Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Confissão

CAPÍTULO III


   Como eu escapei? Hoje, quando eles estavam fazendo as sevícias em meu corpo, minha mãe passou mal e o Demônio teve que socorrê-la, na pressa esqueceram-se de me prender no porão. Sim, Padre, durante vinte anos, eu vivi preso dentro de um porão, só saía de lá quando eles queriam aquilo. Como eu tenho o conhecimento de Deus? Estranho a sua pergunta, Padre. Não há necessidade do conhecimento para sentir Deus, pois antes mesmo de existirmos, a Sua presença já era sentida, além do mais, Padre, o medo e a dor me levou até Ele. Padre, posso lhe pedir um favor? Feche os olhos e imagine que o mundo não exista, que não exista nada. Pensou? Agora me responda o que você ver? Está vendo, Padre, antes de qualquer existência, você sente Deus. Essa mesma pergunta feita para uma pessoa sem fé, ela sentirá a escuridão, o vazio, o nada. Então, Padre, não precisamos de conhecimento para sentir Deus, precisamos apenas de fé.
   Não, Padre, eu ainda não terminei. Não matei o Demônio em mim. Padre, vou lhe pedir perdão. Qual meu outro pecado? Ainda não o cometi. Vou cometê-lo agora. Perdoa, padre. Seja misericordioso. Que minha alma descanse nos braços do meu Pai.

   Meu Bispo, quero o seu perdão. Falhei na minha missão e me deixei levar pelas vontades. Eu sei, meu Bispo, o controle das vontades nos aproxima de Deus. Sim, vou lhe contar o que aconteceu.
   Quando ele me disse para ser misericordioso e pediu o meu perdão para um pecado que ainda não havia praticado, eu nunca pensei que ele puxaria uma faca e a cravaria no seu próprio peito. Agonizando, ele se arrastou ao meu encontrou, abraçou-me e tartamudeou em meus ouvidos que havia matado o demônio dentro dele, mas ele continuava vivo lá fora. Disse-me o seu endereço e ciciou antes de morrer, mate-o, Padre, é seu dever eliminar o Demônio. Repousei o seu corpo na cadeira e então me dei conta do que havia acontecido. Minha estola roxa estava impregnada de sangue, alguns respingos de sangue manchavam a minha batina. Olhei para a imagem do Cristo no altar e percebi os seus olhos desesperançosos. Uma pergunta não se cala na minha mente: Será que no dia da Sua crucificação Ele também não tinha os mesmo olhos que eu percebi na Sua imagem?
   Não sei, meu Bispo. Essa é outra pergunta que me faço e não tenho respostas. Talvez, devido à truculência da polícia, achando que ela chegaria lá atirando e depois interrogando. Talvez por curiosidade eu mesmo fui lá.
   A casa era comum, tinha uma amendoeira na porta. Na parede da garagem havia uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida. Uma senhora apareceu na porta antes mesmo de eu tocar a campainha. Em suas mãos havia um Rosário, seus dedos giravam uma das contas... Sim, meu Bispo, João Paulo II dizia que o Rosário é o compêndio da Bíblia. Ela me disse que estava nos Mistérios dolorosos. Seu rosto denotava um cansaço doentio, seus olhos uma tristeza infinita, contudo, eram benevolentes. Eu sei, meu Bispo, o corpo escamoteia as máculas da alma, eu sei disso. Ela me pediu para entrar e que aguardasse no sofá enquanto terminasse de rezar o Rosário. Antes de sentar perquiri com os olhos a casa e não vi nenhuma escada que poderia levar ao porão. Havia apenas a sala, cozinha, banheiro e o quarto que estava com a porta fechada.
   Não, meu Bispo, ele chegou alguns minutos depois, trazendo uma sacola que depositou próxima a porta do quarto e um sorriso amabilíssimo. Seu rosto tinha traços fortes, mas olhos azuis dulcíssimos. Ele deu um beijo na testa da esposa e depois pediu minha benção. Sim, eu estava de batina. Serviu-se de duas taças de vinho e me convidou para sentar no sofá. Colocou as duas taças na mesinha de centro, e, com os dedos, empurrou uma das taças em minha direção sem me dirigi uma palavra. Levou a sua taça a boca e com os olhos sobre a borda da mesma me analisou. Abaixou os olhos em direção a outra taça e meneou a sobrancelha. Entendi o sinal e peguei a taça bebendo um pouco do vinho. Repentinamente, ele se levantou, foi à cozinha, pegou algo e depois tirou alguns objetos da sacola que ele havia trazido. Depositando-os em cima da mesinha e sorrindo passou os dedos no fio da faca. Pegou o fumo de rolo dentre os objetos depositados na mesinha e o cortou em rodelas bem finas picando-as depois. Retirou de uma caixa com papel de seda para enrolar cigarro da gaveta da escrivaninha uma folha, colocou-a na borda da mesinha e com a palma da mão arrastou o fumo picado sobre a seda enrolando-a. Passou a língua na borda da seda e com os dedos indicadores a fechou para, em seguida, com o dedo polegar e indicador alisar o cigarro para certificar que estava pronto. Por fim quebrou o silêncio me dizendo o que seria dos homens se não fosse as mãos, pois com elas satisfaz os desejos da carne e também os da alma ao orar aos céus a sua salvação. Disse-me ainda que as mãos dele só serviam para satisfazer os desejos da carne, os da sua alma eram as mãos da esposa que satisfaziam, como agora. Olhei para ela e vi a sua compenetração ao rezar o Rosário, sem saber em qual Mistério ela estava, porém seu rosto transparecia uma dor inaudita, como se ele estivesse mostrando as mazelas da alma, ou então implorando salvação para essas mesmas mazelas. Quando ela percebeu que eu estava olhando, as feições desapareceram, então, voltei-me para ele. Surpreendendo-me, ele me fez uma pergunta que eu não estava preparado para responder.

