Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sexta-feira, 30 de março de 2012

Estou aprendendo a jogar dado

Quando há um inverno dentro de si, não importa qual a estação do ano que você está, o gelo impossibilita qualquer sensação de temperatura, a não ser o frio. O sofrimento foi me preenchendo de camadas gélidas para me proteger da dor, pois sabia que a caminhada seria longa, e retirou de mim qualquer possibilidade de sentir, esvaziando a minha alma. Sou um homem de um estado só, invernal.
   Não sei precisar quando Einstein disse, não tenho fé suficiente para ser ateu, pois Deus não joga dado. A minha fé fez crer que Deus jogou comigo desde o meu nascimento, não dados, mas xadrez. Sem me dar a possibilidade de aprender o jogo, a vitória seria uma ilusão, isso sim, aprendi muito cedo. Primeiro me tirou a torre, sem chão para fixar a minha raiz, perambulei de estado em estado carregando nas malas um estado de tristeza. Depois retirou o cavalo, sem poder me locomover, precisava da ajuda dos peões para seguir adiante, mas fiquei aquém ao perder, um a um, todos os peões. Quando perdi os bispos, percebi que nem a salvação pela fé eu teria. Nós não somos nada se não tivermos uma terra para sabermos de nossas raízes, pois só assim os frutos frutificarão. Perdi os meus pais, o meu país, os meus amigos, e o combustível para a sobrevivência, a minha fé. Porém, a minha esperança ainda estava segura nos olhos verdes água da minha rainha. O jogo só termina quando o rei não tiver mais nenhum lance para escapar do cerco do adversário. Quando a rainha foi tirada de mim, tirou- me, também, a esperança. Sem a dama, não me restou outra saída. Rendi-me ao adversário, estava em xeque. A Sua misericórdia não O permitiu dar o golpe final, o xeque-mate, essa foi a minha pior derrota, ter de lutar sem as outras peças. Enfim, estou aqui a lhes contar as minhas intempéries sobre um tabuleiro vazio. O rei está só.
   O vento sempre bate em minha porta, não lhe dou autorização para entrar, mas ele invade trazendo as lembranças de quando todas as peças estavam postas no tabuleiro. E da mesma forma que entrou sem pedir autorização, ele sai deixando em mim um deserto. Sinto a minha alma enterrada em sua areia.
   Eu precisava virar o jogo, mas não sabia, então, pintei de branco todas as casas pretas do tabuleiro e esbocei uma ilusão. Do amarelo fiz meu sol, do azul o meu céu, do marrom sementes de amêndoas, do verde o meu campo e assim comecei a viver, transportava para a tela todas as peças do jogo. Atingi uma satisfação, não a felicidade.
   Antes de iniciar essa escrita, eu havia pintado a minha última tela. Nela havia uma senhora de roxo com o rosto rosado a estender as mãos como me convidando para um jogo diferente. Muitos dirão, é a morte. Eu vos digo, é a vida. Estou aprendendo a jogar dado.

