Eu sei muito bem o momento da minha vida
quando o meu pai virou o meu super-herói, e sei também quando virou o vilão.
Aos quatro anos, as madrugadas tinham luz,
meu pai acordava para fazer o pão, eu de pé em pé o acompanhava pelo corredor
que ia da nossa casa para a nossa padaria. Fingindo que não estava me vendo,
ele me surpreendia pegando-me pelo colo e me deitava na rede armada na padaria.
Na feitura do pão, o trigo encobria o seu corpo dando-lhe uma áurea divina. Assim,
eu criei o meu super-herói e ele não tinha armamento, capa ou qualquer tipo de
máscara.
Meu pai é um homem de muitos defeitos,
porém, ressalto nele a sua melhor qualidade. Com uma das mãos, ele dava o alimento
para o corpo, o pão; com a outra, ele dava o alimento para a alma, os livros. Semi-analfabeto,
na época da minha infância, ele tinha um conhecimento estupendo dos números e
quase nenhum das letras. Contudo, foi um incentivador contumaz para que os filhos
estudassem.
Qual de nós nunca sonhou em construir um
castelo para dar morada à princesa? Em Brasília, o meu pai teve a primeira
derrota, falido, ele foi tirando um a um os tijolos do meu castelo para deixar
a cal da amargura. Remoí esta amargura por toda a minha adolescência e boa
parte da minha vida adulta por tê-lo que substituí-lo no sustento da família,
tempo o suficiente para desistir dos meus sonhos. Assim, de super-herói, ele
passou a ser o meu vilão.
Nordestino está acostumado ao solo seco, e
se insiste em plantar neste solo é porque sabe, não importa quanto tempo passa,
Deus o ajudará. Aos quarenta e três anos, o meu pai se empregou na construção
civil, trabalhando como servente de pedreiro. Ele voltou a estudar, fez curso
de mestre-de-obras e em pouco tempo estava exercendo a função para qual
estudara. Ele tinha uma predestinação a falir, mas não vi até hoje ninguém com
garra para se levantar após cada queda como ele. Ele teve outras quedas e soube
levantar.
Dizem que só reconhecemos nossos pais quando
somos pais. Não sei se levei todo esse tempo para reconhecê-lo como tal, porém,
entre nós havia um muro invisível que dificultava a nossa aproximação, nossos
diálogos eram monossilábicos. Éramos muito de silêncio, como se esperássemos ser
transportados para o início de nossa história para reescrevê-la.
Quando eu vou para a sua casa no interior de
São Paulo, eu gosto de deitar na rede e me quedar. Numa dessas vezes, ele tomou
a iniciativa e, sentado em um tamborete, quebrou o silêncio e me contou que no
meu nascimento ele não estava presente. Barqueiro do Rio São Francisco, nesse
dia, o seu barco havia afundado. Ilhado, ele só veio me ver uma semana depois.
Essa foi a sua primeira queda, pois, ele teve que remar, literalmente, para dar
sustento à família que estava se formando. Quando ele voltou a me ver, eu tinha
um ano. Devido a sua ausência nesse período, ele me disse que foi difícil me
convencer que ele era o meu pai, pois eu tinha elegido outro como tal, o seu
primo. Por fim, ele me disse que havia se arrependido de ter saído da Bahia e a
única coisa que o confortava era saber que se tivesse ficado lá, nós não
seríamos o que somos hoje. Durante um tempo, ele ficou esperando que eu
confirmasse o que acabara de dizer, como não fiz, ele saiu e se fechou no
quarto. Após a sua saída eu não consegui segurar as minhas lágrimas. Naquele
dia o meu super-herói havia voltado.
Hoje, eu estou construindo um castelo, e um
a um, o meu pai está me ajudando a colocar os tijolos.
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Eder, você está se reconstruindo. Mergulhando em você, ou permitindo que o rio de lembranças lhe invanda as margens, as profundezas, para continuar o seu caminhar...tornando-se um ser humano mais forte, um filho mais presente, mais amoroso, e um pai cada dia melhor.
ResponderExcluirAh, amigo, que lindo ler suas lembranças, porém o mais bonito é saber desta reconstrução.
abraço
Que sentimentos maravilhosos, Eder. A vida é mesmo um re-construir, um re-descobrir das relações afetivas, sobretudo, com nossos pais. Espero, de coração, que vc e seu pai estejam sempre juntos se re-descobrindo. Um ótimo 2012 querido amigo, um ótimom final de semana, grande abraço ;)
ResponderExcluirvim deixar um beijinho.
ResponderExcluirE dizer que sexta feira 13 ou 14 é a mesma coisa.
O importante é sermos nós.
E fazermos o que gostamos e sentirmos que fazemos o nosso melhor.
