadas na alma por este mundo sem significado provando a nulidade do ser. Dizendo isso com amargura, eu percebi que ele estava tentando justificar o seu niilismo, quiçá a sua nulidade como ser. Era um homem perdido em si e de si. A inquietude do seu olhar foi posta no céu como tentando encontrar respostas ou explicações, não para o mundo, mas para si mesmo. Não obstante quem é o ser, com todo o seu poder, senão o próprio mundo.
Ao levantar ele me abraçou, incontido, apressou-se, foi até o jardim e retirou uma rosa, um cravo e uma flor de liz; despediu-se de mim esboçando alegria. Olhei novamente em seus olhos e não vi mais nenhum traço de tristeza. Fosse o que fosse a resposta e a explicação que o céu lhe deu, ele a recebeu como uma certeza. Significou-se.
Nós não sabemos que força maior move o homem para ele se despoetizar. Se antes o meu domingo perdeu o que tinha de poético, agora ele ganhou em dobro o que lhe cabia de poesia. Reviro desesperadamente o calhamaço de papel escrito em busca do nome do autor daqueles poemas e não acho, mas o que é o nome diante da grandeza de uma obra. A última folha, cujo poema se intitulava “o meu último poema”, parecia uma homenagem à família. Causou-me apreensão o que estava escrito no rodapé da folha, “é preciso o poeta morrer para que o homem viva a poesia”. Corri à porta a fim de vê-lo e saber qual o significado daquela frase e o porquê de poesia estar em negrito. Minha voz seria inaudível devido à distância, mas a minha visão conseguiu alcançá-lo. Ele ia talmente vão todos aqueles que desnudam as frustrações do dia-a-dia, na mais completa felicidade, carregando a rosa numa mão, o cravo na outra e a flor de liz no peito, ou, melhor dizendo, no coração. Ainda o vi juntar o cravo e a rosa em uma mão, e em um só grito ele se fez audível para mim.
- POESIA!
Ainda o ouvi dizer adeus. Como me é difícil dizer adeus. A despedida traz em si um gosto amargo e permanente, por vezes dramática, e quase constantemente lacrimosa. Eu já deveria ter acostumado com as despedidas, pois no decorrer da vida o que mais fazemos é despedirmos. O que é o começo da noite senão a despedida do dia que findou; e assim, sucessivamente, sem saber, vamos nos despedindo da vida ao final do dia na esperança que outros nasçam, e quando isso não acontece mais, são os outros que de nós se despede, para sempre.
Olhei novamente para o poeta, e ele, sem nenhuma pressa, como se o mundo tivesse parado para ele o admirar, ia feliz, despreocupado, imaculado, sem tristezas ou frustrações na alma, como se todas as dores tivessem sido aprisionadas no calhamaço de papel escrito, esquecido propositadamente em cima da mesinha de centro.
O domingo estava para findar. Como todo domingo, ao findar, trazia intrínseco a amargura e o desespero por saber que o amanhã repetitivo sempre vem acompanhado de frustrações. Antes que a música do programa Fantástico fosse audível anunciando o final do domingo, desliguei a televisão e liguei o som. Há música que nos arrebata e faz sairmos de nós mesmo para nos percebemos diferentes e esperançosos. A Legião Urbana faz isso comigo.
Como é desesperador todo final de domingo quando se sabe que o quê nos espera é o peso da responsabilidade, o descaso com os outros, as mentiras calculadas dos dias úteis semanais. Mil vezes a indiferença sincera do que a falsidade constante. O que nos dá esperança é saber que após seis dias frustrados haverá um domingo, sempiterno. Neste estado entristecedor armei a espreguiçadeira no jardim esperando o sol se despedir do dia, e o céu lúgubre abraçar a lua como amante dando adeus, finalmente, ao domingo.

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“e o que disserem/ agora meu(s) filho(s) espera(m) por mim/ estamos vivendo/ e o que disseram/ os nossos dias serão para sempre – Renato Russo”.

sábado, 4 de abril de 2009

o meu último poema


não é nunca a tristeza que me contamina
tenho uma rosa como deusa-menina
tenho um cravo como deus-menino
o meu colo é chão que enraíza essa sina
de ser, graças a deus, feliz da vida

o meu eixo se encontra no meu florido jardim
florescido pelo amor da minha deusa-ébano
e o muito que se diz de mim
só o é verdadeiro quando se diz
sobre o cravo, a rosa e a flor de liz

neles, por e para eles eu me entendo
a compreensão de ser neles ganha significado
serão os meus derradeiros poemas
e muito mais do que isso, disso eu não fujo
serão as mais puras poesias de exaltação a alegria

e para não dizer que eu não disse os seus nomes
o cravo se chama matheus ribeiro vogado
a rosa se chama evelyn ribeiro vogado
e a flor de liz só poderia ter um nome
deusa-ébano-eterna-namorada-amada

nunca jamais é a tristeza que conta
no meu jardim é a alegria que mina
o cravo florirá todos os dias em risos
da rosa a doçura será sempre o seu perfume
e a flor de liz é a única flor da qual preciso