Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quinta-feira, 31 de maio de 2012

A vida me ensina III


Diferente da minha mãe que tinha o hábito de guardar qualquer coisa que lhe remetesse ao passado, eu me desfazia de tudo para não lembrar quem eu fora.
    Sabedora disso, eu estranhei quando ela me deu uma camisa que eu usei quando tinha, aproximadamente, doze anos. Nessa época eu estava com trinta e três anos. A camisa, devido ao seu zelo, parecia não ter sofrido com a passagem do tempo, estava impecável, o mesmo não poderia dizer de mim. Não lhe perguntei o motivo de estar me dando o souvenir, porém, as lágrimas derramadas por ela deveriam ter algum, contudo, não lhe perguntei. Eu estava me casando, não sei se para ela, saindo de casa.
   Os pais sabem, quando os filhos casam, os vão perdendo aos poucos, não para os respectivos maridos e esposas, mas para a nova família que se estar formando. Mal sabem dos ganhos que terão.
   Anos mais tarde, revolvendo o meu "baú", percebi que além da camisa que ela havia me dado, também havia trazido duas figas esculpidas em um galho de arruda presenteadas pelo meu avô e um copo de alumínio com o meu nome gravado. Dos meus sete irmãos, apenas dois não ganharam os copos de alumínio, e destes, apenas eu permanecia com o meu. Em dois mil e doze o copo completará doze anos, a camisa, aproximadamente, trinta e sete anos, as figas quatorze anos. Nunca me interroguei por que os guardo, mas sei que eles me fazem lembrar das pessoas que mais amo. A camisa, a minha mãe; o copo, além de lembrar o meu pai, também lembra a criança que eu fora e deixei se perder nesse labirinto insensível que é a capital paulista; as figas, o meu adorável avô. Hoje, eu percebo que as duas figas é a eternização de suas mãos, a me guiar, e somente ele, o meu avô, sabe o quanto ainda preciso delas. O copo ainda uso para matar a minha sede, contudo, ainda não cedi à criança que perdida tem sede de mim. A camisa, há muito tempo, não me cabe, no entanto, a necessidade de vesti-la me angustia, pois ela me diz a roupagem que eu deveria ter, a bondade personalizada em minha mãe. Essa é a minha dor, ela não me veste por em mim não caber.
   Lição: preciso me tornar pequeno, pois a maior grandeza é a humildade, e é ela que matará a sede da minha criança e me tornará cabível na camisa.


