Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Geografia

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  Quando ela tremulou, em forma de leque, todas as passagens, dizendo topa sem ser interrogativa, da mesma maneira que diria, Eu quero comer um pedaço de céu tendo as estrelas como sobremesa, já sabendo de antemão o sim, pois como eu sei que ela somente vai se for comigo, eu, aonde quer que vá, somente vou se for acompanhado pela família; serelepe, ela enfiou as passagens no bolso e me puxando pela mão disse, Vamos! Eu sem me atentar se o Cravo e a Rosa não nos acompanhava, lhe disse, Mas já vamos viajar? Ela respondeu, Não tolinho, as crianças cresceram, precisam de malas; não importa se o Cravo e a Rosa, crescidos, frutos dêem, para mim, os meus filhos nunca deixarão de ser botões; com pés pisados pelos paulistanos desvairados que acham que todos os espaços da cidade de São Paulo são seus e portanto devem ocupá-los, não obstante se para isso for preciso transpassar pelos outros, nós chegamos com as malas, ansiosos para pô-las na estrada, porém, antes disso, era necessário fazê-las; tentei colocar o livro de José Saramago, O evangelho segundo Jesus Cristo, para a leitura, mas ela me disse que aonde íamos, as histórias teriam de ser vivenciadas e não lidas, da mesma forma ela retirou as folhas para a escrita, dizendo-me que se houvesse alguma história a ser escrita, eu a significaria nas pétalas da Rosa, ou nas folhas do Cravo e se as mesmas não me bastasse, haveria a sua pele para eu deixar grafada com as minhas digitais; então ela colocou na mala o que tínhamos de melhor, não sei se foi muito, mas era o suficiente; e assim eu percebi e entendi que não precisava de régua e compasso, pois a minha geografia é traçada pelos passos que a família dá... Vem!
   
Os mesmos passos que me leva ao longe trar-me-ão de volta. Até mais.

Feliz Natal em comunhão familiar e um Ano Novo onde os valores cristãos sejam praticados por todos.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Educação sexual - Parte final

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   Rubicunda, ar glacial germânico, maneirismo europeizados, aparência militar no vestir, um corpo ligeiramente arredondado, e, principalmente, um par de coxa metricamente perfeita no diâmetro desde a junção dos joelhos até o vinco que a separa da bunda, como se tivesse sido projetado por da Vinci antes do seu feitio, a nova empregada, sisuda, me fez lembrar a minha professora de matemática, cujo rosto carregava dois aros de bicicleta que ela chamava de óculos. Batendo um dos pés no assoalho da sala de aula e com a palmatória na mão esquerda, ela perguntava quanto era dois mais dois. Respondendo que é quatro, ela avançava sobre as minhas mãos, dava dois bolos, ou seja, palmatoadas e dizia, são quatro energúmeno, como se a ortografia tornasse a matemática mais exata do que já era. Talvez seja por isso que durante muito tempo eu associei o canhoto ao diabo. 
   Não demorou muito para ela perder o ar glacial, o maneirismo europeu, desnudar do uniforme militar, mostrando o que trazia por baixo do mesmo, um vestido trapézio curto, florido, decotado e apesar do seu corpo arredondado, revelou uma simetria que eu nunca mais veria em outra mulher. Meus pés não precisaram ganhar asas para aproximar dela, quando dei por mim, estava envolvido pelo calor do seu corpo, sentindo os seus seios túmidos arder sobre o meu tórax. Minhas mãos foram levadas à sua bunda, depois conduzida até a sua cintura, desnudando-a de vez. Sem nenhuma peça íntima sob o vestido, sua pele abrasou minha concupiscência. Se eu pudesse parar o tempo naquele momento, eu poderia dizer que fui a pessoa mais feliz. Mas não podia. Irrompeu no ar a campainha estridente, anunciando que não estávamos mais sós.
   Perto dele eu me sentia como a formiga diante do elefante. Seus mais de dois metros de altura imperavam diante de qualquer pessoa. Seu corpo musculoso lhe dava uma dimensão maior do que ele tinha. Sua sobrancelha caída não lhe dava apenas uma aparência entristecedora, mas também, isto sim, ameaçadora. O que estava, ali na porta, diante de mim não era um ser humano, mas algo belígero pronto para aniquilar. Sua aparência nazista era demasiadamente letal.
   Para o baiano, todo baiano é rei, os outros são vassalos; para o alemão, todo alemão é deus, os outros são judeus. E foi assim, de judeuzinho, ao perguntar se sua esposa se encontrava que ele me chamou.
   Pudibunda, ela surgiu atrás de mim dentro do seu uniforme militar. Recatada, ela o beijou, primeiro na mão, depois no rosto, reverenciando-o humildemente. Nunca mais a tive como neste dia. No outro dia com hematomas pelo rosto, ela se demitiu. No dia anterior, ela se esquecera de colocar as peças íntimas ao acompanhar o marido à sua casa, e numa revista minuciosa, com exagerada minudência, ele sentiu cheiro de traição, literalmente, pois quando revistava usava o olfato, além do tato, também e tão bem. Eles não foram felizes para sempre.
   Eu poderia terminar a história aqui, com reticências, deixando no ar a probabilidade da felicidade do tarado infanto-juvenil envolto em coxas feminina. Mas não posso, a história continua.

