Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Carta aberta à minha amiga Paula

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   Eu –e--o, -o-o eu –e--o, -i--a a-i-a –au-a. –e—e- -ia-, -e-oi- -ue eu -o--ei -a –a-ia, eu –e--ei. -ai, -ai, sai. Opaió, consegui. Recomeçando.
   Eu tento, como eu tento, minha amiga Paula. Nesses dias, depois que eu voltei da Bahia, eu tentei, mas só agora, após várias tentativas, as consoantes conseguiram acompanhar as vogais e formarem palavras. Sabe como é, minha amiga, de tanto ouvir axé, no meu cérebro pululam somente vogais, e como uma autêntica pernambucana, você sabe que todo baiano é adepto da religião de Dorival Caymmi, portanto, as vogais vêm em ritmo bem preguiçoso, mas mesmo assim não é alcançada pelas consoantes.
Somente agora, com muito esforço - apesar de ser estranho um baiano falar em esforço -, eu consegui.
   Amiga, eu recomendo, vá à Bahia e traga ela dentro de si, você verá a si mesmo e aos outros de um modo diferente, porém, não faça como uma amiga minha que foi à Bahia e ao chegar lá desembestou a querer cantar axé. Até que para ela não foi difícil, bastou juntar algumas vogais, soletrar o encontro vocálico, e, pronto, meio caminho estava andado. O que pegou foi que ela queria dançar axé, também. Como pernambucana arretada, você sabe que além dos encontros vocálico a música tem na letra o ensinamento dos passos da dança. Então, com "ais e uis", alguns braços para cima, pernas pros lados, uma baixadinha aqui, uma levantadinha acolá, ela se embananou toda e meteu os pés pelas mãos e ficou entalada tal a contorcionista ao sair da caixa. O pior de tudo é que de tanto cantar axé, a palavra socorro saiu de sua boca sem nenhuma consoante, era um emaranhado de "os". Você sabe que para o baiano qualquer movimento é festa, eles a viram dizendo tanto "o" que pensaram que era uma performance e começaram a aplaudir. Tadinha da bichinha, tá até hoje sentada com as mãos entre as pernas em frente da casa cultural de Jorge Amado. Também pudera, ela é loira.
   Querida Paula, o bom de ir à Bahia é que você trás tantas coisas, mesmo sabendo que não há necessidade de trazer, porém, com uma diferença, as coisas de lá são mais gostosas. Pois bem, eu trouxe rapadura, farinha, requeijão, toucinho, jabá, os doces da tia, ginetes, petas e caí de boca em tudo, desembestadamente. Fui parar no hospital. Depois dos exames de sangue e de urina, o médico me falou que eu estava com o colesterol alto, me encaminhou para o endocrinologista, para o nutricionista e antes de sair, apontando o dedo para mim, aporrinhou-me recomendando evitar comer gordura. Não tive dúvidas, ao chegar a minha casa marquei a consulta nos dois especialistas e abri uma matrícula na academia, para a minha esposa. Não podia correr risco.
   Ia encerrar esta carta, como sempre faço, mandando-lhe um beijo, abreviando a palavra, porém, seria muitas consoantes, por isso vou me despedir no estilo bem baiano:
   - Opaió, eu fui.

D.E. (Depois de Escrito): meus textos no gotas agora serão postado as quartas as quatorze e trinta, por isso não se avexe não, vixe. Se apoquentar, eu deixo um dengo para tu, deste baiano que acha você uma escritora porreta.

                       Eder Ribeiro.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O medo da minha filha