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domingo, 13 de maio de 2012

A vida me ensina II


   Se fôssemos retroceder no tempo para acharmos o fio da meada que deu início a nossa vida, nos deteríamos na primeira lembrança.
   Não sei precisar a minha idade nessa época, deveria ter entre três e quatro anos, porém, recordo muito bem a minha mãe me levar para as suas aulas de francês e latim. Já adulto, eu lhe perguntei por que ela me levava, então, ela me disse que sempre gostou da minha companhia e fez disso uma constância em sua vida, sendo mais minha companheira do que eu dela.
   Ela estava lá quando consegui o meu primeiro emprego; quando ao mudarmos de bairro me levou ao ponto de ônibus pela primeira vez; quando perdi o meu primeiro amor, ao invés de enxugar as minhas lágrimas, foi atrás desse amor ao meu pedido e o trouxe para eu perdê-lo em seguida e depois ofereceu o seu colo para eu afogar as minhas tristezas; quando eu casei, com afinco e dedicações, bordou o vestido da minha noiva, apesar da idade avançada. Se eu fosse descrever todos os nossos momentos, a história seria infindável, por isso, descreverei um momento significante para nós dois.
   Morando em Brasília, meu pai, empresário do ramo de panificação, faliu. Com seis bocas para alimentar, as três filhas mais novas foram morar com familiares na Bahia, as outras duas filhas juntamente comigo os seguiram para São Paulo. Passando necessidades, sem nunca ter trabalhado na vida, minha mãe teve que retirar a velha máquina de costura Singer, herança de família, do baú. Ela tinha quarenta e um anos e eu quatorze. Foram dias e noites debruçados sobre a máquina, costurando e bordando vestidos de noiva tendo a mim do seu lado para dar acabamento aos vestidos.
   Após sacrifícios, com suas economias, ela comprou uma máquina industrial. Máquina comprada, ela teria de se adaptar. Uma de suas amigas prontificou de ensiná-las, e todas as tardes ela ia para sua casa me levando a tiracolo.
   Para bordar na máquina manual é necessário pedalá-la, esticar o tecido entre dois bastidores - aros de madeira com diâmetros diferentes, um maior do que o outro - e manejá-los em todas as direções de acordo com o desenho para que o tecido seja preenchido pela linha de bordar. Na máquina industrial, o tecido tem de ser esticado com as duas mãos e movido para frente, enquanto uma alavanca é acionada com o joelho direito para mover a agulha da direita para a esquerda e o pé esquerdo aciona o pedal de velocidade. Nesse processo o desenho é preenchido pela linha de bordar. Noites a fio, minha mãe tentou operar a máquina industrial sem sucesso e desistiu após uma agulha quebrar em seu dedo. Presenciando a sua dor, eu resolvi agir e após ela subir para o descanso eu passava a madrugada na tentativa de operar a máquina. Não sei precisar das quais tentativas eu consegui, quando dei por mim, eu havia bordado uma rosa com seus ramos e folhas e absorto ao meu sucesso, não percebi que ela, abraçada a mim, chorava. E assim, durantes anos, eu a ajudava, bordando e entregando os vestidos de noivas na Rua São Caetano, pois trabalhava próximo a essa rua no centro velho de São Paulo. Seu atelier cresceu e outras máquinas foram compradas. Hoje, aos setenta e seis anos, ela borda pouco, participa de uma cooperativa de artesanato. Morando no interior e eu na capital, falamos constantemente ao telefone e ao término das ligações eu percebo a sua voz embargada. Não queria lhe perguntar o motivo por já saber qual seria a sua resposta, mas fiz a pergunta. Sinto falta da sua companhia, disse-me.
   Lição: Não importa, quaisquer que sejam os relacionamentos, se não houver uma troca mútua, não perdura.

   Trilha sonora da minha vida. Essa música minha mãe sempre cantou para mim, em todas as fases da minha vida, até hoje. Clique AQUI e ouça.

Imagem de arquivo pessoal

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Gênesis, segundo Eder Ribeiro


