Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Folhas

Prometi a mim mesmo nunca escrever sobre este fato, mas eu não tenho mais idade para guardar segredos, as folhas da vida estarão sempre sobrepostas para que alguém um dia as leia. Minha mãe guardou um segredo por trinta anos, e só foi descoberto devido à curiosidade do meu irmão. Remexendo o seu baú, ele descobriu uma certidão de casamento, e não era o nome do nosso pai que estava lá. Inquirida, ela rasgou a certidão e nos disse que a partir daquela data aquele assunto estava morto e enterrado. Passados trinta anos nunca mais o assunto veio à tona.

Desde que tomei o entendimento sobre a vida, sempre me lembro sentada no colo do tio Arthur*, e eu não era a única sobrinha que tinham este privilégio. A minha primeira jujuba eu mastiguei no seu colo, a minha primeira boneca foi dada por ele, lembro como se fosse hoje, ele apontando para a rua e me mostrando os primeiros pingos de chuva e o cheiro da terra molhada adentrando o meu nariz. Cresci vendo e sentindo a vida em seu colo.

Estávamos em 1973, outono, 25 de março, um dia normal como era todos os dias em uma cidade interiorana, eu estava com doze anos. Repentinamente, a cidade em peso se dirigiu para a casa do tio Arthur. Ele fora encontrado morto com as partes íntimas extirpadas e a cabeça degolada.

Um dia antes eu havia lhe visitado como sempre faço para lhe pedir a benção. Como não mais sentava em seu colo por ter crescido, eu estranhei quando ele pediu para que eu sentasse, recusei no mesmo instante, no entanto, ele partiu para cima de mim tentando rasgar o meu vestido, então eu lhe disse que era a sua sobrinha e todo o entendimento da vida foi ele que havia me passado e que o considerava como meu segundo pai. Ele caiu em prantos e me pedindo perdão ordenou que eu saísse. Fiquei sentada do outro lado da rua embaixo do pé de manga tentando entender o que se passara, quando eu vi o tio Pedro* entrar na casa do tio Arthur armado de um facão e acompanhado pelo seu cachorro. Não ouvi um grito de socorro, como se o tio Arthur aceitasse a sua morte como ela estava sendo executada. Quando o tio Arthur foi enterrado jogaram uma pá de cal sobre o ocorrido. Éramos uma família com muitos segredos.

Dez anos se passaram e como sempre fazemos nas reuniões familiares, as primas se fecharam em um quarto para dividir segredos. Paola*, em prantos, filha do tio Pedro, contou-nos o que se passara com ela e tio Arthur. Foi então que percebemos que as folhas de nossas vidas tinham a mesma história, com uma única exceção, a de Paola teve uma final diferente. Ela era três anos mais nova do que eu. Silentes, choramos sabendo que as lágrimas não apagariam o que estava escrito.

As feridas são muitas e nunca cicratizarão, porém, o que mais me doeu foi ter assistido a prima Paola murchar como uma flor no outono sem nunca ter tido a oportunidade da primavera.

Escrevo esta crônica tendo o sol na minha janela e a minha rosa amarela perdendo as suas pétalas, estamos em outono e levo sempre comigo a esperança que o sol possa nos iluminar.

*Nomes mudados.

+ em memória de Paola.


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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Sem papel

A identidade torna os nossos atos significáveis. Essa rua não é a minha, as casas nem número têm, não vejo portas e janelas, manequins de cera se passam por pessoas, a comida é de parafina, o cachorro não late por ser de pelúcia, até o seu osso é de isopor. Às vezes duvido que eu realmente existo, às vezes penso que eu sou uma personagem caída de uma história, dispensada pelo autor por não dar nenhum significado à trama, nem para coadjuvante eu sirvo. Agora, andando por linhas tortas, não acho o destino certo. Às vezes eu me pergunto quem é o autor dessa história - Deus, quem sabe? -, se ela é a minha história, se a personagem que eu interpreto não é uma representação de mim mesma ou se sou eu que não sei com qual personalidade me significar, conquanto se eu perdi a minha própria identidade. Se sou péssima como atriz, pior sou conduzindo a minha vida.

O líquido das garrafas vazias não preencheu o meu vazio, a fumaça do cigarro não dispersou e nem encobriu a solidão que trago, sem sol e sem lua, até o meu céu é de papel crepom, ainda não sei como consegue sustentar as estrelas de tampinha de garrafa de refrigerante. Tampouco sei criar raízes em meu chão, afinal, ele não passa de um tablado. Na minha vida só cabe um cenário, os das ilusões.