Eu sou prova de isso mesmo.
muita gente com a minha saúde estava a morrer e a tentar piedade. Eu gosto de ser forte.Eu gosto de lutar.
Depois gosto muito dos meus amigos e da minha família.
Depois sinto a tristeza de andar por aqui..
E sentir que alguém me odeia...
tenho uma pessoa que entra no blog como anónimo(A) e sempre que lanço um livro ou faço uma coisa bem feita entra e insulta-me gratuitamente com o pior que pode haver.Desta vez até me acusa deste Pais estar mal por minha causa...
tenho enviado o mail a algumas pessoas e não querem acreditar no que lêem.
Para mim não faz diferença, se por ele(a) passar um acidente que fique numa cadeira de rodas e a seguir um cancro.. espero que me diga depois como foi fácil viver e dar a volta por cima.
A minha poesia causa-lhe asco mas eu não mando ler ,o meu blog tmb que causa asco, mas não tem que vir aqui...
Aqui a minha casa para eu estar com quem gosto...OS meus AMIGOS.
Depois ,um anónimo é um cobarde sem rosto.É uma pessoa mal amada e penso que com graves problemas familiares mas uma pessoa assim nunca poderá ser feliz..
faça um buraco e esconda-se...
Peço desculpa mas o anónimo diz que anda pelos blogues a ver o que escrevo, por isso a mensagem fica.
A net tem destas coisa...deixa entrar tudo e ás vezes entra lixo..contra isso nada feito.
Beijos e poesia no meu Cantar África.
Estão diligências para descobrir quem é...( mas aceito ajudas...)
Meio sem saber o que dizer, pois fiquei como boba a chorar.
ResponderExcluirO muro invisível, que separava vocês, foi derrubado de forma emocionante, e assim o seu super-herói renasceu em teu coração.
Sinto que ele sempre esteve ali, mas quietinho.
Faltava a oportunidade de senti-lo brilhando de novo em você.
Gosto muito de te ler.
Beijos com carinho e admiração.
...mas é claro que haveria
ResponderExcluira reconstrução destes alicerces.
eles foram criados com amor,
e por amor.
e o que não se faz por amor?
bjs, alma linda!
Oi Meu Amigo...
ResponderExcluirSempre é tempo de resgatarmos as nossas histórias com as pessoas que foram e ainda são importantes em nossa vida.
Os laços sanguíneos são fortes e muitas vezes latejam em nós com o desejo de fortalecê-los... De reavivá-los!
Reconstruam sim... O castelo tende a ser o mais lindo de todos os tempos!
Um forte abraço carinhoso de quem te admira muito!
Beijo
Sabe Eder, eu li uma história de amor, uma história de amor e de perdão.
ResponderExcluirSeu pai sentou-se ao seu lado na rede para pedir-lhe perdão, para dizer-lhe do amor que sente.
O masculino tem dessas coisas, uma dificuldade em expressar, em se entregar. A vida pede ao homem, muito mais do que à mulher, que ele não se renda, não se entregue. Isto posto entre dois homens torna-se ainda mais inquebrável.
Seu pai tornou-se um mestre de obras, você um escritor, que os dois juntos construam esta obra tijolo a tijolo e reescrevam a história de suas vidas, dando grifos nos momentos em que o amor se expressou, como você acabou de fazer neste texto lindo.
Beijos, amigo querido!
Eder
ResponderExcluirsou grata à vida por oferecer-nos sempre uma segunda chance e me alegro por vocês, por ambos terem agarrado esta segunda chance e já estejam na fase de acabamento da reconstrução. :)
Seu castelo já esta lindo! Passei por isso ou quase isso no meu relacionamento com meu pai só tive essa segunda chance poucos dias antes da sua morte... Emocionou sua crônica ... Tudo de bom sempre!
ResponderExcluirComoveu-me muito esse relato bem como o do post precedente porque toca profundamente o tema Família.
ResponderExcluirAmor e perdão acredito serem essenciais nas nossas relações pessoais,principalmente e especialmente com nossos pais.
Abraço carinhoso amigo querido!
Caro amigo.
ResponderExcluirMuito desta história,
é também história de outras vidas...
Nos desperta alegria,
mas também saudades,
quando nosso herói já não habita
nossos caminhos...
Que cada dia deste novo ano,
seja em tua vida,
um dia de reencontro.
Heróis ou vilões, Eder, nossos pais sempre nos fornecem um tijolinho para a construção de nossa casa - a vida! Belo texto, aplausos, abrçs. Brigadim pelo carinho lá em minha casa.
ResponderExcluirEder, é minha primeira vez em seu blog e achei muito bonito o relato :)
ResponderExcluirObrigada pelo belo texto rsrs
Abraço
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http://e-raumavez.blogspot.com
Poxa amigo se precisar de um pouco de água para a argamassa aqui estão sobrando lagrimas.
ResponderExcluirbeijos