Como eu escapei? Hoje, quando eles estavam
fazendo as sevícias em meu corpo, minha mãe passou mal e o Demônio teve que
socorrê-la, na pressa esqueceram-se de me prender no porão. Sim, Padre, durante
vinte anos, eu vivi preso dentro de um porão, só saía de lá quando eles queriam
aquilo. Como eu tenho o conhecimento de Deus? Estranho a sua pergunta, Padre.
Não há necessidade do conhecimento para sentir Deus, pois antes mesmo de
existirmos, a Sua presença já era sentida, além do mais, Padre, o medo e a dor
me levou até Ele. Padre, posso lhe pedir um favor? Feche os olhos e imagine que
o mundo não exista, que não exista nada. Pensou? Agora me responda o que você
ver? Está vendo, Padre, antes de qualquer existência, você sente Deus. Essa
mesma pergunta feita para uma pessoa sem fé, ela sentirá a escuridão, o vazio,
o nada. Então, Padre, não precisamos de conhecimento para sentir Deus,
precisamos apenas de fé.
Não, Padre, eu ainda não terminei. Não matei
o Demônio em mim. Padre, vou lhe pedir perdão. Qual meu outro pecado? Ainda não
o cometi. Vou cometê-lo agora. Perdoa, padre. Seja misericordioso. Que minha
alma descanse nos braços do meu Pai.
Meu Bispo, quero o seu perdão. Falhei na
minha missão e me deixei levar pelas vontades. Eu sei, meu Bispo, o controle
das vontades nos aproxima de Deus. Sim, vou lhe contar o que aconteceu.
Quando ele me disse para ser misericordioso
e pediu o meu perdão para um pecado que ainda não havia praticado, eu nunca
pensei que ele puxaria uma faca e a cravaria no seu próprio peito. Agonizando,
ele se arrastou ao meu encontrou, abraçou-me e tartamudeou em meus ouvidos que
havia matado o demônio dentro dele, mas ele continuava vivo lá fora. Disse-me o
seu endereço e ciciou antes de morrer, mate-o, Padre, é seu dever eliminar o
Demônio. Repousei o seu corpo na cadeira e então me dei conta do que havia
acontecido. Minha estola roxa estava impregnada de sangue, alguns respingos de
sangue manchavam a minha batina. Olhei para a imagem do Cristo no altar e
percebi os seus olhos desesperançosos. Uma pergunta não se cala na minha mente:
Será que no dia da Sua crucificação Ele também não tinha os mesmo olhos que eu
percebi na Sua imagem?
Não sei, meu Bispo. Essa é outra pergunta
que me faço e não tenho respostas. Talvez, devido à truculência da polícia,
achando que ela chegaria lá atirando e depois interrogando. Talvez por
curiosidade eu mesmo fui lá.
A casa era comum, tinha uma amendoeira na
porta. Na parede da garagem havia uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida. Uma
senhora apareceu na porta antes mesmo de eu tocar a campainha. Em suas mãos
havia um Rosário, seus dedos giravam uma das contas... Sim, meu Bispo, João
Paulo II dizia que o Rosário é o compêndio da Bíblia. Ela me disse que estava
nos Mistérios dolorosos. Seu rosto denotava um cansaço doentio, seus olhos uma
tristeza infinita, contudo, eram benevolentes. Eu sei, meu Bispo, o corpo
escamoteia as máculas da alma, eu sei disso. Ela me pediu para entrar e que
aguardasse no sofá enquanto terminasse de rezar o Rosário. Antes de sentar
perquiri com os olhos a casa e não vi nenhuma escada que poderia levar ao
porão. Havia apenas a sala, cozinha, banheiro e o quarto que estava com a porta
fechada.
Não, meu Bispo, ele chegou alguns minutos
depois, trazendo uma sacola que depositou próxima a porta do quarto e um
sorriso amabilíssimo. Seu rosto tinha traços fortes, mas olhos azuis
dulcíssimos. Ele deu um beijo na testa da esposa e depois pediu minha benção.
Sim, eu estava de batina. Serviu-se de duas taças de vinho e me convidou para
sentar no sofá. Colocou as duas taças na mesinha de centro, e, com os dedos,
empurrou uma das taças em minha direção sem me dirigi uma palavra. Levou a sua
taça a boca e com os olhos sobre a borda da mesma me analisou. Abaixou os olhos
em direção a outra taça e meneou a sobrancelha. Entendi o sinal e peguei a taça
bebendo um pouco do vinho. Repentinamente, ele se levantou, foi à cozinha,
pegou algo e depois tirou alguns objetos da sacola que ele havia trazido.
Depositando-os em cima da mesinha e sorrindo passou os dedos no fio da faca.
Pegou o fumo de rolo dentre os objetos depositados na mesinha e o cortou em
rodelas bem finas picando-as depois. Retirou de uma caixa com papel de seda
para enrolar cigarro da gaveta da escrivaninha uma folha, colocou-a na borda da
mesinha e com a palma da mão arrastou o fumo picado sobre a seda enrolando-a.