     Na vida como na morte a mentira e a verdade são ligadas por uma linha imaginária, que dependendo da tua crença faz você pender, ou, então mais precisamente, usando a palavra certa, crer em uma ou na outra, assim o que parece ser uma mentira pode ser verdade e vice-versa. Sabendo disso de antemão, é sabido, havido e tido que o homem descende do barro, ou seja, foi forjado no barro. Crido, o mito se tornou verdade, mas há aqueles que crêem que o homem evolui do macaco. Caído do galho o macaco se atolou na lama e em passos curtos se transformou em homem. Desmancha-se o barro para a ciência criar o seu mito. Mas permanece uma interrogação: e o macaco de que foi feito? Como todo ser vivente que habita a terra, o macaco foi feito do barro, portanto entre o homem e o macaco a única semelhança é a do material utilizado para sua forja, com um pequeno detalhe, de todos os habitantes da terra, apenas, isso mesmo, apenas o homem teve seu feitio de um barro diferente.
     Se você que me ler conseguir desvestir de suas crenças, desfazer dos dogmas incrustados em seu subconsciente, destrancar os cadeados das correntes que o prende a sua fé, seja ela qual for, continue a leitura, se não, pare por aqui. Foi preciso enfiar a mão na massa, melhor dizendo, no barro para em linhas tortas o verbo vir à luz.
     Estamos no sexto dia da criação, o chão como o céu, o sol como a lua, as estrelas como todos os astros, enfim, o universo como o conhecemos tinha sido criado do mesmo barro. O Oleiro com as mãos sujas e ressecadas descansava do trabalho árduo, e, se assim permanecesse, teria percebido o quanto de perfeição havia na sua criação. Os animais saltitando por entre plantas frondosas, os pássaros a se enamorarem no ar, os peixes a darem cambalhotas nos rios e mares. O mundo estava encharcado da essência divina. Desperto, o Oleiro percebeu que precisava criar o Ser para preservar e cuidar do seu mundo, mas para isso havia a necessidade de que ele fosse feito de outro barro, diferente do que havia utilizado para dar vida a tudo que existia até aquele momento, e que sua alma fosse feita da lama Onamusanatas retirada de todos os seres vivos existente, assim o Ser feito a sua semelhança e a semelhança de tudo que até aquele momento existia, seria amante e preservador do que havia entre o céu e a terra. Mas o Oleiro não percebeu que quando ele retirava a lama Onamusanatas ela era retirada com dor, e tudo que assim é feito vem acompanhado da maldade, motivo de todos os males. O Oleiro com o barro diferente em mãos o amassou até ele tomar consistência e ficar homogêneo. Após muito suor e esforço ele conseguiu moldar o Ser como ele havia imaginado, à sua semelhança. Agora com a lama Onamusanatas ele ia dar vida ao Ser à semelhança de tudo existido. Começou passando a lama abaixo da testa, do lado esquerdo e depois do lado direito, fez-se os olhos. O Ser ficou maravilhado diante de tanta beleza. A lama Onamusanatas agora foi passada nas laterais da sua cabeça, fez-se os ouvido e o Ser maravilhou-se com a sinfonia dos pássaros. A lama foi passada abaixo dos olhos, fez-se o nariz e ele sentiu o frescor das marés. Passou-a agora abaixo do nariz, fez-se a boca e o Ser disse suas primeiras palavras: “Isso aqui será meu, por ter a essência divina, Deus sou, e tudo que é dele meu é”. Aquelas palavras assustaram o Oleiro, e ele não injetou a lama Onamusanatas no penduricalho que havia entre as pernas do Ser para que ele não pudesse frutificar, apenas a enfiou no lado oposto com o dedo médio de tal forma que o Ser gritou de dor. E assim com todas as coisas colocadas no seu devido lugar o Ser foi criado. Após o feito, o Oleiro percebeu que o feitio, ou seja, o Ser havia recebido a lama da dor, assim sendo, a lama da maldade, ao contrario do que ele pensava, a lama da bondade. Por isso o que seria o Ser Onamusanatas, o Ser do bem que seria amante e preservador do que havia entre o céu e a terra, passou a ser o seu contrário. Estava criado o Satanasumano.
