Não sei quanto tempo eu estou aqui... Sim,
Padre, eu sei, você tem tempo disponível. Padre, poderia apagar as velas?
Obrigado. Sabe, você me faz lembrar a formiga que leva a folha para o
formigueiro. Há tanta bondade transpirando dos seus olhos. De nada. Sim, eu
consigo ver seus olhos pela cortina que nos separa, Padre. Falo, eu pedi para
apagar a vela porque o seu cheiro me faz lembrar o Demônio. Vou lhe contar. É
muito dolorido lhe falar sobre o Demônio, de alguma forma me sinto ligado a
ele, como se ele fosse uma extensão de mim. Todos nós somos uma extensão do
Demônio. Não somos, Padre? Não? É porque você não conheceu o Demônio. Quando
ele entra em você, ele não permanece, forçosamente, você se vê obrigado a
colocá-lo para fora praticando as mesmas atrocidades que ele fez com você. Sim,
Padre, é por isso que estou aqui. De alguma forma, falando, eu o estou
colocando para fora. Hoje eu o matarei.
Sabe, Padre, quando somos criança o que
precisamos é de uma mão nos mostrando o caminho, e, se é uma mão cuidadosa, que
nos mostra o caminho certo. Quando completei cinco anos, o Demônio pegou na
minha mão e me levou para o quarto. Se minha mãe não fez nada? Ela estava no
quarto colocando as velas em volta da cama. Ele pediu para eu tirar a minha
roupa. Inocente, sem conhecimento da maldade, a tirei e subi na cama conforme ele
pediu. Ele apagou a luz e a única coisa que percebi foi o brilho do branco de
seus olhos. Aos poucos, minha mãe foi acendendo as velas, e assim que o lume
bruxuleou no pavio, o quarto ganhou cor e forma. O desenho do corpo da minha
mãe foi ganhando formas que ainda não tinha visto. Eram curvas e saliências que
até então não era do meu conhecimento. Ela andou até a cadeira, sentou de
pernas abertas e eu vi uma mancha escura. Cruzou as pernas e sorriu para mim. O
seu sorriso me tranquilizou.
O Demônio me deitou de bruços com a cabeça
virada em direção da minha mãe. Agora, além de sorrir, ela passava as mãos
sobre as suas coxas e as levava até os seios, os massageando. As mesmas mãos
que um dia acarinharam os cachos dos meus cabelos e deveriam mostrar o caminho
certo. Aquelas mãos, Padre, estavam percorrendo caminhos errados, explorando um
terreno que não deveria ser do meu conhecimento. Essas mãos, Padre, me
mostraram o inferno, porém, foram as mãos do Demônio, mais precisamente os seus
dedos que faria do meu corpo o próprio inferno. Padre? Está me ouvindo, Padre?
Padre, onde está você? Não precisa se desculpar, Padre. Eu sei, é chocante. Mas
sabe o que me choca mais, são pessoa que não reage como o senhor reagiu.
Algumas são tão maléficas como foram a minha mãe e o meu padrasto, pois sente
prazer ao ver ou ouvir essa história. Padre, onde está Deus nessa hora?
Entendo, Padre, Deus sempre existe, essas pessoas que não percebe a Sua
existência. Como fazer com que elas percebam, Padre? Ah! Padre, o senhor é mesmo
uma formiga. Então, a solução é uni-las as outras correntes para que ela sinta
a bondade da maioria e assim contaminada por essa bondade perceberão a
infinitude das ações Divina. Concordo, Padre. Sinto-me contaminado pela sua
bondade. Amém, Padre.
Sim,
Padre, preciso colocar para fora o resto do Demônio que ainda permanece em mim.
