Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Folhas de outono

Amiúde, nas tardes outonais, sou tomado por uma tristeza desmedida, trazida pelos ventos gélidos de maio, enregelando os meus ossos a ponto de petrificá-los de dor, obrigando-me a me prostrar no sofá. Apesar do som ensurdecedor da televisão – não me dou ao trabalho de diminuí-lo ou desligá-la -, ouço minha voz interior, tão e demasiada olvidável na juventude, lembrar-me que as minhas cãs, pululando na minha cabeça talmente baratas dos lixos, não sustentam por muito tempo a tintura, apesar do esmero da cabeleireira ao tintá-las. Soçobrado pela solidão, o meu apego as lembranças é um átimo em que me volto à vida sem mais tê-la, novamente.
Houve época em que a tristeza não aflorava tanto como tem aflorado ultimamente. Não sei se devido às idas ao quarto – outrora constantes -, agora esporádicas; ou, então, devido essas mesmas idas, outrora para outros afazeres mais prazerosos do que o de agora, apenas para dormir entre lençóis bordados de solidão.
Estão ali todos os símbolos da minha velhice, a pantufa com o escudo do São Paulo, presente de um tempo remoto quando eu tinha ânimo para torcer por um time de futebol; o pijama cor de burro quando foge com bolinhas pretas a depreciar a minha imagem diante do espelho ao vesti-lo; a bengala, usada mais como arma em defesa aos desaforos preconceituosos por ser idoso, do que propriamente como apoio; a dentadura dentro do copo a me sorrir um riso que não é meu, como quem quisesse dizer que tudo em mim era falso; a coleção de cachecóis dispostos sobre o cabideiro como uma teresa, incutindo em mim a ideia de sair da vida de uma forma trágica.
Quão diferente era a penteadeira dela com todos os tipos de cremes para cada parte do corpo; os batons em cores fortes e vivaz; todos os tipos de brincos e cada um trazendo um pouco de sua história; os eflúvios dos perfumes amadeirados permanente ali para me lembrar da sua ausência.
Melancólico, os meus olhos, amiudados pela tristura sem mesura, percorreram toda a casa se perdendo nas suas coisas, espalhadas pelo chão de uma forma juvenil, em busca de alguma melodia, de um pouco de lirismo, ou, quiçá, de uma poesia fluindo ritmicamente a falta que ela me faz, esquentando o meu álgido coração.
Cerro os olhos e guardo esta última imagem fotografada em versos viniciusmoraeseanos de juras de um amor eterno antes-durante-depois-da-vida.
As lágrimas cozidas pelas solicitudes de salvação pela dor silente das saudades é a mesma que cose por fios de alegria o manto da minha partida.
Colho flores de maio vestidas de orvalho da madrugada e deposito em seu túmulo. Parto talmente a folha de outono levada pelo vento, perdida de si, estilhaçada, e quase em pó, um átomo, perdendo-se, mais ainda e para sempre, alhures. A possibilidade de reverdecimento me é impossível por saber que as folhas de outono parasitam secas algures.
                                                *
Dias depois, um garoto vestido de felicidade – destas encontráveis, somente e não mais, em uma criança -, perdido do seu cão, entra no cemitério a sua procura, e, ao deparar-se com o túmulo entesourado com flores de maio, lê o epitáfio escrito na lápide vertical: “Uma esposa que amou, acima de tudo, o seu marido, e o espera, sempiterno, alhures”.
Ao sair com o desentendimento balouçando a sua mente pelo que foi lido, o garoto é encontrado pelo seu cão, e os dois pela sua mãe.
As folhas de maio aquarelavam de amarelo, vermelho, marrom e cinza a calçada, atapetando-a. Mãe e filho estavam sentados, tendo o cão lhes observando como se tivesse diante de um quadro de Matisse. O garoto, com duvidas no olhar, lhe pergunta o significado da palavra alhures. O cão ladra como se conhecesse a resposta. Com a voz melodiosa como se estivesse declamando uma poesia lírica, ela lhe responde que alhures é aonde se encontra as folhas de outono, reverdecidas.