     Se o Oleiro tivesse destruído o Ser o mundo estaria em perfeita harmonia com toda a essência divina e por si só livre de qualquer maldade, mas como só existia o bem nas atitudes do Oleiro, nada haveria de movê-lo em sentido contrário. Por isso ele voltou para os braços do divino e teve o seu descanso eterno. Como o Diabo perscruta por detrás das portas e está sempre aposto para interferir, não tendo descanso em dias úteis, santos ou feriados, apesar de que alguns acham que ele só trabalha no feriado de carnaval, em bailes funks e em raves, e como o dito cujo não tinha conhecimento de feriado porque no começo do mundo todos os dias eram úteis por serem dias divinos; não havia dias santos por santo ainda não haver porque o único humano para santificar era o Ser e ele estava mais para o demônio do que para santo; e como bailes funks e raves não havia porque a mulher não tinha sido inventada, o Diabo veio para modificar o Ser.
     Satanasumano estava triste por solitário ser, e todo ser solitário deixa a mente aberta para o Diabo entrar. Estava triste, também, por função nenhuma ter o que ele carregava por entre as pernas, o seu penduricalho. Estamos no sétimo dia da criação, e  o Oleiro descansava tal qual baianos em todos os dias da semana, ou cariocas em todos os dias do ano, enquanto o Diabo trabalhava tal qual os paulistas. E não é à-toa que hoje São Paulo é o inferno que é. Posto isto apenas para criar polêmica, e desagradar a paulistas, cariocas, baianos e troianos, volto ao enredo original. Como a palavra “ser” pode ser tanto masculina como feminina, o Ser a partir de agora será chamado Adão.
     O Diabo chegou até Adão e lhe propôs a criação de um Ser feminino, que chamaremos de Eva, prometendo que ela daria uso ao seu penduricalho e que ele injetaria a lama Onamusanatas pelo mesmo para assim frutificarem. Adão quis saber o que  ele quereria em troca, e o Diabo lhe respondeu que quereria que ele frutificasse, pois os seus descendentes fariam o seu trabalho, no caso o do Diabo, ameno, assim ele, o Diabo, descansaria para sempre tal qual o Oleiro. Proposta aceita, o Diabo pôs a lama Onamusanatas na boca e a soprou pelo penduricalho de Adão e depois a sugou, e ficaria assim até o fim dos dias para prazer dos dois, se o Diabo não tivesse de inventar a mulher para melhor uso Adão dar ao seu penduricalho. Após várias injeções e sugações o penduricalho de Adão, erectus, soltou de volta a lama, fez-se a semínula. O Diabo, usando do mesmo barro que Adão foi feito, fez a mulher à semelhança de Adão, e a fez de uma forma tão grotesca. Mas afinal o Diabo é um excelente artesão das almas e não do corpo, pois a expressão “ela está com o diabo no corpo” advém deste fato.  O Diabo usando do resto da lama Onamusanatas fez olhos, ouvidos, nariz e boca ao mesmo tempo, para tempo não perder. Assim que a boca de Eva foi feita ela bateu com a língua nos dentes e deitou a falar criticando a obra do Diabo, ou seja, ela própria. Desse jeito vou ter que fazer o diabo para atrair Adão, vou ter que fazer mundos e fundos sem ter fundo e o mundo já havia sido criado tão perfeito que eu perto do mundo estou mais é no fundo do poço, e blá-blá-blá-blá. Assim falou Eva que o Diabo não agüentou e deu no pé deixando para Adão finalizar a obra. E Eva falou tanto durante tantos dias que Adão pensou em dar fim na língua dela, mas achou por bem não por achar que aquele órgão teria alguma utilidade além da fala. Eva perturbou tanto o espírito de Adão ao ponto dele não aguentar mais e por os adereços que ela tanto pedia. Primeiro ele pôs dois montes na altura do tórax, fez-se os seios; depois dois montes abaixo da última vértebra, fez-se a bunda. E por último lhe abriu uma fenda por entre as pernas. Terminado, Eva vira para Adão e lhe diz que lhe faltava algo. Adão intrigado, achando que estava perfeito, pergunta o que era. Um espelho, respondeu Eva.
     Deus, percebendo que isto não terminaria bem, desceu e apontado para Eva, falou para Adão: “Não coma deste fruto, pois será a sua perdição”. Adão assim obedeceu e por um longo tempo  viveu em completa harmonia com Eva. Como o Diabo pode vir de várias formas, veio, por entre as pernas de Adão, disfarçado de cobra. E dia após dia a cobra lhe atentou tanto que Adão sucumbiu ao pecado. Assim Adão e Eva espalharam a lama, fruto da dor e motivo para toda a maldade, por toda a sua descendência, e cabe a nós limparmos esta lama  para nos purificarmos, pois o barro que Adão e Eva foram feitos foi dado por Deus ao Oleiro, e se somos à semelhança de Deus por fora, cabe a nós sermos também por dentro.