terça-feira, 27 de março de 2012

Uma breve historieta sobre uma vida chique


Não sonhei o castelo, mas nunca imaginei que o príncipe iria virar sapo. Eu tenho um apartamento de luxo e com cobertura, porém, a felicidade não se encontra onde moro, está perdida além da Avenida Higienópolis.
   Ouço a sua voz serpenteando no ar me chegar ininteligível trazendo um odor alcoólico e atropelando os versos da canção do Mick Jagger, "I can't get no satisfaction". Há muito tempo a satisfação se perdeu de nós, tanto em verso quanto em prosa. Ele a busca entre as pedras de gelo do seu uísque Old Glenfiddich safra mil e novecentos e cinquenta e cinco, como agora, dedilhando-as sobre a bebida, jogado na cadeira no hall de entrada, cutucando o meu tape Tabriz com o seu sapato de bico fino - quando o vejo calçado nesse sapato, vem-me à cabeça um desses pagodeiros que ao descer do morro para o asfalto, no primeiro sucesso musical do seu grupo, troca a sua regata Hering por um smoke, o seu chinelo havaianas pelo maldito sapato de bico fino preto com detalhes em branco, coloca um chapéu-coco e para completar o look deixa um cavanhaque símile aos traços de uma criança do ensino infantil em seu caderno de desenho. Então, para compor a imagem degradante que se tornou, ele desalinha o cabelo, debruça sobre o encosto da cadeira e com a voz embriagada me diz em um inglês aprendido ao assistir séries estadunidense, I love you very much. Em português não me soaria crível, porém, em inglês, ele é patético e risível. Eu não tenho mais satisfação, apenas tédio. Saio à rua, a Oscar Freire me dá muito mais que isso, nas vitrines de suas lojas eu encontro retalhos de felicidade.
   Frequentar o chá das cinco não me dá mais satisfação, sinto-me como uma protagonista de um filme de nouvelle vague, depois de decorridos quase duas horas, a falta de ação redunda em diálogos fúteis pretendendo ser filosóficos e cultos. O chá, realmente, só serve para me redimir da culpa de ser rica, pois, o riso fácil após cada doação para uma ONG ou instituição de caridade prova isso, o que nos falta nesses encontros são ações, levantar uma bandeira e causar. Os encontros não diferem do meu casamento.

   Recordar é se sentir como uma criança serelepe presa em uma cristaleira. Não se liberta, apenas se fere com os cacos. Nossos sonhos cabiam no fusca amarelo da sua mãe, hoje não cabem no porta luvas da minha Toyota. Quantas vezes ouvi o Elvis cantar no toca fitas do fusca a canção Love me tender, ou então me deleitei ouvindo Coltrane tocar Everytime we say goodbye, enquanto ele, ora ousando subir as suas mãos além das coxas, ora tentando desabotoar os ilhós da minha blusa, entrementes, eu tentava não me deixar levar pela canção para impedir o seu ímpeto. Era risível o medo que ele tinha de estacionar o fusca no estacionamento da universidade, receoso de sofrer discriminação social. Nunca soube se ele usava esse fato para permanecer mais tempo próximo de mim, pois ele estacionava o fusca longe do portão de entrada da universidade. Pelo caminho ele ia cantando Only you, chutando as tampinhas de refrigerante Crush e espalhando estrelas. Ele fazia do chão o meu céu.

    Em qualquer ângulo que o olhasse, agora, a imagem era disforme, pouco lembrava o príncipe do fusca amarelo. Desfeito na poltrona da sala de estar, lareira acessa em plena primavera, a fumaça do fondue evolando amarguras, o sempiterno copo de uísque tentando escapar dos seus dedos, a sonolência alcoólica não lhe permitindo perceber que Mick Jagger preenche o ambiente de poesia ao cantar Angie me fez perceber que ele me tirou os sonhos, o céu e o chão. E assim ele passa pelo tempo sem sentir a lenha se transformar em carvão e depois cinzas, o fondue esfriar tal pedras de tristezas, o copo lhe cair da mão, o peso da embriaguês lhe levar ao chão. Presto atenção na TV que estava também ligada, sintonizada em um canal pago e vejo Tiger Wood dá mais uma tacada perfeita, a bola foi direto para o buraco. Não saberia diferir ele dá bola de golfe, os dois tinham o mesmo destino.
   Nossas sensações sempre foram dilúvicas, hoje aguamos em mágoas, cada um em seu cômodo, incomodados com a situação, porém, para manter as aparências, navegando sobre um oceano de tristeza.

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Ouça I can't get no satisfacion AQUI

Ouça Love me tender AQUI

Ouça Everytime we say goodbye AQUI

Ouça Only you AQUI

Ouça Angie AQUI
  

sábado, 24 de março de 2012

Solitário-visão feminina


Sabes, eu não sei falar por palavras. Quando articulo, são pelos meus olhos que eu me expresso melhor. Agora, eles falam de tristezas, e sua fala é úmida. Tens-me como louca? Sabes a língua que meu corpo gesticula, se olhares, verás que no meu rosto as expressões são marcas de um português ruim. Sim, sei falar por várias línguas. Inglês, Alemão, Iídiche? Lógico, querido, falo todas as línguas, sei me comunicar, afinal, o meu corpo é um quadro-negro e a sala de aula é um belo quarto com roupa de cama escarlate. Não, tolo, não me venhas falar de giz. Sabes que a minha língua é um bom apagador. Ris? Achas professor? Sou eu que lhe ensino todas as matérias. Sim, principalmente sexologia. Pensas no amor como motriz do mundo, Santa inocência, o mundo é movido pelo sexo.