O Demônio enrolou os seus malditos dedos entre os cachos dos meus cabelos,
percorreu, amiúde, subindo e descendo, suavemente, a minha coluna vertebral,
arrepiando-me, fazendo sentir medo, e, também, prazer. Padre, me perdoa, eu era
uma criança... Era para eu sentir apenas dor... Suavemente, ele ergueu minha
cabeça e vi os dedos de minha mãe entrando e saindo da mancha escura entre as
suas pernas. Padre, eu fechei os olhos, e mentalizei várias formigas entrando
ali, erguendo-me e me arrastando daquele inferno. Eu sei, Padre, não preciso
contar mais. Sabe, Padre, os dedos do Demônio entraram em mim, e seus
tentáculos não machucaram só o físico, desestabilizou a alma, pois, eu sinto
falta desses dedos. Isso me martiriza, Padre. O Demônio, por mais que eu fale
sobre o ocorrido, sempre estará em mim, a necessidade é a lembrança de sua
existência. Padre, me perdoa por eu necessitar dele e, também... Padre por que
descerrou a cortina? Ah! Padre, depois de vinte anos é o primeiro toque
carinhoso, sem intenção de fazer aquilo, que sinto. Obrigado, Padre, por me
conceder o seu perdão.
O que me fez sobreviver nesse inferno? A
minha fé, Padre. Deus me manteve de pé. Todos os dias eu esperei a formiga
trazer a folha. Sim, Padre, ela veio todos os dias. Quem era a formiga? Deus,
Padre, e a folha era o Seu alimento.
Continua
Capítulo I
Capítulo III
Capítulo IV
Continua
Capítulo I
Capítulo III
Capítulo IV
Imagem clique AQUI
Essa parte do conto foi a que mais me doeu, a que mais relutei em escrever, a que mais me levou às lágrimas. Relendo, ainda me pergunto, foi eu mesmo que escrevi isso?
ResponderExcluirUm conto áspero, difícil. No entanto a realidade costuma ser ainda mais dura e áspera com algumas pessoas.
ResponderExcluirVc é muito talentoso...É incrível a quantidade de contos e textos q escreve.
ResponderExcluirParabéns!
Maria
P.s. Quando era criança(adolescente)gostava de escrever contos.
No patrimônio geral da literatura vemos que os escritores geralmente não entram em algumas cenas, a morte de uma criança por exemplo. Fazer isso exige muito. A violência sexual contra crianças do mesmo modo. Compreendo a dificuldade.
ResponderExcluirai, ai... não gostei do teor do conto, essas coisas me perturbam profundamente. Mas está maravilhosamente bem contado!! Parabéns! Abraços.
ResponderExcluirImagino a dor e o alívio que sentiu ao escrever essas palavras.
ResponderExcluirA imagem que me vem a mente é de um parto. Dor e a alegria. Libertação.
Um grande abraço
Lucia
Muito triste. Muito real. Mas a literatura é assim, por vezes chocante...por vezes nos lembrando de coisas feias, mas de uma maneira bela.
ResponderExcluirContos assim doem, machucam, nos traz lágrimas aos olhos, mas é a realidade.
ResponderExcluirÉ o lado escuro, grotesco do ser humano.
Abraços
mto bem escrito, mas ....demais para mim...
ResponderExcluirbjos
Oi Eder,
ResponderExcluirSobre os contos eu te digo q estas coisas fluem(vc sabe)...Em menina eu chegava escrever mini novelas até(rs).
Se eu mexer e remexer minha imaginação, com certeza vai acontecer, mas tá dificil pousarem as poesias q dirá os contos...
Bem, acho q em outra vida fui uma Escritora e esta escritora me deixou sequelas pelas vidas q irei viver...rs...
Beijão
Maria
P.s.Estou na fase de descansar minha escrita e criação...daqui a pouco a luz volta.Diferente de vc q tá sempre iluminado.
A violência contra o menor é abominável,e ela começa sempre em casa.No Brasil vê-se muito nas famílias pobres economicamente(estatísticas),porém tenho percebído que nos chamados países do 1º mundo isso não é regra,muito menos exceção.
ResponderExcluirAchei interessante o refúgio da criança na fé.Certamente foi a sua salvação.
Imagino a dificuldade para escrever isso tudo e parabenizo pela liberdade que alcançou ao faze-lo e por faze-lo tão bem.