Texto de 2008 

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domingo, 6 de maio de 2012

Rejeição


        Parte Final

   Ao colocar os pés na sala, percebi que os meus passos não seriam os mesmos por eu, também, não ser mais o mesmo. Foi aí que percebi que tudo era falso, aquela casa, melhor dizendo, aquele lar foi a maneira de me esconder, de não enfrentar a minha condição homossexual, de aceitar a condição heterossexual que a minha família queria para mim, que a sociedade, consciente ou inconsciente, exigia de mim.
   O seu abraço mudara de significado, o seu beijo não tinha mais o mesmo apelo, a voz, antes melíflua, agora se tornou acre e irritante. Tudo se tornou rotineiro, a sua disposição de desfazer o nó da gravata enquanto me falava do último livro do Paulo Coelho e dos ensinamentos que aprendera; de me assistir tomando banho enquanto comia a fruta da época dizendo dos benefícios que ela fazia ao assistir a reportagem no programa Fantástico, da Rede Globo; de se colocar na mesa com um sorriso outrora cativante e, no entanto, agora, me parecendo de desespero; da sua disposição de fazer tudo que eu peço, como me servir o uísque sem gelo, enquanto discutíamos sobre o último filme de Wood Allen. Foi aí que a ficha caiu, tanto para mim, quanto para ela, pois caía no lugar comum. Já não mais concordava com o que ela pensava ou dizia e comecei a tecer críticas sobre todos os livros do Paulo Coelho, dizendo que a leitura, tal qual o nó da gravata, somente nos sufocava sem nos trazer nenhum benefício; do fato de se deixar levar pelas reportagens do Fantástico seguindo o modismo para esquecê-lo na semana seguinte até que outra reportagem fosse apresentada; critiquei todos os filmes assistidos por ela, gostando ou não, principalmente os de Woody Allen, lhe dizendo que eram enfadonhos e lentos, não passavam de dramas familiares, comum a todas as pessoas, e não precisávamos ir ao cinema para sabermos disso, se assistíamos era para parecermos cultos.
   Como sempre fazia, ela achava que as nossas discussões poderiam ser esquecidas na cama após uma noite de sexo, interpretando papéis que não condizia a nossa psique, porém, ela dizia, estamos representando um papel, seja mais Michael Douglas que eu serei a sua Sharon Stone e faremos dessa noite uma atração fatal, tal qual no filme. O que ela não percebia era que eu preferiria continuar no dilema a La Woody Allen, apesar de saber que não levaria a lugar nenhum. Após várias tentativas sexuais cinematográficas frustradas, enfadado, levantei da cama e fui para a varanda fumar o meu cigarro. Ela, nua, acompanhou-me e me abraçou por trás massageando os meus mamilos apertando o seu sexo nas minhas nádegas. Estático, continuei fumando o meu cigarro, contudo, ela queria ação. Não demorou muito para ela descer as mãos à procura do meu sexo. Não achou. Ela perdeu toda a sua classe, toda a sua misancene. Vi-me num dramalhão novelesco mexicano. Quando ela terminou com os gritos e os tapas, não havia mais espaço para mim.  Saí de cena e voltei para casa dos meus pais.
   Gay? Meu filho é gay. Meu Deus, o que minhas amigas vão dizer agora, gay! Como elas me olharão agora. Gay, não acredito. Meu Deus, onde foi que eu errei. Filho, isso não é verdade. Gay?
   Esperei minha mãe terminar de falar, pois se eu a interrompesse, ela diria a palavra gay mais quinze vezes para se convencer que era verdade e estenderia a conversa para me convencer do contrário. Quando terminou, abraçou-me chorosa e como sentenciasse o que viria a me acontecer, disse-me, você vai sofrer tanto. Fomos abraçados até a sala, as minhas malas estavam prontas próximas ao sofá. O meu pai, no pé da escada, se encaminhou à porta e a abriu. Algumas gotas de chuva ainda caíam do céu, minha mãe intentou pegar um guarda-chuva e eu não permiti apertando as suas mãos, ela entendeu o meu gesto como um pedido de socorro. Impotente, ela não conseguiria demover meu pai de sua decisão, então, encostou a sua cabeça em meu ombro e ciciou, perdoa-me. Não sei dizer se aquele pedido de perdão era por não ter forças de lutar contra o meu pai e interceder ao meu favor demovendo-o da ideia de me expulsar de casa, ou, então, por não saber lutar contra o seu preconceito, pois ainda não aceitava a minha condição sexual.
   Meu pai a arrancou de mim e sem demonstrar nenhum sentimento, a não ser repulsão, disse-me que não ia me proibir de visitá-la, desde que não fosse no horário que ele estivesse em casa. Ele subiu as escadas arrastando minha mãe e quando estava no penúltimo degrau o chamei. Reteve-se sem olhar para trás esperando que eu falasse.
   Houve dois momentos da minha vida que você me agrediu, um foi ainda criança quando me colocou de castigo ajoelhado sobre caroços de milho, açoitando as minhas costas com o seu cinto e dizendo que suas mãos eram guiadas por Deus, pois só assim eu voltaria para o caminho certo. Que caminho é esse pai, onde a rejeição e o ódio imperam, onde a condição, seja ela social, de cor e de sexo é primordial para se amar o próximo? Pai, você não entende que pouco importa o caminho, mas sim, o amor que você planta na caminhada, pois nenhum caminho será o certo se houver qualquer tipo de rejeição.
   Espere, ainda não terminei. A outra agressão você fez agora ao me expulsar de casa. Quero que você saiba que a paternidade não é uma condição, mas um dom divino, e somente aqueles que conhecem, sabe o verdadeiro significado da palavra amor. Não compreendo a tua recusa em me querer como filho, mas quero que você saiba que ainda lhe tenho como pai, sabe por que, você soube me ensinar a amar, levarei e guardarei comigo esse momentos de amor que passamos juntos até aqui. Apesar de você não pedir perdão pelo que está fazendo, eu lhe perdoou. Amo vocês.
   Ao sair de casa, o arco-íris pincelava o céu com suas cores forte. Eu vi nele o sorriso de Deus. 

