Próbolo justificava o seu sustento de todos
os dias em um serviço maçante no comércio que pertencera a seu tio Phobus. A
sua permanente mudez o enclausurava no silêncio sepulcral. Atendia aos poucos
freguês que arriscavam enfrentar o frio rigoroso sem lhes dizer uma palavra, as
suas respostas eram por gestos, uma forma de se esquentar no clima gélido e
permanente. Nunca sabiam se ele estava triste ou alegre, se sofria ou não, pois
seu rosto estava emoldurado a mascara viva da indiferença, não lhe havia
feições.
Próbolo cerrou as portas do estabelecimento
mecanicamente, um ato contínuo do seu desespero por não querer ficar ali, mas
ele não sabia para onde ir, ainda mais que sair num clima daquele era
arriscar-se sem a esperança de sucesso na empreitada. Não sabia quem era, pois
seu tio pouco lhe falou do seu passado, apenas o suficiente para ele não saber
demais sobre o que ocorrera após a última grande guerra. Às vezes, era
conduzido ao passado pelas lembranças que vinham em sonhos, e elas eram esparsas. Apesar da sua sisudez, o freguês ia ao seu
estabelecimento por ser o único daquela Horda.
Próbolo subiu as escadas impulsionado pela
necessidade do descanso, passou pelo quarto de compartimento de armas e entrou.
Abriu a gaveta de souvenir revolvendo os objetos para tentar ser levado ao
passado. Retirou o punhal que seu tio lhe dissera pertence ao seu pai, porém um
buraco negro em sua mente bloqueava qualquer tentativa de lembranças. Levou às
narinas um retalho de pano grená que pertencera a sua mãe na tentativa de ser
levado ao passado pelo aroma, contudo, o cheiro já havia exalado. E assim, sucessivamente, dia após dia, as suas
tentativas de lembrar o que ocorrera com a sua família redundavam em fracasso. Avançou
os degraus da escada como se tirasse um peso das costas, enfim, ao chegar ao
quarto não se sentiu leve, pois os aborrecimentos diários eram um fardo que não
lhe saía da mente. Abriu a torneira, encovou as mãos debaixo da água gélida que
jorrava e as levou ao rosto, como de hábito não se olhou no espelho, enfiou a
cabeça debaixo da torneira deixando-a por alguns segundos, quando a retirou,
uma lamina de água se formou como se desse continuidade aos seus longos cabelos
lisos. Jogou-se na cama encharcando o lençol e umedecendo o colchão. Por mais
que a sua presença fosse sentida, até por ele próprio, o seu corpo estava oco,
não se sentia espiritualmente ali, prenúncio de que o pior estava por vir.
Levantou-se, não queria se sentir enterrado na própria cama. O sono não passa
de uma breve morte e o despertar não é para a vida, pensou. Foi à janela e
deixou os seus olhos se perderem na fronteira que separava uma Horda da outra.
O sempiterno inverno deixava as ruas desertas. Por incrível que pareça, todos seguiam
uma ordem não estabelecida, pois nos Estados não havia mais governo, um poder
supremo. Depois do ataque terrorista às Torres Gêmeas estadunidense e da
resposta a esse mesmo ataque, o mundo entrou em crise ética, moral, religiosa e
financeira. Com a queda das bolsas européias, a economia entrou em crise
derrubando todos os governos e levando os países a se digladiarem um contra o
outro. A guerra durou cinquenta anos, a mais sangruenta de todas, mais ainda do
que as guerras medievais. Sobre esses escombros, o mundo foi erigido, Deus
estava morto, Jesus não passava de uma história esquecida em alguma bíblia
carcomida pelo tempo que sobrou sob esses mesmos escombros. Algo impensado
aconteceu, o cristianismo estava morto. As pessoas só acreditavam em si mesmo e
o único combustível que as levavam adiante era para satisfazer as necessidades
físicas. O individualismo nunca fora tão perverso como estava sendo nessa era.
Estávamos na Era das Trevas.
Próbolo, por mais que se sentisse sozinho e
vazio, realmente não estava. Uma luz apagada vivia nele, intrínseca, esperando
o momento certo para ser acessa. Voltou à cama e tentou não dormir, receava que
os sonhos não preenchessem o seu vazio. Forçosamente, permaneceu com os olhos
abertos, porém, a luz interna foi acessa, chegara o momento dele se conhecer. O
sono, repentinamente, abateu sobre ele derrubando-o na cama.
Continua
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Muito legal, Éder, sou fascinada por contos, livros e filmes de ficção. estou escrevendo um conto de ficção também, mas ando meio com preguiça, mas tá lá, qq dia termino.
ResponderExcluirparabéns pela narrativa fluente e interessante, a gente lê avidamente e nem percebe o tempo, legal mesmo. bjs
Já no aguardo pela continuação, Eder. Abraço.
ResponderExcluirincrivel formidavel texto!!!!! aplausos!!!! e um beijao!
ResponderExcluirEder,um conto bem interessante!Gostei de sua narrativa e vou esperar a continuação!bjs e bom feriado!
ResponderExcluirOI EDER!
ResponderExcluirMUITO BOM.
VOU VOLTAR PARA CONTINUAR A LER.
ABRÇS
zilanicelia.blogspot.com.br/
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Eder, o template do meu blog não é de celular, ele é um papel de parede que peguei em um site.
ResponderExcluirdepois volto para te ler, hoje vou me dedicar ao meu filho.
Beijos.
Um momento ausente de si, em busca de respostas, confuso com a realidade que afetava bruscamente seus sonhos...tentando resistir ao conflitos, adormeceu vencido pelo cansaço de tão grande tormento. uma crônica real que narra a vida de muitos "Próbolos" por ai....
ResponderExcluirExcelente Eder...
Beijos e bom final de semana pra ti
A escrita parece ter corrido como um rio. A leitura foi intensa!
ResponderExcluirObrigada.
Que maravilha Eder!Parabéns por mais este conto bem escrito e que por isso mesmo nos deixa curiosos pra conhecer o seu seguir...Abraços e bom dia de Domingo pra ti!
ResponderExcluir.
ResponderExcluir.
. a tradução da memória . e um dia . a vida é um luxo .
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. um abraço .
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Oi, Eder, ora, vejam só, temos aqui mais um conto em capítulos...entendi bem ou a história se passa no que você imagina acontecer no futuro? É isso? Vou aguardar os próximos capítulos com certeza, um abraço!
ResponderExcluirOi Eder
ResponderExcluirNarrativa que nos prende, a leitura flui em um único fôlego. Uma ficção nem tão ficcional, o mundo em crise e a luz interna resistindo. Vamos ver os caminhos que o Próbolo seguirá.
Um beijo grande
Me parece um grande conflito este de Próbolo.
ResponderExcluirEnquanto lia, observava algumas palavras que não são comuns, você consegue sempre ideias interessante, nomes diferentes para os personagens, uma trama que promete um boa história.
abraço