ResponderExcluirbeijos
E pensar que não é só uma ficção, que pode estar (e deve estar) acontecendo neste instante em algum inferno por aí, é dolorido, nauseante.
ResponderExcluirEder,
adorei o personagem do Paulo Coelho rsrs
E a sua imensa gentileza e cavalheirismo.
Não há de que, o prazer foi todo meu.
A violência é sempre chocante, sobretudo com um ser indefeso, como uma criança. É a triste realidade de vidas vazias de amor. É o drama que nos provoca a catarse de reflexão. O mundo, as pessoas, necessitam de Deus em seus corações. Felizmente, apesar dos pesares, o personagem do "menino", de certa forma, guardou a sua fé. Parabéns, Eder por abordar, de forma talentosa, tão delicado assunto. Uma boa semana, boa noite, bjos ;)
ResponderExcluirOlá Eder...parabéns amigo...a dificuldade de escrever algo assim está também, não sei se concorda, mas por ser algo totalmente possível e das mais variadas maneiras, pois a maldade está ai, arregalando nossos olhos e sentimentos, basta assistir aos jornais ou ver alguns programas mais sensacionalistas, é a realidade nua e crua...
ResponderExcluirEsse tem que entrar no livro....com certeza...rs
Tá precisando de um agente? rrsss...vai fundo cara...vai fundo
Um abraço na alma...beijo no coração
Olá!
ResponderExcluirFiquei muito feliz em conhecer o seu blog.
Gosto muito de ler textos e poemas, isso faz com que eu cresça cada dia mais.
A vida se torna interessante, à medida que encontramos pessoas como você.
Grande abraço
Se cuida
Meu Amigo Éder... seu dom é divino!
ResponderExcluirÉ impossível ler sem ficar emocionada.
Infelizmente fatos assim são constantes nos dias de hoje!
É uma triste realidade, pois marca para sempre a vida de quem sofre esse ato insano.
Creio que precisamos estar sempre atentos, pois o demônio está sempre a espreita para se aproveitar das oportunidades de nossa falta de vigília ou para aflorar o lado animal da nossa essência humana.
Tenha uma ótima semana!
Um abraço carinhoso
Uauuuuuuuu, li sem respirar...
ResponderExcluirMeu amigo, sua imaginação faz parte da realidade de muitos.
A violência corre solta por esse nosso mundo.
Agora é aguardar o próximo capítulo.
Gosto do desenrolar de suas palavras, é como se estivesse a ver todo o cenário.
Parabéns, és um ótimo escritor.
Beijos meu amigo.
os sofrimentos são inevitáveis e posso suportar, mas envolvendo crianças, fica bem mais difícil. Um relato triste e realista, infelizmente...
ResponderExcluirBeijos
Este conto, trazendo um drama que é comum a tantos, sejam meninos ou meninas, que sofrem abusos sexuais, e muitas vezes por aqueles que deveriam, cuidar, proteger, ainda é mais grave, ainda é mais sofrido para a alma, para a mente.
ResponderExcluirE no aguardo da continuação. E já fiquei cismada deste padre, quando o personagem diz: é o primeiro toque carinhoso, sem intenção de fazer aquilo..
No aguardo. beijo
Oi Eder,
ResponderExcluirForte isso, perturbadora realidade que vem a lembrança.
Vou aguardar o final.
Você escrever muiiiittoo, cara..rs
Beijo meu
Oi mano! Acabo de ler o segundo capítulo. A ânsia de vômito se confirmou: repugnante fazer isso com uma criança! E pensar que em algum lugar, aqui mesmo perto de nós, essas palavras inventadas estão se tornando realidade na vida de um inocente. Impressionante como você conseguiu escrever esse trecho mano, você escreve divinamente, é um trabalho hérculeo o autor escolher as palavras certas para criar a sensação física no seu leitor daquilo que se passou com a personagem! Avante para o terceiro capítulo! beijos de admiração, Deia.
ResponderExcluirO conto tem um peso significativo onde a dor é mostrada cruamente.
ResponderExcluirPuxa, voce é bom nisso!
Bjs