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     Essa crônica era para falar sobre a violência em São Paulo. Sabemos que a culpa é nossa, isso mesmo, nossa. A partir do momento que compramos um CD ou DVD pirata, nós estamos de alguma forma financiando o tráfico. São pequenos atos como este que dá a dimensão do grande problema que ocorre em nossa sociedade... Não, não falarei sobre a violência, falarei sobre a não-violência. Nasci numa cidade do interior da Bahia onde havia pessoas de todos os níveis sociais, mas havia ali algo maravilhoso e valioso: humanidade. Todos se respeitavam, todos se cumprimentavam, os mais velhos, geralmente de chapéu, tinham o hábito de retirá-lo em cumprimento aos outros. A vida era desacelerada, o mundo era até onde os nossos passos alcançavam, e éramos, por incrível que pareça, felizes. Ali uns ajudavam aos outros, a humildade era regra.
     Quando eu era pequeno, a medida do meu mundo ia até onde meus olhos conseguiam alcançar. O meu limite de distância era o encontro do Rio São Francisco com as bordas do céu. Os meus medos eram todos frutos da minha imaginação. Sacis, cucas, bichões papões eram os vilões que se apresentavam como ameaças. Variedade de pássaros era trilha sonora no meu caminho, cercado por animais numa imensidão verde, eu aprendi que o respeito e o amor ao próximo eram o ato principal no cenário da vida.
     Quando eu era pequeno imaginei meus pais já velhinhos por mim sendo cuidados; minhas irmãs, todas casadas, floriam de sobrinhos nossa casa; eu teria uma linda esposa a me amar e de nossa união brotariam um casal de filhos. Sonhei isso num mundo cercado por verde, com sabiás, pintassilgos, canários, sofrês a tocarem sinfonias; animais a nos circundar enchendo de beleza o que seria uma vida de sonhos. Sonhei com minha família vivendo unida com outras famílias, sonhei todos vivendo em paz e respeitando as diferenças. E como sonhei isso...
     Hoje minha filha, com nove anos, tem a medida do mundo maior do que a minha, pois seus olhos conseguem enxergar devido a gama de informação, maior do que a minha quando eu era pequeno. Ela sabe que sacis, cucas e bichos papões são frutos da imaginação. Seus medos são mais reais e junto com ela eu também tenho medo. Ela tem medo da violência urbana que aflora pela cidade que ela nasceu.
   

                

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Campanha contra a homofobia




OU ENTÃO A FAVOR DA ANTROPOFAGIA.

ELES UM DIA DOMINARÃO O MUNDO,
POR ISSO, NÃO MATAM OS BAMBIS.
COMAM VIVOS!
ELES ADOOOOOOOOOOOORAM!

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Terceiro relato de uma viagem "sana" - a viagem

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   Ao voltar à Bahia não intenciono apenas encontrar os parentes vivos, mas também o meu avô, morto em dois mil e um. A sua história encontra-se gravada no chão de minha terra. Pisá-la, descalço ou com havaianas, mais do que me situar no espaço físico, situa-me intrinsecamente, pois ele sempre intentou me levar onde a felicidade estava sem da Bahia sair.

   Dizia ele que todo brasileiro é filho da Bahia, pois tudo começou com uma sacanagem entre portugueses, índias e negras nas praias de Porto Seguro. O fruto da miscelânea chamava-se preguiça, portanto, os primeiros a saírem da Bahia, cansados, pararam em Minas, conseguinte, os mineiros não passam de baianos cansados. Os que venceram a preguiça e seguiram em frente e pararam no Rio não são cariocas, mas baianos folgados, tomaram o morro para si e se acham reis. Os desvairados que chegaram a São Paulo e ficaram por lá não são paulista, mas baianos burros, escravos do trabalho, medem o tempo pelo dinheiro ganho, mas não pela hora vivida. Os que conseguiram chegar ao sul não são gaúchos, mas baianos "chibungos", passaram a apreciar linguiça no espeto, mais tarde, ora apreciam só a linguiça, ora o espeto. Enfim, os espertos atravessaram os pampas para se transformarem em baianos muambeiros, ricos, foram mais longe e chegaram a Miami para permanecerem muambeiros. Ele dizia isso com tanta convicção que tornava crível.

   Ao atravessar a fronteira de São Paulo com Minas me abateu uma preguiça, me fazendo perceber que perdera a minha burrice, adquirindo um cansaço lesado. Ainda bem que não estávamos indo para o sul. Ao chegarmos a Belo Horizonte, o ônibus foi para a revisão e abastecimento. Ele veio em direção ao motorista, calçado com havaianas, em passos lesos, com metade de um pão de queijo na mão, a outra metade na boca e um copo de café com leite na outra mão. Pela cor da sua roupa suja de graxa, ele só poderia ser o mecânico. Vai ter quer trocar de ônibus, este está fervendo. Disse isso apontando para o ônibus e cuspindo farelos de pão de queijo. Após quarenta minutos para a troca da bagagem, o outro ônibus partiu e quebrou quinhentos metros depois próximo a uma passarela. Havia soltado a mangueira do radiador esvaziando-o por completo. Todos fora do ônibus rindo à toa pela desdita viagem, menos uma das senhoras idosas e a sua filha também idosa, reclamando das quebras dos ônibus e pelo fato de ter quer trocar as bagagens. O motorista nervoso até as tampas pediu para elas entrarem no ônibus quebrado para não deixar as coisas piores do que estavam. Elas disseram em uníssono, pior só se chover. Um vento úmido, prenúncio de chuva varreu a rua. Porém só ficou nisso, a chuva não veio. Todos estavam com fome. Um homem postado em um ponto de ônibus segurava um queijo. Um dos passageiros perguntou quanto ele queria no redondo. Quem vai segurar o queijo, tchê, assim ele respondeu. O menino fanta se empolgou, mas foi contido pelo seu companheiro que o segurou pelo braço com firmeza.