13 comentários:

  1. Tenho os olhos plenos de água - e estou certa de que não há chuva nenhuma a se derramar sobre mim! Que os amores sejam eternos, mas que não demorem tanto a se reencontrar...

    Lindo! Um beijo, Deia

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  2. Me emocionou também... Já sabe que os seus textos me prenden do começo ao fim, mas esse, em especial, é de um teor que me cativa, e vc escreve tão lindo, amigo! Beijocas, bom finde!!!:)

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  3. Olá amigo..ainda bem que a vela voc~e enfiou no bolo...tremi aqui só de imaginar a possiblidade...rsrs
    Obrigado pela presença ok e pelas boas palavras

    Eder..lindo isso aqui...linda essa expressão
    Dias depois, um garoto vestido de felicidade – destas encontráveis, somente e não mais, em uma criança
    Quem dera pudesemos sempre nos vestir da felicidade...tem dia que fica meio complicado..as depois ela reaparece...sorrriso valente...
    Um abraço na alma amiga

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  4. Bonito e triste texto com uma pitada de alegria na vida que se renova.
    beijos

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  5. Você é bom, moço.
    Adoro outono, o vento, as folhas caindo...
    Abraços.

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  6. É bom ler um texto que prende a atenção. Fico sempre admirando a forma de escrever, o fluir das ideias, o entrelaçar de pensamentos que o texto contém.

    abraço

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  7. Oi Eder,

    É verdade, triste..., mas bonito..., lindo!!

    Fui procurar entender ao certo, o que, de fato, você estava escrevendo. Lendo "O filho que perdi", penso que consegui entender.

    Sinto muito, mesmo, pelas suas perdas e saudades profundas, mas Deus não nos deixa desamparados nessa terra cheia de vida e amigos... Cultive a sua Fé...

    Obrigada pela companhia no café...

    Beijos e boa semana...,

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    Belo e triste... Quão difícil pode se tornar a velhice, se não nos prepararmos para ela... Temos que ter sempre em mente, que as pessoas queridas se vão, nossos pertences, nossa aparência jovem, nossa saúde... Tudo é ilusório e impermanente. Se aceitarmos essa verdade no coração, não será assim tão triste...

    Gostei muito da sua narrativa! Prende, comove até o final...


    Beijos de luz e o meu carinho!!!

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  9. Éder... sua sugestão foi acolhida por nós...

    Convidamos a todos os amigos para a nossa 2ª Postagem Coletiva, que se realizará entre os dias 27 e 31 de maio.

    O tema proposto é o seguinte: "FOTOGRAFE E CONTE SUA HISTÓRIA"

    Mais informações, acesse o nosso Blog!

    Contamos com a sua presença! Participe!

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  10. Amigo poeta, adoro! Aqui em BSB tanto faz ser inverno, outono ou verão... só há duas coisas (como vc outrora brasiliense, sabe bem): 4 meses de chuvas e 4 de seca. Agora a seca tá castigando. Mas tenho lembranças de outonos no sul, já gélidos. E sinceramente não gosto de lembrar. Os dias frios ou cinzas (cinzas, geralmente no outono)me faziam entristecer. Esses dias costumam trazer reclusão e dias solitários no sul. Não suporto. Beijos!

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  11. Que canal é este que teus textos estão tomando, meu caro? Não se recorda de que por detrás dessa tela há um leitor em sentimentos também aflorados? Você está pegando pesado, meu caro. Sei se aguento essa barra não.

    Abraço forte, Eder.
    Continuemos...

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  12. A VIDA NÃO É ETERNA. NADA NESTE MUNDO É IMUTÁVEL...NÓS OXIDAMOS,FICAMOS MURCHOS E TOMBAMOS. É UMA REALIDADE PESADA MAS É A DE TODOS...RICOS E POBRES...UNS VÃO ANTES,OUTROS MAIS TARDE,TODOS TÊM A SUA HORA...TER A OPORTUNIDADE DE VIVER É UMA DÁDIVA QUE DEVÍAMOS APROVEITAR MUITO BEM.

    BEIJO

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