   Ao se olhar no espelho, a maquilagem estava borrada, delineando em seu rosto vírgulas umedecida pelas lágrimas. Vozes chamando a tirou do seu solilóquio. Ela refez a maquilagem, ajeitou o corpete e deu uma última olhada no espelho ajeitando o cabelo. Ao apagar a luz, na escuridão do quarto, olhou em direção ao espelho e se imaginou casada, casa com varanda e os pestinhas a pisar em flores tendo o cachorro os perseguindo. Por último ouviu o seu marido lhe sussurrar nos ouvidos, você é o motor da minha vida e o seu amor o combustível.
   As luzes que via agora eram diferentes, de várias cores e refletia nos copos e garrafas de bebidas o rosto de uma mulher bem maquilada escondendo as suas tristezas. Desnuda, ela se comunicaria por todas as línguas, cuja tradução redundaria em um único sentimento, solidão.

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terça-feira, 20 de março de 2012

A vida me ensina - I


Como tenho o hábito de ler no transporte público ao me dirigir para o trabalho e ao voltar para casa, hoje, dezesseis de março, uma sexta-feira, resolvi ler o livro de Paulo Coelho, Maktub.
   Maktub, que quer dizer "está escrito", é uma coletânea de textos (histórias, parábolas, crônicas) que foram publicadas diariamente em jornais entre 1993 e 1994. Baseado em histórias e fatos de diferentes culturas e partes do mundo, trata-se de um resumo da filosofia de vida de diversos povos, e não um livro de conselhos. É uma obra que oferece ao leitor a possibilidade de refletir e de se (re)encontrar consigo mesmo. - Texto da "orelha" do livro.
   Há algum tempo que pretendo escrever uma série que intitularia de "Coisas que me acontece", porém ao iniciar a leitura do livro no meio de transporte que me levava ao trabalho, ao descer do trem na estação de costume, cujo fluxo de passageiros é enorme, um fato me fez mudar o título da série.
   Tentarei aqui discorrer do meu dia-a-dia e de fatos passados e tirar lições dos mesmos. Fazendo assim, sei que o aprendizado será maior e fará com que eu me melhoro como pessoa e consiga a minha evolução espiritual. Vamos ao fato que me aconteceu a alguns minutos na estação de trem antes de começar esse texto.
   Uma estação antes de descer, fechei o livro e o guardei em minha mochila preparando para o desembarque. Como o fluxo entre descer e subir na estação que desembarco é enorme, uma fila indiana é formada dentro do trem. Ao abrir a porta para descida e entrada dos passageiros, a primeira pessoa na fila desceu tal qual um touro ao abrir a porteira do curral, um dos passageiros que estava esperando no lado esquerdo para subir foi atingido no ombro, o outro, que estava no lado direito, lestamente, levantou a perna na tentativa de derrubar quem estava descendo. Como eu era o terceiro da fila, fiquei de lado para dar passagem para quem estava entrando, e aí aconteceu o fato que me levou a mudar o nome da série para “A vida me ensina”. Cito-o. Todos que estavam entrando se afastaram para que eu passasse.
   Lição aprendida: a violência contra nós, às vezes é reflexo de nossas atitudes. Seja gentil. 