   Apesar de estarem calçados com havaianas, os meus pés doíam muito devido a espera. Decorridos oitenta minutos, o outro ônibus não havia chegado. Uma balburdia provocada por três adolescentes me chamou a atenção. Elas "mangavam" de todos nós aos gritos. Ao chegarem ao meio da passarela desceram a calça jeans e em seguida a calcinha, mostrando as suas respectivas bundas (como todos sabem, a bunda das mineiras parece mais um pão de queijo rachado ao meio) sem perder tempo apontei o celular para capturar aquela cena insólita. Só deu para perceber a mão descendo quando o flash disparou, ao se encontrar com o meu ombro sabia de quem era a mão devido o seu peso. Pouco lhe importou dizer que a foto era para provar que os relatos sobre a viagem eram verídicos, a minha esposa simplesmente a apagou, apesar de não estar nítida, mal dava para identificar as duas bandas dos pães de queijo das periguetes, quanto mais o "ó do borogodó".     
   Devido às trocas de ônibus, a maioria das malas perdeu os tíquetes de identificação.  A senhora idosa juntamente com a sua filha idosa desembarcaram e não estava encontrando uma das malas. A outra que estava com ela era minha. Fui reclamar ao motorista e ele disse que teríamos de dizer uma peça de roupa que poderia ser encontrada na mala. Falei que havia o uniforme do time do São Paulo. O menino fanta calçado na sua havaiana rosa disse que também tinha um uniforme igual ao meu e se torcíamos pelo mesmo time, quem sabe jogávamos também no mesmo time. Minha esposa jogou-lhe um olhar fulminante, deste de derrubar qualquer concorrência, que o menino fanta perdeu o gás. O ônibus ia chegando ao fim da viagem e os passageiros que desciam no seu respectivo destino tinham que relatar a peça de vestuário ou o objeto que levava na mala para reavê-la.              
      O menino fanta discutia com outra passageira dizendo que a mala que ela dizia ser sua era dele. Novamente o motorista pediu que dissessem uma peça de roupa que havia na mala para certificar de quem era. Ela disse que tinha uma calcinha rosa, ele também; ela disse que tinha um fio dental branco, ele também; uma calcinha preta, vermelha, azul, ele também tinha todas essas cores, enfim ela disse que tinha uma calcinha roxa, ele também, porém, com a estampa do Rogério Ceni, goleiro do São Paulo na parte de trás da calcinha. Todos se entreolharam curiosos para saber o motivo da insólita estampa. Antes que alguém perguntasse, ele respondeu, pois no olhar de todos subentendia que havia a pergunta. Ora, tchê! Ele não é o melhor goleiro do país? Portanto ele tem que ficar no meio do gol para não deixar entrar as bolas. Dizendo isso o menino fanta abriu a mala e retirou a calcinha com a estampa, e pelo estado surrado da estampa do Rogério Ceni, ele havia evitado que muitas bolas passassem. 

   Enfim chegamos à Bahia. As duas malas da senhora idosa foram achadas e eram as únicas que tinha o tíquete de identificação.

   Quando cheguei ao meu destino final me desfiz das havaianas, pisei no chão quente e senti o meu avô próximo a mim dizer:
   - Vamos meu neto ao encontro da felicidade!
   Apesar de a viagem ter continuado, o relato termina aqui, sem antes dizer que o meu avô, mais uma vez, como sempre fez , cumpriu a sua palavra.

   Este texto não foi patrocinado pelas sandálias havaianas. Os relatos aqui narrados podem não parecer, mas são verídicos (?). As palavras e frases entre aspas pertencem ao Dicionário da Língua Portuguesa Baiana.

   Espero que tenha gostado da viagem.