Péssima atriz, não tive a oportunidade de representar uma tragédia shakespeariana, coube-me os papéis pequenos, símile à vida real, eu passo pela superfície, pelo litoral sem me aprofundar, amedrontada em encontrar a vilã ao invés da heroína. Desço do palco e dou pouca importância aos apupos, no camarim me perco entre mim e minhas personagens, porém, eu me sinto em casa. Retiro a maquilagem para permanecer no mesmo papel. A minha vida se refugia nas personagens que eu represento, fora do papel, sinto falta de uma platéia. Solitária, sigo representando um papel sem jamais ter dado uma identidade a personagem. À vida real não tive palco, não entrei em cena, sobrevivo na coxia. Desço...


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quarta-feira, 20 de abril de 2011

Papiro

Amanheci sem inspiração, não tenho nada a dizer, nada a escrever, porém, o papel me pede que eu escreva sobre ele, escrita forte, como se o fosse sangrar e das suas linhas a tinta brotasse tatuando-o, assim o que nele estivesse escrito, com o passar dos anos, permanecesse por gerações.

Eu não vou escrever sobre as crianças mortas na escola municipal do Realengo no Rio de Janeiro, eu não vou escrever sobre as crianças que se entorpece na região da cracolândia no centro velho da cidade de São Paulo, eu não vou escrever sobre as crianças que se prostituem nas auto-estradas do norte-nordeste do Brasil, nem das que se prostituem nos grandes centros urbanos, eu não vou escrever sobre as crianças que são vendidas, doadas ou abandonadas pelos seus pais, eu não vou escrever sobre os recém-nascidos que são jogados em rios, largados em alguma porta ou deixado em um cesto de lixo, eu não vou escrever sobre as crianças que são escravizadas, nem das que pedem esmolas nos semáforos, eu não vou escrever sobre as crianças que são mortas pelos seus pais, nem das que são mortas, acidentalmente, por seus pais terem uma arma em casa. Eu não vou escrever sobre nenhum assunto, amanheci sem inspiração.

Ouço gemidos ao amassar o papel, gemidos de dor, eu sinto que estava tirando a chance das futuras crianças de serem felizes, não sei por que e nem como, mas estava. Desamasso o papel e tenho a sensação que ele tinha vida própria, ao abri-lo é ele quem me sorri e diz:

- Não escreva mais sobre as más ações, não há necessidade, vocês já as praticam bem. Escreva apenas isso, abre aspas, em letras maiúsculas, "FAÇA UMA BOA AÇÃO". Pronto, quem sabe assim as gerações futuras ao escrever lembrarão o que de melhor vocês tem capacidade de fazer e não a faz tão frequentemente hoje em dia, o bem.

E assim ficou escrito. Amem. Amém!

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domingo, 17 de abril de 2011

Domingo

Só, só sobrevive se souber suportar ser sozinho sem se sentir só. Eu não consigo, preciso de alguém para lhe dizer eu te amo. Ela não, por isso, para preencher a sua vida vazia, ela necessitava cuidar da vida dos outros, era o seu programa de Domingo. Domingo, dia de namoro na praça, pizza e abraços.

Hoje eu sou um acumulo de ontem, amanhã não sei, por isso, neste instante e para sempre serei hoje. Darei as mãos a um menor de vinte e um, beijarei a sua boca cercada por árvores e flores, farei da folhas lençóis e do chão cama, o fruto em minhas mãos não é proibido. Os olhares e comentários não me atingirão, os acúmulos de ontem não transformou a minha alma em maracujá, a polpa pode estar madura e por isso deliciosa, mas a casca é verde e lisa, eu preciso é viver o meu hoje. Domingo, dia de cinema, amasso no escurinho, pipoca, refrigerante, beijos aos suspiros, e no final da tarde churros com recheio de chocolate na esquina.

Ela me chegou com a língua ferina dizendo que eu não devia sair com menor de idade, pois eu poderia ser acusada de pedofilia. Não adiantou eu argumentar que o menor de idade que ela via comigo tinha dezenove anos e ele não mijava no penico, mas no vaso sanitário, não tomava leite, mas cerveja, não usava fraldas, mas cuecas e pelo volume, há muito tempo que tinha passado da fase infanto-juvenil. Ela continuou dizendo que mulher da minha idade deveria estar em casa assistindo o programa do Silvo Santos, ou então ouvindo as músicas do rei Roberto Carlos, fazendo tricô. Olhei para a figura e reparei que os acúmulos de ontem eram tantos que mesmo estando hoje, ela vivia o ontem. Agarrei-me ao braço do meu menino, e a deixei falando sozinha.