Trilhas sonoras da minha vida AQUI

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sábado, 17 de março de 2012

Persona non grata


Capítulo Final

   Os seus passos lentos dramatizavam mais ainda o nosso encontro. Ao se abaixar e se por de joelhos na minha frente, os seus olhos carregavam uma amabilidade que eu não escrevi. De todas as personagens que eu criei, ele foi o que mais sofreu fisicamente, teve sua fé abalada, porém, nunca desistiu da sua missão, espalhar o amor ao corações dos homens. Diante de mim se encontrava o meu alterego, o Padre do meu último conto.
   Não lhe perguntei se ele estava conseguindo o seu intento, mormente uma personagem ficcional não iria espalhar amor entre os homens se eles próprios não conseguiam espalhar entre si na vida real. O que ele estava fazendo ali e o que eu deveria fazer para sair daquele mundo eu não precisei perguntar. Ele foi direto.
   "Aos poucos, todas as personagens que criou, inexoravelmente, vem lhe visitar, não importa qual destino você as deu. Por ser seu alterego, o seu reflexo no espelho, aquele que você imaginava ser, mais do que qualquer um das suas personagens, sou o que mais habita os seus pensamentos. Da mesma forma que você, ao criar uma história, antes de escrevê-la, se transporta para esse mundo ficcional, vivenciando-o, colhendo informação para depois, por palavras, torná-la real, essa mesma realidade ficcional criou um mundo paralelo e o quer nele. Sua esposa e seus filhos estão nesse mundo, mas não o vive, por isso a mulher despida ao deitar em cima de seus filhos atravessou os seus corpos e não os percebeu. Da mesma forma aconteceu quando você foi fazer um carinho no rosto da sua esposa e sua mão passou no vazio. Tudo aqui é fruto da tua necessidade ao pensar. Sair desse mundo paralelo não é tão fácil assim, não basta você parar de pensar, o outro você, o real, esse sim, se parar de pensar, trará você de volta. Essa história esta acontecendo ao mesmo tempo em que você a escreve, tanto o seu consciente quanto o seu inconsciente cruzaram a mesma linha de pensamento e se confunde entre o real e o ficcional. Assim que o outro você colocar um fim nessa história, os dois mundo, ficcional e real se separam estabilizando a sua mente. Adeus".

                             Fim

   Encerrei o Windows e fui à janela, tudo havia voltado ao normal.  Abaixei para desligar o nobreak e percebi na madeira laminada do rack o reflexo de uma vela de sete dias bruxuleando. Não era dia santo. Ouvi os gritos da minha esposa vindo do nosso quarto, ao tentar levantar, duas mãos pressionaram os meus ombros fixando-me na cadeira. Uma dor gélida percorreu a minha coluna vertebral. Virei o meu rosto e me deparei com os seus olhos azuis transmitindo terror. Ficcional ou não, eu iria conhecer o que criei.

Capítulo I

Capítulo II

Capitulo III

Capítulo IV

Imagem MYRA LANDAU
                        
  

quarta-feira, 14 de março de 2012

Solitários-Visão masculina


   Solidão é uma palavra que não precisa ser escrita por extenso para significar o vazio.
   Os meus dias, houvesse o sol, me eram gris. A noite, prateada pela lua, imbuia em mim uma felicidade descomunal. Feliz, eu me embriagava em líquidos coloridos, o vermelho do Campari era o que mais me aprazia, talvez pela mistura do sabor adocicado representando a noite e o amargo o dia. Porém, ao término da noite ou da bebida sobrava o copo vazio, e eu, mais cheio de solidão pelas circunstâncias da vida, que qualquer explicação que possa dar não seria plausível, também permanecia vazio.
   O vazio diurno não era circunstancial, fazia parte da minha psique, à noite, terra de solitários, qualquer companhia era um intervalo para a solidão, pago com drinks. Das damas de companhia não sabia os nomes, minto, somente os sabia no momento de pagar a conta, pois a mesma acompanhava os seus respectivos nomes para serem esquecidos logo em seguida, pois as nossas identidades, nós as perdíamos, sem pudor, sob lençóis, um sobre o outro, dando vazão as nossas concupiscências; a minha originária pela cupidez carnal, as delas pela cupidez monetária.
   Nem toda fonte de luz é para nossa iluminação. As de néon, das boates noturnas do centro velho de São Paulo, por muito tempo permaneceu na minha juventude e início da vida adulta. Hoje, elas não passam de um reflexo apagado de um passado esquecido numa boate chamada solidão, habitada pelo vazio. E lá permaneceu.