   Está decidido. De hoje em diante eu só contratarei empregado doméstico. Assim minha mãe falou, dando ênfase ao “o” de empregado.
   Com aquele avental branco até o tornozelo, partido no meio até a altura da cintura, ele estava mais para médico ou enfermeiro, mas infelizmente ele era o novo empregado. O cheiro da comida era bom, salivava a boca. Eu me aproximei e percebi ele jogar o talher no chão, propositalmente, sem disfarçar a sua teatralidade; abaixou sem dobrar os joelhos, jogando o corpo para frente de costas para mim. Quando cada parte do avental foi para o lado, a tanga que ele estava usando mal dava para cobrir o risco, deixando à mostra uma boa parte do “o”. Tal a lagarta ao sair do casulo para se significar como borboleta batendo as asas, lucilando todas as suas cores e indo direto ao pistilo da flor para sugar o seu néctar, ele também tentou fazer isso se dirigindo a mim, mas antes me perguntou se eu não queria experimentar o seu “edi”, pois se assim fizesse, eu ia esquecer as coxas de todas as “mapoas”. Além disso, me chamou de “bofe” lindo e me pediu para despreocupar, pois a “mona” não estava coma a “tia”. Saí dali correndo e ouvindo-o dizer, “ainda aquendo este bofe”.
   Como já estava trabalhando, eu resolvi almoçar no restaurante frango frito próximo da minha casa. Degustei muitas coxas suculentas, a saber, de galinhas. Início de carreira, salário aquém das expectativas, o dinheiro não era o suficiente para a ceia. Eu fui obrigado, à noite, comer em casa...
   Toda a carne servida pelas empregadas domésticas, seja maminha ou coxas, peito ou lombo, pernil ou rabada, sem exceção, eram apetitosas; porém nenhuma delas superava o cozido do empregado doméstico, tanto é que além de comer a noite, eu passei a comê-lo no almoço, e para não levantar suspeita da família passei a ir à cozinha pela porta do fundo, e não havia parte do dia que eu não ia lá experimentar o seu dote culinário. Quantas saudades eu tenho do seu cozido.             
 

domingo, 5 de dezembro de 2010

Educação sexual - Parte II

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   Dor maior eu tive ainda menino queimado por água fervente. Nós tínhamos duas empregadas na época. Uma para os afazeres domésticos, a outra, a babá, para os cuidados. As duas com o mesmo nome, Vanjú. Porém com características completamente diferentes. Uma preta, a outra, a babá, branca. As lembranças de como a babá era são poucas, somente as suas longas pernas esquálidas sem o torneamento característico das pernas de uma mulher. Retilínea dos dedos dos pés até o último fio do cabelo, ela causava-me mais comiseração do que desejo. A outra, por ter uma constituição física africana, e uma psique baiana, ou seja, corpo sado-safo e maneiras também. Porém, com comedimento, provocava-me entontecimento constante. Era uma obra grega, feita por mãos gregas e eternizada por um dos deuses grego para admiração e delírio de todos nós mortais, mas que cabia somente a mim o prazer de tê-la, platonicamente, em meus olhos, apenas nos meus olhos. Talvez seja por isso que hoje eu não me lembro da outra, a branca. A beldade negra a sobrepujou. Certamente é devido a sua beleza que minha infância foi passada muito mais na cozinha do que em qualquer outro cômodo da casa.
   A água fervente. Sim, a água. Tínhamos um fogão com abas laterais, e eu sempre me escondia ali embaixo, atrás do botijão de gás, com ou sem conhecimento dela eu não sei. Meus olhos se perderam nas curvas de suas coxas, no roçar de uma na outra, elevando os meus olhos ao requebrar dos seus quadris, e cada banda da bunda soletrando a palavra de-se-jo, fez-me homem quando menino. Tudo nela era safo, tudo nela era afro, tudo nela era baiano, e somente o era plausível sexualmente. Apimentada, cálida, cremosa, estonteante; eu precisaria de um dicionário para que eu pudesse significá-la adjetivamente. Se houve alguém que significou a tara por coxas e empregadas doméstica em mim foi ela. Então, eu estava embaixo do fogão com abas laterais, atrás do botijão de gás, olhando suas belas coxas – durante muito tempo meu conhecimento de mundo se deu ali, admirando aquele par de coxas roliças e negras, e terminou neste dia. A água fervente. Sim, a água. Nunca mais eu vi o mundo do mesmo modo -, quando senti, entre as minhas pernas, um comichão, levantei assustado, bati a cabeça na aba lateral e a água fervente do café caiu um cima de mim. Os meus gritos de dor a desesperou, ela, nervosa, arrancou de uma vez o short que eu estava usando. Vi nos seus olhos culpa e medo. Ela ficou estupefata, não por estar o meu corpo em carne viva – ao desnudar-me, ela fez de uma forma tão abruta que a pele veio junto -, mas sim pelo comichão entre as minhas pernas ter sido fruto da concupiscência provocada por ela. Não sei se devido ao mensurável comichão, ou pela dimensão da concupiscência, agora dela também, ou ainda pela dor de consciência, afinal eu era uma criança, ela saiu correndo sem pedir ajuda. O remorso lhe roeu um pouco de pudor que ainda tinha, mas foi tarde demais. Por muitos anos a única troca que tínhamos era de olhares. Ironia do destino, até hoje trago comigo a marca da queimadura, na coxa.