Domingo é dia de pedir pizza por telefone, fazer amor sob lençóis e sobre chão, esperar amanhecer para tomar café quente com a pizza gelada que sobrou sabendo que ele também amanhecerá ao seu lado. Os acúmulos de ontem não me prende ao passado. Eu quero é um bom programa de Domingo.


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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Sexta-feira

Enfim a sexta-feira chegou, apesar de trazer consigo o cansaço de todos os dias, eu vou às ruas para me deixar ser levado à mesa de um bar e entre bebidas me perder tomando todas as taças de alegria. Embebedarei da irresponsabilidade juvenil e me darei às drogas lícitas, ficarei com um desses adolescentes que sempre cabula as aulas de sexta de matemática para aprender sobre educação sexual à noite, e lhe professarei muito de culinária, afinal, é da idade, ele precisa se alimentar, porém, como a América está para lá do sul, quiçá, não será ele que me ensinará sobre cones, triângulos e círculos tendo a geometria do meu corpo como laboratório. Então brincaremos as brincadeiras de gente grande e nos entorpeceremos de prazer. Muitos dirão que tudo isso é fantasia de uma mulher de meia idade, porém, vocês não sabem, quando eu me dou é por inteira, e o meu mundo nada tem de virtual. Ou então, dirão que estou movida por alguma droga, porém, não esqueçam, hoje é sexta e o permitido é a felicidade, portanto, eu tomo é alegria...

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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Segunda-feira

Segunda-feira. Não há coisa pior do que se sentir com cara de segunda. Feira, fui a balada como quem vai a feira, não comi nenhuma fruta, não achei nenhuma verdura. Duro é, para uma mulher que se acha carne de primeira, sair da balada como se fosse de segunda. Sexta só alegria, estojo de maquilagem em uso, no guarda-roupa o melhor vestido para sair, salto alto para se montar e bolsa a tiracolo para dar condições de se libertar, assim eu fui para o abatedouro. Abatida voltei por não ter uma caça e nem sair com um caçador. Dor de sábado, na aba do domingo indo fui à segunda e cheguei remoendo fel. Papel de rascunho amarrotado após o uso, sem serventia no cesto, sexta, foi esse o papel que me coube, de rascunho, e pior de tudo, nem usada fui. Fui com cara de segunda.

Tomei meu banho sem olhar no espelho. O desprezo cria monstros, olheiras, cabelos brancos, varizes, espinhas, celulites e estrias. Passei o meu Dove despretensiosamente para não fazer uso das mãos. Lavei novamente o rosto e fui ao trabalho sem perceber que havia me esquecido de passar a maquilagem, nem o batom vermelho escarlate eu passei. Realmente estava com cara de segunda. Deixei o Picasso em casa e fui de transporte público. Não há inferno pior para uma mulher de meia idade do que não ser desejada. No metrô, nenhum olhar faminto masculino para mim, nenhum olhar invejoso feminino também. Porém, morar nos centros urbanos tem as suas vantagens, principalmente quando se passa por um canteiro de obra.

Eu não ouvi o martelo tilintar na cabeça do prego, o serrote sangrar a madeira, a britadeira misturar a massa e nem tampouco o bate estaca fincar o concreto armado no chão, porém, o assovio seguido da palavra gostosa entrou nos meus ouvidos levantando o meu ânimo. Olhei para a figura que havia ousado tanto e se não tivesse um pouco de pudor, eu teria me atirado aos seus braços sujos de cimento e misturado o meu Dolce e Gabbana ao suor do seu trabalho. Contudo, eu saí dali tomada pela felicidade. Esperarei, novamente, a sexta-alegria.

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sábado, 9 de abril de 2011

Comportamento

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'ESTE POST DO EDER JÁ ESTAVA PROGRAMADO, COMO O TEMA É ATUAL, RESOLVI, COM AUTORIZAÇÃO DELE, DEIXAR A POSTAGEM VIR A PÚBLICO. AGRADECEREI EM SEU NOME OS COMENTÁRIOS. SAMARYNA.'