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quarta-feira, 2 de maio de 2012

Rejeição


        Parte I
    
  
   O frio metálico dentro do ônibus não me atingia. Sinceramente, eu era indiferente a indiferença, talmente o camaleão, adaptava-me ao ambiente em que me encontrava sem demonstrar o meu processo de mutação. Por isso, quando ele tocou em minhas mãos, no primeiro instante, impulsivamente, e depois, insuflado pela rejeição, eu pensei em retraí-las do encosto do assento e colocá-las na barra superior do ônibus, própria para o equilibro de todos os passageiros. Não fiz. O calor nas palmas de suas mãos entrou pelos poros das minhas e atingiu um ponto em que somos despertados para a libido. O correto era ter me perguntado o que estava me acontecendo. Não fiz isso. Outra pessoa em mim, da qual não conhecia, estava se revelando. Ou, ela já estava em mim, melhor dizendo, ela sou eu e durante todos esses vinte e cinco anos de existência a rejeitei com uma couraça camaleônica, sendo vários para sufocar a minha verdadeira identidade. Nesse vários modos de ser o que eu não conseguia era ser eu mesmo por não me aceitar, pois ao me olhar nos outros não me identificava por ter outra identidade e, consequentemente, me sentia rejeitado e, portanto me rejeitava perdendo o significado de existir.
   Lembro-me, agora, quando esses sentimentos me ocorreram pela primeira vez, foi no pátio do colégio católico que eu estudava. Não sei precisar a idade, porém, eu não devia ter mais de sete anos. As brincadeiras no intervalo eram sempre as mesmas, havia muito contato entre os colegas. Até aquela data, acho, os meus sentimentos deveriam ser como de qualquer criança da minha idade, corriqueiros, comuns, contudo, uma nova criança havia chegado, vinda de um colégio adventista, para abalar as minhas certezas. A princípio, todas as crianças acharam estranho o fato dele ter estudado num colégio adventista e ser transferida para um católico. O seu comportamento era muito estranho, diferente ao comportamento dos outros garotos. Rejeitado, eu fui o único que tentou uma aproximação, no início, ele recusou, depois, nos tornamos grandes amigos. Numa tarde de verão, o céu havia desabado em águas; para nos proteger, corremos para debaixo de um toldo. Como o toldo era muito pequeno, tivemos que colar os nossos corpos nos abraçando para não sermos molhados. Sentimos o nosso calor adentrando os nossos poros e as nossas partes íntimas avolumarem em nossos shorts escolares, entrementes, olhos maldosos dardejaram em nossa direção toda a rejeição possível. Sinceramente, eu não sabia o que estava acontecendo comigo, o motivo do meu corpo estar expressando esses sentimentos, as transformações que estava ocorrendo, quanto mais esses mesmos sentimentos afloravam se me aproximasse da mesma forma de uma menina. Pensei, Deus me dará as respostas.
   Eu senti nos olhos do padre toda a severidade divina quando se comete um pecado. Apesar da aproximação com Deus ser espiritual, o homem, através de suas religiões, se ocupa mais com as aflições da carne do que propriamente as do espírito. Confessei ao padre glutão todos os meus pecados, até os que ele me imputou. Sabedor da fé dos meus pais e usando dela, o padre os fez me impor um castigo que bloqueou essa passagem da minha vida até a data de hoje. O Diabo usa de todos os meios para apossar da nossa alma, cabe a nós intercedermos, usando o poder que nos foi atribuído por Deus para nos livrar das tentações, e nessa hora, Deus é severo. Essas foram as palavras ditas pelo padre e repetidas pelos meus pais durante todo o tempo que durou o castigo. Hoje me questiono, se é assim que Deus salva a alma de seus filhos, com a dor ao invés do amor. Não é de se espantar que a cada dia os seus fieis O abandona. Eu não, perseverei me escondendo de mim em mim mesmo, esse foi o pior castigo que inconscientemente me impus ao sair do castigo severo de Deus praticado pelas mãos dos homens. Depois desse fato, meus pais souberam o motivo da transferência do novo aluno, e mais uma vez, sofrendo rejeição ele foi expulso do colégio. Porém, os meus pais esconderam de mim o motivo da expulsão, ele era gay, e essa não tinha sido a primeira vez. O diretor do colégio sugeriu ao meu pai que ele me transferisse para outro colégio. Ele fez mais do que isso, mudamos de cidade. O assunto foi apagado da nossa história familiar, uma professora particular foi contratada para me ensinar e quando, já na fase adulta, atribuíram novas funções que ela desempenhou melhor do que as aulas dadas. As aulas ministradas na sala de estar passaram a ser ministradas no quarto, para lá não levei lápis ou caneta, usei outro material.

