Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Será so imaginação?

Mas, essa história de amor, de encontro de almas, união de gente, não começou aqui. O início está no Rumo à escrita, da Deia . Só lendo o começo do texto para entender por que tudo isso  terminou aqui (?)...


   Amanhecia gélido. Agora ela se perguntava que rumo escrito ou imaginado a sua vida daria. Mas que importância tinha isso, os rumos que damos a vida são imaginados por nós, e escrito também, no decorrer da própria vida, pelas marcas, pelos significados deixados. Se não, não somos personagem e autor de nós mesmo, mas de um livro qualquer, de algum escritor qualquer. Ela pôs os pés no chão certa que estava no céu, deslumbrava-se pelo encontro de si proporcionado pelo encontro na livraria. E pensar que na livraria só encontramos histórias de outros, sem perceber que a nossa, também, pode ser escrita ali. Então, ela pôs os pés no chão e percebeu que o som estava ligado. O descobrimento do Brasil, da Legião Urbana estava sendo cantada pelo Renato Russo: “A gente quer um lugar pra gente/A gente quer é de papel passado/Com festa, bolo e brigadeiro/A gente quer um canto sossegado/A gente quer um canto de sossego/Estou pensando em casamento”. No chuveiro, ele repetia a letra da música, sem cantar, como um mantra. O chuveiro estava ligado, o vapor da água embaçava o ambiente, ele, agora, cantava: “Eu sou rapaz direito/E fui escolhido pela menina mais bonita”. Ela que pensara nesta música como a realização do sonho de ter o príncipe encantado. O príncipe, e se ele virasse sapo, pulasse para fora da sua vida da mesma maneira que pulou para dentro, assim, repentinamente. Porém, ela sabia que os melhores encontros se dão fortuitamente, sem nada esperar deles, e pode ser dado, sim, por uma mão forte intentando segurar a porta do elevador, por ser essa mesma mão dona de um corpo másculo que traz intrínseco uma alma doce, feminina até, intrépida ao se mostrar assim, fêmea, extrínseca. Pode ser dado, também, por duas mãos percorrendo a lombada do mesmo livro, afinal, como sua mãe disse-lhe, são os livros que nos escolhe, e se aquele os escolheu, mais do que para ser lido, foi para inspirá-los a escreverem as suas próprias histórias. Ela sabia disso, como sabia também que ele está embaixo do chuveiro, tomando o seu banho para depois, envoltos em lençóis, se darem ao amor como dois adolescentes apaixonados, novamente.
   Depois de cinco chopes a mulher não é mais a mesma. Será? Ela não foi.
   Eu não fui, pensou em voz alta. Continuou pensando, sem verbalizar. Fui eu quem o convidei para o chope, fui eu, também, quem o convidei para estar aqui na minha casa embaixo do chuveiro, depois de um dia e uma noite de amor – riu descompromissada. Quem sabe foram dois dias, nem eu mesmo sei se primeiro foi o dia, depois a noite, quanto mais quantos foram. Quando amamos, somos dadas ao esquecimento às coisas pequenas – perguntou-o sem obter respostas. Mas que importância tem isso, ele está aqui, ele é meu, isso sim é que importa. Nada perdi entre esses lençóis, dei foi um rumo diferente a minha vida, o amor sendo escrito em meu corpo virgem – riu impudicamente – por gotas de poesias, um tanto prosaica, mas escrita por ele. Meu Deus! Porque nós mulheres analisamos tanto os nossos relacionamentos. Ufa! O amor! – disse por fim.
   Coisas de imaginar. Era assim que ela dizia ao terminar de ler um livro. Ela não sabe a quantidade de vezes que leu Romeu e Julieta e imaginou um final diferente, os dois felizes para sempre; ou então Dulcinéia de Toloso se rendendo aos braços de Dom Quixote, após este sair vencedor em todas as batalhas. O homem certo – pensou ensimesmada – deveria ter um par de sapato de cristal, uma boa carruagem e bons livros para a sua amada. A vida seria um conto de fada sem as tragédias shakespeariana, ou as batalhas cavalariças de Cervantes.
   Então, ela pôs os pés no chão certa de que estava no céu, e não caiu. Despiu-se. Entrou debaixo do chuveiro e ele segurando com as mãos fortes cada gota de água, desenhou sobre a sua pele as curvas do seu corpo. Trêmula, ela o sentiu desbravá-la geograficamente. Relva, fenda, montanhas, campos e rios, rios e mais rios. Rios de dentro dela saíam. Os dois em um só corpo entrelaçados pelas almas, sem saber qual alma era de quem, pois até nisso eram iguais. Olharam nos olhos um do outro e se viram como estrelas lucilando em céu de apaixonados coberto por nuvens de algodão-doce. Ela disse, melíflua, eu te amo; com a mesma doçura, ele a repetiu.
   Ela foi a primeira a sair do banho, feliz. Passou a mão no espelho do armário do banheiro para desembaçá-lo. Não acreditou na imagem que estava vendo. Virou-se, gotas nada poéticas desabavam do chuveiro no chão do banheiro, tomando o rumo do ralo, límpidas, sem nenhum corpo entre elas. Onde ele estava, se perguntou.
   “Ta tudo morto e enterrado agora/Já que também podemos celebrar/A estupidez de quem cantou/Essa canção”. Melhor dizer de quem escreveu esta página. Não, não era a minha vida que estava sendo escrita, pensou ao cantar trecho da música Perfeição da Legião Urbana.
