Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

domingo, 13 de outubro de 2013

A família encantada - Quinta página


Fauser levantou-se da cama, abriu a porta e espreitou pela fresta. O corpo da babá fulgia e de sua mão pendia uma varinha de condão. Minha fada madrinha! Fauser pensou alto. Voltou para a cama e adormeceu.
Mas essa noite não era como as outras. Após poucos minutos de sono, um barulho diferente fez com que Fauser acordasse. Ainda esfregando seus pequenos olhinhos com sono, foi à janela, e, arregalando os seus olhos de jabuticaba além da grade de proteção, não acreditou no que estava vendo.

Uma formiga levantava a porta da garagem!

A formiga, amiga de infância de Cacau, estava atarefada. O Senhor do tempo havia a encarregado de buscar uma solução para  vida sem amor que Cacau e Mel estavam levando. Mas, para isso, era preciso que forças fossem unidas. A formiga precisava encontrar os três objetos inanimados que mais amavam àqueles dois cabeças-duras! E, na garagem da casa,  achou a bola de capotão descosturada numa caixa de sapato, a bola de gude como olhos de uma das bonecas de Mel e a bicicleta entre os ferros velhos.

- Que desperdício! Mas, não há tempo para lamentações! O portal não abre muitas vezes e ainda há muito que fazer! O que vocês estão precisando é de água para encantarem. E, conforme ia dizendo essas palavras, as três receberam os esguichos de água vindos da mangueira do jardim.

O encanto começava a fazer efeito. Sacudindo-se tal qual cachorro, a bicicleta reviveu; a bola de capotão, apesar de descosturada, espirrou dando sinal de vida; e a bola de gude saltou do olho da boneca e saiu rolando pela grama molhada, deixando um rastro de alegria.

 As três disseram em uníssono:

- Você voltou!!!

- Sim, sim, mas não temos tempo, aliás, temos o tempo que o Senhor do tempo nos concedeu. E é pouco, muito pouco, mas pode operar milagres na vida dessa família. E pensar que Cacau e Mel eram tão atenciosos com vocês! Tsc, tsc, tsc... Tínhamos certeza de que seriam bons pais. Agora vocês me respondam, onde foi que eles erraram e entraram nesse caminho sem vida, sem alma?

A bola de gude, desde sempre a mais falante, e de longe a mais pessimista, fez um relato breve, sempre é claro, do seu ponto de vista:

- Mas ora essa, dona formiga, eu disse que os dois iriam nos esquecer. Essas coisas de homem e mulher atrapalham muito o discernimento das pessoas. Pois se acreditam, com toda a força, que para ser grande é preciso esquecer-se de quando era pequeno! E eu agora é que lhes pergunto: como eles podem criar uma criança se perderam sua essência?

A bicicleta, sempre suave e gentil, tão magoada que estava, resolveu participar também da conferência:

- Veja só, dona formiga, se é possível tal estapafúrdio: Eu aqui, linda, girassóis grafitados e azul da cor do céu, e eles comprando coisas que precisam ficar presas na parede! Fauser NUNCA nos viu! Acho mesmo que (agora ela está sussurrando, pois detesta fazer fofoca) jamais andou num selim de bicicleta!

A indignação foi geral. Um festival de "assim não dá", "isso precisa acabar", foi ouvido, até que, numa surpresa danada, a bola de capotão pede a palavra:

- Eu fui presenteado a Cacau no mesmo dia em que ele conheceu a Mel. Pude ver em seus olhos o amor brotando. E o amor é o gesto sublime que eleva os seres humanos. A vida, no entanto, os engoliu. Na máquina que, hoje, gira o mundo, não há mais tempo para ser feliz - a menos que esse artigo esteja à venda em uma prateleira, perto dos aparelhos eletrônicos.

E, esses subterfúgios escondem a triste realidade desse casal que, outrora, era criança: eles desaprenderam a amar. Esqueceram-se que é o sentimento mais completo, e, no entanto o mais simples de se dividir.

Continua quarta-feira às18hs00min


TEXTO DE ÁGUA E ÓLEO MISTURADOS

AUTORES:


Água: Déia Tolda

Óleo: Eder Ribeiro 

Imagem Getty Images

16 comentários:

  1. Oi Éder,
    Estou adorando, e assim é a vida na sua quase totalidade...
    Beijos
    Lua singular

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  2. Oi Eder

    Que lindo está o seu jardim com tão belas flores ornando-o.