Passou a língua na borda da seda e com os dedos indicadores a fechou para, em
seguida, com o dedo polegar e indicador alisar o cigarro para certificar que
estava pronto. Por fim quebrou o silêncio me dizendo o que seria dos homens se
não fosse as mãos, pois com elas satisfaz os desejos da carne e também os da
alma ao orar aos céus a sua salvação. Disse-me ainda que as mãos dele só
serviam para satisfazer os desejos da carne, os da sua alma eram as mãos da
esposa que satisfaziam, como agora. Olhei para ela e vi a sua compenetração ao
rezar o Rosário, sem saber em qual Mistério ela estava, porém seu rosto
transparecia uma dor inaudita, como se ele estivesse mostrando as mazelas da
alma, ou então implorando salvação para essas mesmas mazelas. Quando ela
percebeu que eu estava olhando, as feições desapareceram, então, voltei-me para
ele. Surpreendendo-me, ele me fez uma pergunta que eu não estava preparado para
responder.
Continua
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo IV
Imagem clique AQUI
Continua
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo IV
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Nossa!
ResponderExcluirAgora você me pegou, Eder, eu não esperava um rumo desses, ah danado "continua".. quero mais e é hoje, deu tanta curiosidade rsrs
Menino da mágica criatividade, possui um novelo de histórias que o vai só desenrolando para nós.
Beijos!
Ei, escritor, essa estratégia de parar na melhor parte, e deixar um semana no suspense, não vale. kkkkk
ResponderExcluirAs mãos elas podem exprimir tantos sentimentos e emoções, fazer tantos atos bons e maus. Interessante a colocação.
Quando cita o cortar o fumo, o enrolar, o fazer o cigarro, me deu a impressão que você via alguém fazer isto, achei muito real a cena. Talvez aquelas cenas da vida do autor que entra na ficção.
beijo
Aqui estou eu de novo...Muito obrigada pelo carinho! Tem selo e brincadeira p/vc lá no blog! Vem!!! Ótimo domingo! Abraço fraterno e carinhoso!
ResponderExcluirElaine Averbuch Neves
http://elaine-dedentroprafora.blogspot.com/
demais para mim...
ResponderExcluirbeijos
Eder, querido!
ResponderExcluirVenho lá do primeiro capítulo e ainda estou emocionada. E, de certa forma, senti um despreso e raiva pelos adultos em cena. Se pensamos que na vida real isto acontece tantas vezes - que dor!
Eder, o conto deste post é formidável também. "Não precisamos do conhecimento para sentir Deus... precisamos da fé." O conto é rico e o seu talento de descrição não tem limites. A leitura fornece as imagens e as figuras de suas palavras dançam e rodopiam em minha mente. Genial!
Beijo no coração
Vc já pensou em escrever livros?Quantas idéias e histórias existem em vc...Eu nao escreveria assim cheia das curvas e do suspense...Vc escreve de tudo e precisa escrever, sao tantas vidas dentro de vc hein?Tantas histórias contidas...Tantas idéias q realmente me surpreendo quando chego até aqui.
ResponderExcluirBeijo e boas inspirações!
P.s.Esta está especial e cheia do suspnse.
"Confissão": Oh!, que bela narração. Adorei!
ResponderExcluirAbração,
Rodrigo Davel
Ae Eder, continue. Vc vai se aprimorando bem. A temática é desafiante e vc vai com coragem adiante.
ResponderExcluirolá!Eder...Nós humanos somos muito complexos.....
ResponderExcluirFelizmente não meu querido.A filha tem um lugar diferente
na vida do pai.Mas falarei da mulher no próximo post.
Me passa teu e-mail para que eu possa me fazer entender.
abraços querido.
Eis uma boa história, triste mas muito boa. Acho que os escritores gostam de contar histórias, assim inventando e reinventando a vida, exatamente como fazes tão bem. vamos aguardar a continuação....
ResponderExcluirBeijos
Oi, Eder! Realmente espantada com sua criatividade! Não lembro de ter lido algo parecido. Um abraço!
ResponderExcluirOi!!Parabéns pela história, pela criatividade, pela riqueza de narrativa. Tenha uma abençoada semana!
ResponderExcluirQue bom! E o que vc achou? "Topa" a brincadeira? Ficarei muito feliz com a tua colaboração e receptividade.....Muito obrigada pelo carinho! Ótimo início de semana! Bjão!Abraço fraterno e carinhoso!
ResponderExcluirElaine Averbuch Neves
http://elaine-dedentroprafora.blogspot.com/
...como a vida toda é feita de esperas,
ResponderExcluirvamos esperar onde vai dar tanta criatividade
deste poeta querido.
bj imenso neste lindo coração!
Oi Eder,
ResponderExcluirTua narrativa me prende, fico literalmente sem respirar.
E no momento, curiosidade e meu nome.
Beijo meu
Um bom suspense...
ResponderExcluirAguardo o desenrolar...
beijos
Oi mano! Com maestria você agora altera o rumo a história! É claro que achei que o rapaz iria matar o padrasto e era para esse pecado que pedia perdão! A mudança no narrador da história foi fantástica! Agora é esperar o próximo capítulo! Um beijo, Deia.
ResponderExcluirSurpreendente como em cada pedaço da sua narrativa consegue nos atiçar a curiosidade e expectativa para o que há de vir.Isso é saber bem escrever!
ResponderExcluirAbraço grandeee!