   Da parte que me toca, ela pensa que alguém escreve nossa vida, traça nosso destino, como se as intempéries não fossem fruto das nossas escolhas.
   Ela jogou algum objeto pontiagudo na tentativa de acertar este escritor, pois achava que o rumo escrito da sua vida estava em outra página, em outro sítio. Pobre tola, não se situou.
   Tresloucada, desvairada, ela gritou alto e mais. A sua voz saiu entre a fresta da porta até se perder distante em um tênue murmúrio: Onde ele estava.
   O livro. Sim, o livro. Ele me provará que ele é real. Qual era o nome mesmo? Esqueci. Mas mesmo que eu lembrasse o nome, não o acharia. O livro não existe, porém, isso não prova que ele também não. A livraria, ele pagou com cartão de crédito. Vou lá e constatarei a sua existência, e a do livro. Como? Se onde eu moro e trabalho só existe uma velha biblioteca repleta de alfarrábios. Eureca. O local onde nós trabalhamos. Se ele estava no elevador é porque trabalha lá, ou não? Oh! Meu Deus, porque estou me torturando tanto. Eu não passo de uma quitandeira, uma gata borralheira a espera do meu príncipe.
   Chorosa, ela não percebeu a janela entreaberta. O dia passara rápido, ou a dor da perda o fez passar. Anoitecia e as luzes do bar estavam acesas. Desmiolada, ela vestiu a roupa mais próxima que encontrou e tomou o rumo do bar. Se tivesse demorado alguns segundo para atravessar a rua, ela teria sido atropelada. Perguntou a um, dois, três, dez e obteve sempre a mesma resposta. Não. So-zi-nha, lhe disse o dono do bar, soletrando a palavra, acentuando as vogais por conta própria. Como sempre, quando você entra e sai do meu bar, enfatizou.
   Lerda e lesa, ela atravessou a rua sem perceber o farol alto do carro iluminando o seu rosto, desviando à direita para não atropelá-la, e entre impropérios ditos pelo motorista e a cantada do pneu motivada pela frenagem, ela passou incólume, sozinha e solitária.
   Ao chegar em casa foi direta ao quarto e não percebeu os embrulhos na cabeceira da cama. Retirou o vestido e com o mesmo enxugou as lágrimas. No rosto trazia um olhar sofrido e entristecedor. Esquecera de desligar o som, e não tinha certeza se tinha fechado o registro do chuveiro, pois a água escorria a rodo. Aproveitou a ocasião e foi jogar água no corpo para aliviar as amarguras. Sentiu o corpo ser envolvido por uma aura cálida, imaginou ser o vapor da água quente. Porém, abraçada ao seu ventre estavam as mãos fortes que não deixou a porta do elevador fechar, as mesmas mãos que percorreram a lombada do mesmo livro que as suas mãos, também, percorreram. Ela tentou se desvencilhar dos seus braços, contudo ele a apertou mais para próximo de si. Suavemente tocou no seu queixo, inclinando para trás o seu rosto. Com o dedo nos seus lábios requereu silêncio, com os seus lábios nos dela ele o obteve. Seus corpos exsudavam eflúvios aromáticos de prazer que ao misturarem-se a água fazia do banheiro um jardim de apaixonados.
   Após se darem ao prazer corpóreo, ela conseguiu se desvencilhar dele. Pegou o pote de creme para o cabelo e o derramou, encheu-o de água e jogou no espelho. Desembaçado, a imagem no espelho estava indecifrável devido à água. No rádio Renato Russo cantava: “Será só imaginação?/Será que nada vai acontecer?/Será que é tudo isso em vão?”. Ela saiu do banheiro e desligou o som e começou a cantar, modificando a letra, O descobrimento do Brasil: “Eu sou moça direita/E fui escolhida pelo menino mais bonito/Estou pensando em casamento”.
   Ele encostou-se ao batente da porta do banheiro e perguntou:
   - Tá mesmo?
   Ela nada disse, no entanto os seus olhos diziam que sim, o sorriso no rosto também, o corpo trêmulo idem, a alma não precisou dizer, ela já expressara no banheiro. Foi neste momento que ela percebeu os embrulhos, ele com gestos a pediu que os abrisse. Ela, fazendo gestos com ombros, queria saber qual. Ele apontou o da direita. Estupefata, ela se viu diante dos dois livros de Ricardo Neiva, A rede do amanhã, autografados. Ele piscou para ela e apontou o embrulho da esquerda. Queria abrir o do meio, então ele foi até o embrulho apontado, abriu-o e lhe mostrou o par de sapato de cristal, coube-lhe como uma luva. O último pacote, ele pediu que ela abrisse com cuidado. Era uma caixa de bombom com um coração, escrito no meio: Eu te amo. Ao abrir ela foi surpreendida com dois estojos pequenos. Em um deles havia um diamante, no outro um par de alianças.
   Ele abriu o acortinado, ela viu pela janela entreaberta o céu de um azul intenso, vivo e estrelado; a lua lucilava, clareando a noite tal o sol o dia. Feliz ela abaixou os olhos e viu uma carruagem na porta da casa. O cocheiro perambulava de um lado ao outro da rua sem dá importância ao céu. Então ele disse:
   - Vamos. Apronte-se que o cocheiro está impaciente.
   E não importa para onde eles vão. Deste encontro, somente pode ser para a felicidade o rumo. Á escrita este destino estava traçado, não por um Deus, mas por uma Deusa, melhor, como ela gosta de dizer, por uma Deia.