   
   Qual de nós, sozinho, nunca teve um desses comportamentos: tirar a caca do nariz com os dedos, tirar a cera do ouvido com a tampa da caneta ou com a chave, coçar as partes íntimas? Você nunca fez isso?  Então, você não é humano.
   Não tenho paciência de ir de carro para o meu trabalho, posto que, ele fica mais tempo parado no trânsito, por isso, eu uso transporte público, o trem. Economizo tempo, dinheiro e colaboro com a natureza não poluindo.
   Como escritor, eu sou um grande observador de comportamento, e o trem é laboratório riquíssimo. Até hoje me pergunto o porquê das pessoas, ao descerem do trem, saírem correndo. Há o corredor elefante, sai em disparada atropelando todo mundo; o corredor cachorrinho, anda a passos lestos abrindo caminho entre as pessoas; o corredor costura, corre em ziguezague desviando das pessoas; e por último, o corredor esportista, uma estação antes da que vai descer, ele já está preparado, colado na porta de desembarque e desce correndo em disparada quando a mesma abre.
   Não tem jeito, se você tem um hábito, e de repente o muda, todos reparam, comenta, e alguns vão mais longe querendo saber o motivo da mudança.
   Eu sempre fui adepto da alimentação saudável, por isso, no meu trabalho, eu almoçava mais vegetal do que arroz, feijão e carne. Contudo, este ano resolvi radicalizar retirando o arroz e o feijão, diminuindo a quantidade de carne e alimentando mais de vegetal e trazendo de casa uma variedade de frutas. Pronto, foi prato cheio para comentários onde eu trabalho. Perguntaram se eu estava com alguma doença intestinal e me passaram a chamar de passarinho. E devido o fato de ser magro, se eu queria ficar invisível.      
   Toda empresa tem todo gênero de pessoa, na que eu trabalho não seria diferente. Um dos meus colegas de trabalho é homossexual, é uma pessoa legal para se conversar, pois não traz a arrogância masculina e nem a TPM feminina. Ao saber que eu estava almoçando frutas ele me saiu com essa:
   - À noite você também só come frutas?
   Espirituosamente lhe respondi:
   - Sim, e evito comer carne, principalmente se for de veado.
   Vai entender o comportamento humano.


quarta-feira, 6 de abril de 2011

Devassa


As meninas não concordarão comigo, certamente os meninos sim. Os homens preferem as loiras, quando estão com uns graus a mais, eles procuram uma devassa, e nisso as meninas vão concordar, as loiras são mais devassas. Sei disso por ser ambas.

Nasci Maria, ao me tornar mulher nunca mais rezei uma ave. Ave implume, esforcei-me para alçar voos maiores e me tornar madalena. Não precisei de muito esforço para conseguir. Podem atirar a primeira pedra, de maria e madalena todas nós temos um pouco, e cá pra nós, tanto meninas e meninos sabem que somos ambas, sem exercer a profissão, tanto de santa quanto de puta, pois entre quatro paredes perdemos o manto e deixamos de ser maria. Em se tratando de sexo, eu não dou meu corpo à cruz para satisfazer a qualquer moralismo. Em mim ninguém põe cravos, não nasci para ser santificada, não valeria o sacrifício.

Adoro homens invasores, geólogos, como gosto de chamá-los, exploram as mais profundas cavernas em busca de tesouros. Detesto os matemáticos, calculam cada passo que dá, são muito previsíveis. Adoro homens brutos, excita-me assistir uma quebra de braços, uma luta de boxe. A mansuetude não se pode levar à cama.

Ele abriu a porta da geladeira, pegou uma Brahma e a abriu com a boca, meu deus, eu fiquei imaginando o que ele faria com aquela boca, todos os pelos do meu corpo ouriçaram. Ele simplesmente me tomou do meu namorado e invadiu a minha casa, seria nossa primeira noite. Quando ele terminou de beber a cerveja vasculhou a geladeira em busca de alguma coisa. Gelei quando ele vestiu sua camisa de seda e virando-se para mim disse:

- Meu bem, vou atrás de uma Devassa.

Não acreditei no que estava ouvindo. Ele saiu, nem bruto foi, pois fechou a porta suavemente. Desnuda, corri à janela e apontando para as minhas partes íntimas, eu lhe disse:

- Você tinha uma loira devassa e quente e vai atrás de uma gelada. Seu gay de merda.

Teria derramando toda a Brahma sobre o meu corpo para apagar o meu fogo, não foi necessário, ele deixou uma Antártida dentro de mim.