... ai de mim, a história ainda continua, e nem queira saber o que me aguarda no final

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Educação sexual - Parte I

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   Quando a empregada doméstica da minha mãe pediu as contas, eu compreendi o seu desespero, pois, na cozinha, ela malmente sabia fazer o trivial; além disso, as dores na coluna não lhe permitiam muito esforço nos afazeres domésticos. Abateu-me um remorso desmesurado, pois eu fora o causador da demissão, sem ela saber.
   A franguinha cheirava a alho e cebola queimados em gordura reutilizada, o rosto símile ao abacaxi estuporava de acne, os dentes tinham a cor do maxixe maduro, os cabelos untuosos cheiravam a óleo de cozinha; mas – sempre tem um mas para justificar os nossos gostos, a visão paradoxal que temos do outro, e mesmo assim o desejarmos - , em compensação, tinha duas coxas roliças cor de canela, sedosas e sem nenhum penugem. Devia ser um ano ou dois mais nova do que eu, entre dezesseis e dezessetes anos. Apesar da baixa estatura, ela tinha as pernas longas, não tão desproporcionais ao corpo, e nem tampouco proporcionais. Amiudados olhos de cor inefável e inolvidável por trazer em si mistérios inextricáveis. Olhava sempre de soslaio, cabisbaixa, sem reparar em quem estivesse ao seu redor, como se não existisse, ou mais apropriado dizer, como se ela não existisse. Porém, o que mais excitável nela sobressaía era a sua timidez brejeira com ares de menina interiorana envelhecida sem deixar de perder o que lhe era imberbe. Devido a isso, eu não sentia os seus eflúvios característicos, permanecendo o cheiro de terra molhada, das flores orvalhadas pela madrugada, das frutas maduras ainda no pé, provocando concupiscência inaudita.
   Imbuído de um samaritanismo perverso, ou seja, ajudar com o intuito de tirar algum proveito, eu fui ajudá-la com a escada para a limpeza dos móveis nas partes altas. Sempre de vestido até os joelhos, alguns cinco dedos acima, como o que estava usando, ela subiu os degraus da escada, porém, por mais alta que fosse a escada, tinha-se a impressão de que não alcançaria os móveis em seu topo, por isso ela sempre esticava os braços para alcançá-los, assim o vestido subia tantos dedos mais, deixando à mostra o ninho e a coruja. Por mais cego que eu fosse – e era, pois usava lentes de correção -, meus olhos não deixariam de ser atingido por aquela obra michelangeliana, cuja feitura foi a quatro mãos, dele, o artista e de Deus. Minhas mãos, até então, segurando firmemente as pernas da escada, foi espetada pela agulha diabólica da tentação e se viu na obrigação de se ater as outras pernas, as dela; mais precisamente as coxas; as mãos como se fossem dotadas de asas voou, aninhando-se no ninho na tentativa de ouvir o pio da coruja. Seriam, com certeza, uivos de prazer.

   Meu pai sempre atendera os desejos da família, desde que os fossem dele também. Todo final de ano reuníamos parentes e aparentados para assar um porco no rolete e depois degustá-lo. Era uma cerimônia tribal, e cada um executava uma tarefa, a mim, de pouca idade, cabia a admiração de vê-los preparando, e, lógico, depois, comer. Minha mãe achou por bem que deveríamos, no outro ano, assar um bode, assim também desejou o meu pai. Bode comprado, antecipadamente, para a engorda, eu fui, talmente Dom Quixote, montá-lo para desbravar o mundo numa epopéia cavalariça, não para deleite de uma Dulcinéia qualquer, mas, sim, para o meu mesmo. Tal qual o herói do livro de Miguel de Cervantes em suas desventuras, eu estatelei no chão levando coices e chifradas. Na outra semana, o corpo ainda em dores, eu, juntamente com toda a família, comemos o bode.

   Pois bem, minhas mãos, até então, segurando firmemente as pernas da escada, serelepe, voou às coxas da empregada, e subiu diabolicamente às pastagens ainda virgens. Quando o seu pé voou em minha direção, não tive tempo de me desviar. O meu peito absorveu o impacto do seu coice. Caí com a escada sobre mim, e ela despencou sobre a escada. Não deu tempo de sentir a dor, pois, lestamente, ela se desvencilhou da escada e desferiu um chute entre as minhas pernas. Eu vi as constelações do céu, todos os astros e quantos mundos havidos e não havidos. Doeu-me mais do que as chifradas e coices do bode. Com uma única diferença, o bode eu comi.
   Não demorou uma semana para minha mãe contratar outra empregada. Eu ainda me virava com as dores.

... e a história continua