   



 
    

15 comentários:

  1. Gente...não é que vocês fizeram um dueto a altura de um Chico e Tom...Toquinho e Vinicius, Gordo e Magro, Pelé e Tostão, Simon e Garfunkel, Kleiton e Kledir...
    Amigos...tirando a brincadeira só posso elogiar vocês pelo presnte que nos deram, acho muito bacana essa doação de palavras...essa doação de idéias, principalmnte quando elas se complmentam com tanta sintonia...sabe...não sei explicar...mas eu senti a alegria e o orgulho, a admiração e o contentamento que um nutriu pelo outro nesta interação, isso fica claro no próprio conto...pois as palavras e asidéias foram s encaixando...
    Ahhh..pra vocês dois o meu carinho e admiração redobrados...
    Tem mias dessas por ai...rsrsrsr
    Um abraço e um beijo na alma de cada um...

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  2. Manoamigo, o que dizer? Corri para casa pois não consegui acessar meu email da rua, e agora estou aqui, encantada com suas palavras. Um calor sobe pelos meus braços, como se estivesse na pele da nossa doce menina. Ficou lindo! Imaginar que essa história toda começou dentro de você e nós a fizemos juntos! Seu menino é um príncipe, sapatinho de cristal e carruagem incluídos! A imagem ficou perfeita para o que o texto conta! Você mergulhou no meu mundo encantado como só os que são seguros sentem-se à vontade para fazer. Obrigada, muito obrigada, mil vezes obrigada! Espero que essa parceria possa ser repetida muitas outras vezes!
    Sua manamiga que muito lhe admira, Deia.

