Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Sem papel

A identidade torna os nossos atos significáveis. Essa rua não é a minha, as casas nem número têm, não vejo portas e janelas, manequins de cera se passam por pessoas, a comida é de parafina, o cachorro não late por ser de pelúcia, até o seu osso é de isopor. Às vezes duvido que eu realmente existo, às vezes penso que eu sou uma personagem caída de uma história, dispensada pelo autor por não dar nenhum significado à trama, nem para coadjuvante eu sirvo. Agora, andando por linhas tortas, não acho o destino certo. Às vezes eu me pergunto quem é o autor dessa história - Deus, quem sabe? -, se ela é a minha história, se a personagem que eu interpreto não é uma representação de mim mesma ou se sou eu que não sei com qual personalidade me significar, conquanto se eu perdi a minha própria identidade. Se sou péssima como atriz, pior sou conduzindo a minha vida.

O líquido das garrafas vazias não preencheu o meu vazio, a fumaça do cigarro não dispersou e nem encobriu a solidão que trago, sem sol e sem lua, até o meu céu é de papel crepom, ainda não sei como consegue sustentar as estrelas de tampinha de garrafa de refrigerante. Tampouco sei criar raízes em meu chão, afinal, ele não passa de um tablado. Na minha vida só cabe um cenário, os das ilusões.

Péssima atriz, não tive a oportunidade de representar uma tragédia shakespeariana, coube-me os papéis pequenos, símile à vida real, eu passo pela superfície, pelo litoral sem me aprofundar, amedrontada em encontrar a vilã ao invés da heroína. Desço do palco e dou pouca importância aos apupos, no camarim me perco entre mim e minhas personagens, porém, eu me sinto em casa. Retiro a maquilagem para permanecer no mesmo papel. A minha vida se refugia nas personagens que eu represento, fora do papel, sinto falta de uma platéia. Solitária, sigo representando um papel sem jamais ter dado uma identidade a personagem. À vida real não tive palco, não entrei em cena, sobrevivo na coxia. Desço...


Imagem: clique aqui

9 comentários:

  1. Angustias da vida. Um texto muito bem montado com imagens representativas e claras.
    beijos

    ResponderExcluir
  2. Nos altos e baixos da vida... Temos que aprender a sobreviver equilibrando na corda bamba.
    O que não podemos é perder a esperança em um novo dia... Uma nova cena que nos traga alegria!

    Tenha uma ótima semana!

    Um abraço carinhoso

    ResponderExcluir
  3. Fico surpresa e nem deveria, pq já sei a sua imensa capacidade com as palavras, mas sempre me surpreendo ao te ler. Sua criatividade e profundidade me encantam demais.

    Texto original e maravilhoso

    Beijos!

    ResponderExcluir
  4. Um texto para pensar,profundo e bem escrito...que andamos a fazer aqui? qual o papel de cada um ? que significado tem? vale a pena continuar? Quem sou eu? Para onde vou? enfim...tem pano para mangas...

    Gostei muito!

    Meu afecto.

    ResponderExcluir
  5. Você esta mais aparecida do que imagina!
    Eu eu gosto.

    Bj.

    ResponderExcluir
  6. Salve,Samaryna!
    Bom demais voltar aqui e poder me deliciar com suas gotas de profundas reflexões!
    A vida é mesmo uma missão com sentido alto de oculta indagação e só quem a valoriza consegue fazer essas perguntas existenciais cujas respostas nem sempre são visíveis aos nossos olhos,ao menos não as percebemos quando e quanto queremos.Por isso,pessoalmente,perfiro viver e sentir cada face das moedas que a minha me dá.
    Grande abraço pra você pensadora!!!

    ResponderExcluir
  7. Sendo a peça um drama ou uma comédia, sendo o texto triste ou alegre, eu aplaudo. Aplaudo sempre a sua forma de escrever, sou plateia, sou fã.

    E assim me identifico neste angustia do existir, do viver, do ser. Mas não teria esta criatividade de expressar o sentimento desta forma.

    Esse trecho está fantástico.
    "O líquido das garrafas vazias não preencheu o meu vazio, a fumaça do cigarro não dispersou e nem encobriu a solidão que trago, sem sol e sem lua, até o meu céu é de papel crepom, ainda não sei como consegue sustentar as estrelas de tampinha de garrafa de refrigerante."

    abraço

    ResponderExcluir
  8. Oi Samaryna! Sou a Deia, maninha do Eder - tudo bem? Já tinha visto seus textos por aqui, mas sempre venho na correria e acabo não me apresentando! Hoje, com um pouco (nunca muita!) de mais calma, consigo dizer-lhe que percebo pessoas que não se sentem confortáveis debaixo de suas próprias peles, e enxergam-se como a personagem de seu texto - fajutos atores de linhas sequer escritas. Estamos fadados, todos, à sensação de deslocamento, como se fossemos peças desinteressantes no cenário da vida. Acho que é importante relembrar-nos, constantemente, que mesmo não sendo Shakespeares (rsrs!) somos os melhores autores do roteiro de nossas vidas!
    Parabéns pelo texto magistralmente contruído, vejo que meu mano deixou o Gotas em excelente mãos!

    Com carinho, Deia.

    ResponderExcluir
  9. Olá,

    Nossa! Depois do depoimento da Déia, só me resta dizer que mergulhei fundo em seu texto...

    Abraços

    ResponderExcluir