Continua

Capítulo I
Capítulo II
Capítulo IV

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18 comentários:

  1. Nossa!

    Agora você me pegou, Eder, eu não esperava um rumo desses, ah danado "continua".. quero mais e é hoje, deu tanta curiosidade rsrs

    Menino da mágica criatividade, possui um novelo de histórias que o vai só desenrolando para nós.

    Beijos!

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  2. Ei, escritor, essa estratégia de parar na melhor parte, e deixar um semana no suspense, não vale. kkkkk

    As mãos elas podem exprimir tantos sentimentos e emoções, fazer tantos atos bons e maus. Interessante a colocação.

    Quando cita o cortar o fumo, o enrolar, o fazer o cigarro, me deu a impressão que você via alguém fazer isto, achei muito real a cena. Talvez aquelas cenas da vida do autor que entra na ficção.

    beijo

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  3. Aqui estou eu de novo...Muito obrigada pelo carinho! Tem selo e brincadeira p/vc lá no blog! Vem!!! Ótimo domingo! Abraço fraterno e carinhoso!
    Elaine Averbuch Neves
    http://elaine-dedentroprafora.blogspot.com/

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  4. Eder, querido!

    Venho lá do primeiro capítulo e ainda estou emocionada. E, de certa forma, senti um despreso e raiva pelos adultos em cena. Se pensamos que na vida real isto acontece tantas vezes - que dor!

    Eder, o conto deste post é formidável também. "Não precisamos do conhecimento para sentir Deus... precisamos da fé." O conto é rico e o seu talento de descrição não tem limites. A leitura fornece as imagens e as figuras de suas palavras dançam e rodopiam em minha mente. Genial!

    Beijo no coração

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  5. Vc já pensou em escrever livros?Quantas idéias e histórias existem em vc...Eu nao escreveria assim cheia das curvas e do suspense...Vc escreve de tudo e precisa escrever, sao tantas vidas dentro de vc hein?Tantas histórias contidas...Tantas idéias q realmente me surpreendo quando chego até aqui.

    Beijo e boas inspirações!

    P.s.Esta está especial e cheia do suspnse.

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  6. "Confissão": Oh!, que bela narração. Adorei!

    Abração,

    Rodrigo Davel

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  7. Ae Eder, continue. Vc vai se aprimorando bem. A temática é desafiante e vc vai com coragem adiante.

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  8. olá!Eder...Nós humanos somos muito complexos.....
    Felizmente não meu querido.A filha tem um lugar diferente
    na vida do pai.Mas falarei da mulher no próximo post.
    Me passa teu e-mail para que eu possa me fazer entender.
    abraços querido.

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  9. Eis uma boa história, triste mas muito boa. Acho que os escritores gostam de contar histórias, assim inventando e reinventando a vida, exatamente como fazes tão bem. vamos aguardar a continuação....
    Beijos

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  10. Oi, Eder! Realmente espantada com sua criatividade! Não lembro de ter lido algo parecido. Um abraço!

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  11. Oi!!Parabéns pela história, pela criatividade, pela riqueza de narrativa. Tenha uma abençoada semana!

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  12. Que bom! E o que vc achou? "Topa" a brincadeira? Ficarei muito feliz com a tua colaboração e receptividade.....Muito obrigada pelo carinho! Ótimo início de semana! Bjão!Abraço fraterno e carinhoso!
    Elaine Averbuch Neves
    http://elaine-dedentroprafora.blogspot.com/

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  13. ...como a vida toda é feita de esperas,
    vamos esperar onde vai dar tanta criatividade
    deste poeta querido.

    bj imenso neste lindo coração!

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  14. Oi Eder,

    Tua narrativa me prende, fico literalmente sem respirar.
    E no momento, curiosidade e meu nome.

    Beijo meu

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  15. Um bom suspense...
    Aguardo o desenrolar...
    beijos

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  16. Oi mano! Com maestria você agora altera o rumo a história! É claro que achei que o rapaz iria matar o padrasto e era para esse pecado que pedia perdão! A mudança no narrador da história foi fantástica! Agora é esperar o próximo capítulo! Um beijo, Deia.

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  17. Surpreendente como em cada pedaço da sua narrativa consegue nos atiçar a curiosidade e expectativa para o que há de vir.Isso é saber bem escrever!
    Abraço grandeee!

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