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domingo, 11 de março de 2012

Persona non grata


Capítulo IV

   Pela fresta da porta do quarto das crianças saía uma luz fraca, mas suficiente para iluminar. Abri-a sorrateiramente e coloquei a metade da cabeça no ambiente, percorri todo o quarto com os olhos até encontrá-la sentada com o seu inseparável rosário, despida, de pernas cruzadas, mostrando a mancha escura entre as suas pernas conforme a criei. No chão do quarto, em volta da cama, estavam dispostas variedades de velas coloridas e aromática. Ela levantou, foi em direção a cama das crianças e uma cena inacreditável me surpreendeu. Neste momento pensei em minha esposa, ela poderia estar correndo riscos, ou a mesma cena que eu acabara de presenciar no quarto dos meus filhos poderia... Desfiz-me dos meus pensamentos e saí correndo para o nosso quarto. Não vi o marido dela na sala e dei pouca importância a isso. No entanto um fato me chamou a atenção. Não sei quantos dias havia passado, mas já era tempo suficiente para a vela de sete dias ter derretido, contudo, apesar da chama ser intensa, ela estava intacta.
   Quando cheguei no quarto, eu girei os olhos por todo o ambiente e não vi nada suspeito, estava tudo em seu lugar como eu deixara na última... Não sabia precisar qual foi a última vez que estive ali no meu mundo real... Como posso dizer isso, mundo real, se o que eu estava vivendo não era o meu mundo real?
   Aproximei da minha esposa e a cobri com o lençol... Estupefato, fiquei sem reação, a mesma cena presenciada por mim no quarto das crianças e protagonizada pela personagem feminina de uma das minhas histórias, agora, estava acontecendo com a minha esposa.
   Ajoelhado na cabeceira da cama, tentei acariciar o rosto da minha esposa e a minha mão passou no vazio. Não sabia onde buscar explicação para o que estava acontecendo. Fui tirado do meu estupor quando uma mão foi posta no meu ombro. Gelei de medo. Queria virar o rosto e não ver os olhos azuis do marido dela me encarando, porém, essa certeza eu não tinha. Da mesma forma que o medo pode levar à ação para a salvação, ele também pode paralisar. Não movi um músculo.