   O ônibus estava lotando, a maioria dos passageiros se queixava do seu cotidiano, alguém tecia um comentário maldoso sobre uma pessoa, ora um conhecido da família ou colega de trabalho, ora sobre alguém que passava na rua naquele momento. Inexoravelmente, ninguém estava contente com a sua própria vida, pois, a vida do outro é sempre melhor do que a sua. Apesar do que se discute em transporte público me irritar, nesse dia, dei pouca importância ao que se conversava ali, as minhas preocupações eram outras. Aproximando da minha parada de descida, eu me encaminhei para a porta traseira e ele me acompanhou trazendo consigo um encanto no rosto. Ele ia começar um diálogo comigo, quando uma passageira, dessas que pensa que somos invisíveis ou uma pedra em seu caminho, o jogou para cima de mim ao descer. Rimos, pois a ignorância da passageira nos aproximou. Como o ônibus estava lotado, ele se posicionou atrás de mim chamando à atenção de alguns passageiros. Coincidentemente, dois pontos depois descemos, sem deixar de ouvir comentários maldosos vindo do ônibus que estava parado devido ao trânsito.
   Assim que me encaminhei em direção à rua transversal que me levaria para a minha casa, ele me reteve segurando na minha mão e não a soltou. Convidou-me a continuar nossa conversa - Qual? Pensei. - em sua casa apreciando um uísque com gelo. Estava propenso a aceitar, porém quando olhei na minha mão - ele retirou a sua assim que olhei -, vi a minha aliança no dedo esquerdo brilhando. Pus as mãos no bolso para esconder a aliança - ele riu da minha atitude infantil -, e lhe disse que não podia, contudo, outro dia quem sabe, desde que o uísque fosse seco. Concordando, antes de eu tomar rumo de casa, garantiu que somente o uísque seria seco, as emoções não.

Continua

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