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  3. Muito boa a sua história. Não li a outra história, mas por aqui a sensação que me passou foi algo como o filme Mulher Invisível.
    De qualquer forma não importa muita coisa, se o caminho é a felicidade.
    Um beijo

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  4. Ah esqueci de comentar que os trechos das músicas escolhidos são ótimas, embora eu seja muito suspeita por gostar muito de Legião!

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  5. Boa escrita e grande satisfação.
    Que delíciaaaa!
    Abraços.
    ____
    legal o novo modelo, maneiríssimo!

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  6. Ai que susto você me deu! Coisa de homem. Quase deixou a pobrezinha como louca desvairada para (ainda bem) depois transforma-la em princesa de contos de fadas. Um belo conto de fadas escrito por dois feiticeiros das letras.
    beijos

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  7. Meu Amigo... que dádiva!
    Como eu disse para a déia, apesar de andar afastada do blog, não me contive em vir apreciar a riqueza dessa parceria maravilhosa que vocês fizeram.
    Ficou simplesmente divino!
    Vocês dois tiveram uma brilhante sintonia.
    Que venham mais e mais encantos assim para nos surpreender e iluminar a inspiração!
    Beijos com carinho e admiração

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  8. Uau, que sintonia! Gosto de textos compartilhados. Guardam segredos e surpresas. Parabéns. Quero mais, rsrs!

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  9. Vou lendo e pensando na criatividade, na imaginação, na fluência das ideias, na narrativa que prende.

    Intercalando as músicas, os pensamentos que vão e volta, a realidade, a imaginação, os sonhos e desejos...tal qual me sinto às vezes.

    Pretendo voltar para reler e ler o blog de Deia.

    abraço

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  10. Olá meu caro Éder Ribeiro, cheguei aqui através da amiga Deia, seguindo as pegadas dessa linda parceria e que prazer! Encontrei aqui algumas amigas comuns (Marliborges, Isadora...), que legal vou estar sempre aqui, parabéns pela sensibilidade e qualidade dos textos.

    PS: Estarei te likando lá no dimenor.

    Forte abraço

    C@urosa

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  11. Menino querido! Que show de texto! Ambos foram muito felizes em todo ele! Aproveito pra deixar um abração pelo dia do escritor! Pois é, existe essa data tb (kkk) Beijokas, e de novo e novo, parabéns! ;)

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  12. Manoamigo, vim ler mais um milhao de vezes, e, a cada nova vez, percebo um detalhe novo, uma nuance que nao havia percebido antes. Como a historia completa ficou linda! Como tudo se encaixou! Senti pena dos momentos de desespero dela, mas, o que importa, se depois ele voltou e a suspendeu no ar? Sapatinhos de cristal e anel de diamantes, carruagem com cocheiro esperando! Um grande beijo dessa que e sua profunda admiradora, Deia.

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  13. Olá,

    A Déia me trouxe até aqui, rsrsrs...mas valeu a pena. O final foi surpreendente!
    Volterei mais vezes,
    Abraços :)

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  14. Eder, a sintonia foi rica! A Déia teceu um romance inusitado, desses avassaladores, que não se explicam, e ninguém quer ouvi-las. Basta vivê-lo.
    Você percorreu um outro caminho, não menos romântico, mas recheado de surpresas. No meio do caminho já pensei que iria fazer a "mocinha" surtar. Depois, após desnudar sua paixão avassaladora, a trouxe de volta, na doçura do romance.

    Vocês dois são fantásticos. Sabem a arte de encantar tecendo palavras!

    Olha que um dia desses me animo a escrever alguns contos, típicos dos matutos mineiros. Quem sabe. Inspiração, em vocês, é o que não falta!

    Abraços!

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  15. Só agora estou conseguindo ler com mais calma essa incrivel parceria,parabens é pouco... Obrigado!

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