Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Aonde o sol se esconde - 6ª Parte

     A policia estranhou quando viu nos vitrais da igreja focos de luz bruxuleando, posto que ordenara a companhia elétrica o corte do fornecimento da energia assim que começasse a investida contra o morro. O capitão ordenou a invasão à igreja, e, sem fazer perguntas, atirasse mesmo que ofendesse os ouvidos de Deus. A saraivada de balas ensurdeceu, seja os ouvidos humanos ou não. O primeiro tiro acertou a barriga do noivo, o desacordando; ele não chegou a ver a sua noiva cair morta próxima do altar. Aos poucos as pessoas na igreja foram caindo mortas, algumas se arrastavam sobre os corpos dos outros, assustadas, sem conseguir desviar das poças de sangue, preocupadas em se desviar das balas que zuniam sobre as suas cabeças. Assim que cessou os disparos, apenas um policial ficou na igreja para fazer o rescaldo, havia a necessidade de provas para justificar a carnificina. O noivo estava acordando com uma bala alojada no intestino, o padre rezava pelo milagre de estar vivo, o policial, no meio da fumaceira provocada pelos disparos, procurava por provas. O garoto ainda não havia chegado à igreja.
     Qual de nós nunca brincou de polícia e bandido sabendo quem era o bandido e quem era o policial? Qual de nós ao ver um policial fardado se sentia seguro, protegido?
     Decepcionado consigo mesmo por não ter sido capaz de se vingar, - sem saber se foi devido ao seu temor a Deus, ou se a conduta ética e moral incutida por seus pais na primeira infância, ou ainda, se devido a sua covardia – o garoto saiu em disparada pela porta traseira da igreja, sem desespero. O policial, em seu encalço, o seguia descarregando a sua arma. O garoto, mesmo com um AR-15, não revidava por saber ser inútil o revide, mormente se ele parasse seria presa fácil; contudo, ele sabia que a oportunidade de matar o policial ele teve na igreja, e não o fez. Serelepe, ele correu desviando das balas que zuniam sobre a sua cabeça. Apesar de o policial ser mais rápido, o garoto era conhecedor de cada rua do morro, e este conhecimento era o que ele precisava para se livrar da perseguição. Quase do seu tamanho, a arma lhe serviu de apoio quando sentou. Do alto do morro ele viu Cristo de braços abertos, inerte, como deve ser toda estátua.
     Silente, o helicóptero da polícia circundava o morro, porém, tanto audível como visível a qualquer sentido humano, o garoto não o percebeu, absorto em seus pensamentos, com os olhos fixo na estátua do Cristo no alto do morro.
     Amanheceu, e o sol surgiu forte nas bordas do céu iluminando todo o morro e deixando a mostra o quanto devastadora era a mão humana quando agia movida pela maldade. E quando se pensava que essa mão ia sossegar para contar os seus mortos, o reflexo do sol sobre o AR-15 do garoto luziu aos olhos do policial. O helicóptero retornou, e a mão ávida do policial engatilhou o seu fuzil com mira a laser. Bem perto dali, um traficante, com olhos e ouvidos atentos, percebeu o helicóptero e engatilhou a sua arma, também.
     As balas, anjos infernais, saíram pelos canos das armas e atingiram os seus respectivos alvos ao mesmo tempo. O helicóptero, dando volta em torno de si na descendência, ao atingir o solo explodiu matando todos os seus ocupantes. O garoto olhou para o Cristo Redentor, depois para o morro, e, enfim, para a opulência do asfalto, contudo não enxergou nada, pois a vida lhe estava sendo expirada. O traficante o pegou, o colocou sobre o ombro esquerdo e o ouviu pronunciar suas últimas palavras, “Pai, perdoa-os”. Ora olhando para o morro, ora para o asfalto, o traficante, com apenas uma mão, disparou sua arma prometendo vingança àqueles que mataram o seu filho adotivo, ou seja, todo e qualquer policial. Mal ele sabia que as últimas palavras do garoto não foram ditas para ele.
     Após chorar os seus mortos, o morro, silente, clamava para que eles fossem enterrados; sempre presente, o traficante o desceu carregando o garoto no seu ombro.

7 comentários:

  1. Trágicas cenas não tão distantes da realidade que bem conhecemos. Belo conto, Eder.

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  2. Amigo! Aqui a poesia é ainda mais marcante. Lindas frases ilustram toda a narrativa. A história nos tira do fôlego, é uma guerra no sentido mais amplo da palavra. Um cenário de sofrimento e violência retratas neste conto. A contar nos transferes para este mundo que se assemelha ao real... Aquele que, de uma ou de outra forma, conhecemos.

    Parabéns, escritor!
    Beijo

    "...o quanto devastadora era a mão humana quando agia movida pela maldade."

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  3. meu quridoEder, que mais posso dizer? pena que estas coisas terriveis, sao verdade
    um gde abraçO!

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  4. Ai,ai,ai, mesmo não sendo meu gênero favorito de leitura,posso afirmar que seu drama policial consegue prender minha atenção.
    Abraços,

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  5. Agora consegui postar, mesmo sem trocar o navegador...Coisas da Internet! Li os atrasados também e estou totalmente envolvida pela sua narrativa. Bjs.

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  6. ____________________________________________

    Histórias tristes que não são histórias, mas a realidade, que fere a vida, os corações e a esperança...
    Suas narrativas são fortes e envolventes, Eder!

    Beijos de luz e o meu carinho...

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  7. E tudo recomeça pois a revolta e o sentimento de vingança vai gerar mais matanças. É assustador e desesperador imaginar que há pessoas que já vivem nesse inferno da falta de esperança. É uma ilusão imaginar que essa realidade ficará restrita a guetos e aos morros. A cada dia, tudo isso está cada vez mais perto de todos nós.
    Beijokas.

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