Imagem MYRA LANDAU

quarta-feira, 7 de março de 2012

Hoje, do lado de dentro da janela


   Hoje, acordei e fui logo ligando o computador do quarto para saber qual era o dia da semana e, também, a hora, pois, além de não ter calendário, usava o relógio do celular, porém, o mesmo estava com a bateria descarregada e eu havia esquecido o carregador no meu trabalho. Assim que sentei e liguei a CPU, ouvi um ruído - pah - vindo da sala. Assim que, instintamente, apóie a mão sobre o rack e, lestamente, dei o primeiro passo em direção ao ruído, fui surpreendido pelo desligamento das lâmpadas, então, freei o passo.
   O medo que levou o homem ao encontro dos deuses para livrá-lo das catástrofes naturais foi o mesmo que o levou ao encontro de Deus para livrá-lo das suas culpas, ou, então, para livrá-lo do medo de si mesmo. O medo que pode nos livrar do perigo nos impedindo de enfrentá-lo é o mesmo que pode nos paralisar e nos deixar à mercê desse mesmo perigo.
   Alguns dos meus amigos dizem que meu pai me deu coragem, penso que ele me deu muito mais pão e livros. Alguns dos meus conhecidos, achando saber muito mais que os amigos, dizem ser a minha mãe a pessoa que mais me deu coragem, penso que ela me deu arte e superproteção e devido a isso, muito mais medo. Porém, se nos guiarmos apenas pelos ensinamentos de nossos pais, nos paralisamos.
   Pah! Pah! Pah! Os três ruídos ininterruptos me fez esquecer quaisquer medo adquiridos ou quaisquer coragem ensinadas e me moveu à ação. Tateei pelo quarto a procura do presente de aniversário dado pelo meu filho na comemoração dos meus quarenta e nove anos. E o presente era apropriado para a ocasião, um taco de baseball.
   Meu filho havia me dito que o presente era para a minha segurança, no que a sua mãe replicou, uma bengala seria mais apropriada. Dardejei o meu olhar em sua direção e me desfiz do mesmo assim que vi o seu sorriso enquadrando o seu belo rosto, então respondi a sua ironia com um agrado, você já é a minha bengala.
   Muito mais do que o taco, realmente, era ela que estava faltando, pois se há um fio de coragem em mim, só a tenho com a sua presença.
   Enfim, achei o taco e, silenciosamente, tartaruguei em direção a sala. Dois vultos estendiam o que parecia ser uma lona preta sobre a mesa, enquanto outros vultos penduravam o que parecia ser correntes bem finas com um objeto redondo de tamanho médio em sua ponta. Pensei, um ambiente próprio para a tortura. Senti-me em um filme B de terror estadunidense, cujo ator negro ou latino é o primeiro a morrer, e nesse caso estava lenhando, pois, além de negro eu sou latino. Inopinadamente, um vulto entrou na sala, vindo da cozinha, empurrando o que parecia ser uma maca com um objeto símile a um caixão coberto com alumínio (?). Esqueci de relatar que semana passada eu havia feito um seguro de vida cuja beneficiária é minha esposa.
   Uma fresta de luz entrava pela porta da cozinha, pois foi a única que o vento não havia fechado, e para minha surpresa, a mãe dos meus dois filhos estava dando ordens para os meus assassínos. Quando ela disse para um deles dispor a faca o mais próximo da ponta da mesa por que ela queria cortar o primeiro pedaço, eu, deixando de lado o quanto amava, saí de onde estava, gritando, arremessando o taco para tudo que é direção e percebi os vultos correndo e se jogando no chão, ao mesmo tempo, ruídos símiles a tiros pipocavam na sala.
   Enfim se fez a luz, ou seja, ligaram as lâmpadas. No chão, amigos, familiares, conhecidos banhados de glacê, refrigerantes e salpicados por bexigas de aniversário estouradas. Quebrada entre os meus pés estava a vela de cinquenta anos. Por fim, a minha esposa, sem perder a pose, finalizou:
   - Não falei que uma bengala seria mais apropriada. Feliz aniversário, Nego.


Este post foi inspirado em um comentário da Maria feito ao post da minha amiga Myra.
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sábado, 3 de março de 2012

Persona non grata


Capítulo III

   A queda me parecia infinda e dava a impressão que eu não saía do lugar. Não havia densidade, volume e nem solidez onde eu me encontrava. Por fim, entrando numa região plasmática, o meu corpo foi freando e repentinamente despencou vertiginosamente. Quando eu senti o impacto do meu corpo contra algo sólido, a dor me fez perceber que a queda chegara ao fim.
   Aos poucos a nevoa densa que tomava conta do ambiente foi abaixando, e um lume bruxuleava em um dos cantos do lugar. Percebi um vulto picando algo sobre um tampo de vidro e ao término arrastá-lo com os dedos indicadores de uma das mãos para um folha posta na outra mão. Enrolou a folha com os dedos, passou a língua sobre a borda e a fechou. Ao encostar a ponta da folha no lume e levar a outra ponta à boca, percebi que era um cigarro. A fumaça expelida pela sua boca e narinas não escondeu o brilho dos seus olhos azuis. Eu não estava acreditando no que estava me acontecendo. O mesmo bufê com a vela de sete dias acessa, a mesma janela que eu havia pulado minutos antes. Eu tinha caído de volta em minha casa. O marido dela me mediu com os olhos e deslizou os seus dedos, maliciosamente, pelo cigarro. Porém, onde estava ela?
   Pela primeira vez eu sabia de onde eu os conhecia e isso me assustava, pois os dois eram personagens de uma das minhas história, portanto, não eram reais, contudo, a sensação que eu estava tendo extrapolava o imaginário. Eles estavam vivos, em carne e osso. Questionei-me se era possível as personagens, fruto do meu pensamento, ganhar vida própria e quais suas intenções. Conquanto, se eu havia matado-as, como elas estariam vivas, mesmo se fosse possível sair do mundo das ideias para o mundo real. Vingança, foi a resposta que dei a mim mesmo. Meus filhos, foi a pergunta que me fiz em seguida. 


Imagem MYRA LANDAU