Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quarta-feira, 14 de julho de 2010

As histórias que o meu avô contava - 2ª PARTE

   Fevereiro de 1963 foi um dos meses mais quente do verão daquele ano. Fazia trinta graus na sombra, a cidade em peso estava no rio para refrescar. Armésio armara uma torre de madeira na margem do rio e instalara seus altos falantes, estava praticando seu hobby favorito. Tirava pilhéria do padre José, e este, devido sua sisudez e ignorância, espantara o coroinha que o ajudava e estava à procura de um outro até o substituto chegar. Deco, num dos momentos que saía de dia, destoava de todos. Trajado todo de preto, ele declamava um poema intitulado de a morte depois da vida. Era uma balburdia intensa, quanto mais ele gritava para ser ouvido, mais as pessoas vaiavam. Mas quando o ônibus vindo de Xique-Xique passou as margens do rio, Deco, finalmente, conseguiu declamar seu poema, pois toda a cidade havia se dirigido para a rodoviária, em busca de notícias para fofoca de fim de semana. Todos ficaram espantados quando um sujeito exótico, vestindo roupa multicolorida e espalhafatosa, com um andar para lá de feminino, desce, e mais espantados ficaram quando souberam que ele estava procurando o padre. Surpresos ficaram ainda mais quando descobriram que ele era o novo coroinha vindo a pedido do padre José, e indicado pelo padre Pedro da cidade de Sítio do Mato. As más línguas diziam que daquele mato saía coelho. Seu nome era Dandim.
   Agosto de 1964, como legítimo baiano, curtia uma boa preguiça deitado na rede, quando fui acordado pelas piadas preconceituosas e pejorativas, vindas do alto falante do Armésio, sobre padres. Ele fazia isso de propósito, pois sabia que naquele horário o padre José passaria pela sua rua em direção a casa de Dandim para almoçar. Se um estranho visse a reação do padre José se espantaria, para nós de Barra a sua reação era normal, pois acumulador de inimigos, o padre os juravam de morte. Assim ocorreu com Deco um mês atrás. Vítima das brincadeiras de dois adolescentes, sabedores que ele era homofóbico e que Dandim nutria-lhe uma paixão, os pústulas surrupiaram um dos seus poemas e imitando sua letra induziu Dandim a ir ao seu encontro. A reação de Deco foi como de todo homofóbico. O surrou até perder suas forças. Padre José só veio saber três dias depois do ocorrido quando Dandim, depois de ter sumido, apareceu com algumas escoriações. Neste dia o padre fez um dos sermões mais duro. Seu ódio por Deco tomou proporções imensuráveis.
   Pés ao vento e o resto do corpo enterrado na rede, fui acordado por latidos de cachorros que perseguiam uma carroça adentrando a cidade vinda de Mansidão. Minha sombra na calçada indicava que eram dezessete horas. O padre deveria estar atrasado, pois além da batina, ele estava com a estola branca e em passos apressados. Ao passar pela carroça, o sujeito que estava com as rédeas nas mãos não o percebeu e deu uma cusparada na sua estola. Mal chegara na cidade e fora, infelizmente, encontrar quem mais tinha tendência a arranjar desafetos. O sujeito, a primeira vista, me pareceu estranho. Ele tinha o hábito de mascar fumo e, devido a isso, uma cusparada gosmenta e volumosa de cor escura. Ao representante de Deus a mancha, deixada em sua estola branca, foi motivos para fazer daquele simples homem seu inferno. Esbravejando, o padre lhe fez juras de morte. O sujeito, sem entender o motivo da reação do padre, desceu, juntamente com sua mulher, e se apresentou. Para mim foi fácil me afeiçoar a ele. Pescador desde criança, ele gostava de pesca submersa. Seu nome era Evilásio e de sua esposa Evidália.

11 comentários:

  1. Estas histórias de avô são das boas, e você lá vai contando-as com maestria.

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  2. Vou esperar a continuidade, está muito interessante essa história.
    beijos

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  3. Eder, ai que delícia!!! Junto o meu banquinho ainda para mais perto, pois não quero perder nem uma letrinha. Me sinto assistindo a Roque Santeiro! E pensar que tudo isso contado pelo seu avô... Eita, que avô bom! E esse pescador novo, hein? Nomes parecidos, dele e da esposa! Fico imaginando a criatividade para dar nome aos filhos! Conta mais? Um beijo, Deia.

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  4. Estou acompanhando a história (1ª e 2ª parte), já imaginando a sequência. E é uma pena que eu não tenha tido essa rica oportunidade de ouvir "causos" de um avô. E o melhor de tudo é que você "conta" tudo isso, de um jeito envolvente, típico de um escritor acostumado a traduzir a vida que pulsa na riqueza da simplicidade.

    E como é gratificante o neto lembrar-se e apaixonadamente fazer reviver!

    Continuarei acompanhando (mesmo saindo de férias, volto depois para conferir, com certeza!).

    Um grande abraço, Eder.

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  5. Olá amigo Éder!

    Faz tempo que não venho aqui e que agradabilíssimo encontrar este texto tão bem elaborado e escrito!

    Os casos contados por nossos avós tem sabor de tempo, como numa tela pintada, repletas de nuances de cores e detalhes que nos escapam hoje em dia, e sua forma de escrever é primorosa.

    prazer em ler-te!

    Abraço.~

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  6. Uma boa história outra vez. Ah, me deu até vontade de bebiricar uma pinga, sentado num bar desse de beira de estrada e com uma luz vermelha na porta e papear a noite toda com uma boa daquelas no colo.
    Hahahahahahaha, não sou de ferro, oxente!
    Abraços meu rei.

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  7. Pena pai que eu nasci uma ano depois de ele ter morrido, não conheci o bisa. Bjos. dessa sua filha que te ama muito.

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  8. Vc e suas histórias curiosas, Eder.
    Nossa, acho mascar fumo um hábito tenebroso... rs.
    Vc fez eu me lembrar do livro - que virou filme - chamado "A Vida Secreta das Abelhas", que tinha a guerra civil como pano de fundo, e uma negra apanhou e foi presa por mascar fumo e cuspir nos sapatos de uns caras brancos.

    Ótimo livro!

    Beijo grande!

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  9. OLÁ,
    Passo pra desejar-lhe ótimo fim de semana e dizer-lhe que há um selinho especial de gratidão pra vc amanhã.
    Fique com Deus!
    Abraços fraternos

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  10. Eder estou por aqui acompanhando as histórias contadas por seu avô e agora repassadas por você.
    Gosto muito desses causos e agora quero saber o que o casal veio fazer na cidade.
    Um beijo e bom final de semana

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  11. Lendo esta segunda parte para ir ler a terceira. Acompanhando atentamente.

    Interessante os nomes das pessoas.

    Li o comentário da sua filha, legal, não é mesmo?

    abraço

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