    Tenho perdido muita coisa por aqui, mas nunca o caminho que me traz de volta.


    Beijos

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  3. Também pergunto-me, Eder, em que ponto deixamos nos escapar nossa essência infantil, nossa capacidade de valorizar o simples. Penso que uma das grandes lições a ser realizada a vida toda é perceber várias vezes o momento da entrega e o momento do resgate. Gosto do diálogo surreal. Um abraço aos dois!

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  4. Ainda há esperança pra essa família, né? Gostei dessa pequena revolução que certamente resultará na redescoberta do amor e de como ele precisa ser cuidado pra não ficar jogado num canto.

    Beijo, arigó.

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  5. Olá!Boa noite
    Éder
    Déia
    e no meio do festival de "assim não dá", "isso precisa acabar", todos tem um pontinho de razão, à seu modo de pensar, naturalmente...e embora a distinção seja mais simples em palavras do que na vida real, sugere espectro dentro do qual todos podem se posicionar: Lembrar se que muitas vezes nossas escolhas estão relacionadas à maneira que aprendemos e sentimos o amor na infância e pelo modelo de relacionamento que vivenciamos de nossos pais...por isso vejo esperança e assim, espero que Mel e Cacau , tranquilizando-os que não serão abandonados (bola, bicicleta, bolinha e Fauser)e nem deixarão de serem amados, que precisam de tempo para adaptarem-se com a nova situação....
    Aguardando a próxima
    Agradecido
    bela semana
    Abraços

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  6. o amor vai voltar...a formiguinha esta ajudando e Fauser vai ser FELIZ!!!
    adoro sta historia!
    bjos

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  7. É preciso sempre cultivar a criança que existe dentro de nós.

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  8. Que o encanto volte para essa família e para o restante do mundo. Perder a infância é muito triste. É não ter história para contar. Muito bem! :)

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  9. "Pois se acreditam, com toda a força, que para ser grande é preciso esquecer-se de quando era pequeno! E eu agora é que lhes pergunto: como eles podem criar uma criança se perderam sua essência?" Adorei... este conto está nos abrindo os olhos cada dia mais da importância de não nos deixarmos levar pela dureza do mundo... parabéns! Aguardo a continuação... :)

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  10. Nem tudo está perdido e que bom! Aliás, é forte isso: "desaprender a amar". Mas muito real, infelizmente. Abraços!

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  11. Oi Éder,bom dia!
    Relendo as partes anteriores do conto e assim pegando o fio da meada desta história familiar Acredito que possa haver uma reviravolta nestes personagens adultos fazendo-os perceber o quanto estão perdendo da beleza de viver a infância do próprio filho e reviver assim também a deles.

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  12. Toda essa modernidade tecnológica em que vivemos de certa forma contribuiu e contribui para um afastamento das coisas simples da vida na infância. Muitas crianças hoje sequer sabem o que é uma bolinha de gude, um jogo de fincas, construir com latinhas uma cisterna no quintal, um balanço de pneu... enfim, criar brinquedos quando não se tem. Somos levados cada vez mais a consumir felicidade de prateleira e ela é cada vez mais descartável. Triste isso...

    Estou apaixonada pela estória! Gr. BJ.!

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  13. Olá!Boa tarde
    Éder
    agradecendo pelo carinho da visita!Obrigado!
    Bela semana!
    Abraços!

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  14. A magia está voltando. E ela reside nos sonhos que abandonamos. Objetos que foram sinônimo de alegria estão adquirindo vida e, certamente, contribuirão para a volta do amor a esse lar. Abraço.

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  15. Nossa que lindo.
    E podemos refletir tanto sobre esse pedacinho!
    Espero que o encanto volte para eles! Beijos!

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  16. OI EDER E DÉIA!
    ENQUANTO PERMANECER EM NÓS ESTA ESSÊNCIA DE QUE FALAM, A DA CRIANÇA, NUNCA PERDEREMOS O QUE TEMOS DE MELHOR PARA PASSAR A NOSSOS FILHOS.
    MUITO BONITO.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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