Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sexta-feira, 16 de julho de 2010

As histórias que o meu avô contava - 3ª PARTE

Evilásio, com o excedente de sua pesca, oferecia para algumas pessoas os peixes, dentre elas estavam eu, Deco e Armésio. Ele tentou doar para a igreja, mas a mancha na estola maculou também a alma do padre, portanto ele recusou a doação. Não demorou muito para eu, Deco e Armésio termos uma grande amizade por Evilásio, e ele por nós. Mas durou pouco a amizade, não por imposição nossa, mas por circunstâncias que fugiram de nossas possibilidades.
Estamos em setembro, época em que Armésio fazia sua viagem anual de visita a sua família em Barreiras. Antes de partir ele fez uma pergunta pelo alto falante e depois dela, nunca mais se ouviu sua voz. Ele queria saber o porquê do padre vestir vestido se a comida era feita pelo Dandim. Acho que desta vez ele exagerou. Eu, Deco e Evilásio fomos nos despedir dele no cais, mas ele não apareceu para o embarque no vapor Jansen Melo e nunca mais o vimos. Uma semana após o sumiço de Armésio, Evilásio convidou eu e Deco para uma pescaria, aceitei no ato, necessitava afogar as lágrimas e nada melhor do que o rio para se fazer isso. Deco recusou alegando que iria compor uma elegia ao amigo.
Deco mimeografou sua elegia em homenagem ao Armésio, nas entrelinhas acusava o padre pelo seu sumiço. Ao mesmo tempo, eu e Evilásio nos preparávamos para a pescaria. O local que nós iríamos era inóspito, por terra somente de carro, por água somente de barco a motor, como toda aventura precisava ser vivida com emoção, resolvemos ir de canoa. O melhor lugar para a pescaria era na região onde Dandim tinha uma casa de veraneio. Com todos equipamentos em mãos nós saímos, enquanto Deco saía para colar sua elegia nos muros da cidade. Já em águas, remando em busca, no rio, de água em movimento – sinal de que haveria pedras no fundo, esconderijo para caris. – percebemos que estávamos próximo à casa de Dandim, e alguns metros adiante encontramos o local certo para a pescaria.
Desci da canoa com água até o tórax e a ancorei. Eu mergulhei primeiro com um arpão preso a uma corda extensa, enquanto Evilásio ficou na canoa segurando a ponta da corda, caso houvesse um acidente eu daria um leve puxão e ele me resgataria. Visualizei um cari entre as pedras e lancei o arpão. Acertei-o em cheio, a água turvou pelo seu sangue. Emergi da água para puxar o arpão pela corda quando vi Evilásio estático na canoa. Olhei na direção que ele estava olhando, e para minha surpresa o padre cobria o corpo de Dandim com o seu corpo. Eles estavam nus. Nós os vimos e eles a nós. Surpreendidos, eles entraram apressados em casa. Minutos depois ouvimos ruído de arrancada de jipe. Continuamos a pescaria até tarde da noite. Evilásio não entendia, justo o padre, dizia. Expliquei-lhe que ele era humano.
Feixes de peixes nos ombros, cada um foi para sua casa, antes Evilásio me convidou para uma farofada de cari feito por Evidália. No outro dia como eu ia para Boqueirão em visita a um irmão, na volta eu passaria em sua casa e provaria o prato.
Ao chegarmos na cidade havia um alvoroço na rua. As carolas estavam arrancando as elegias coladas no muro por Deco. Despeço-me de Evilásio, pois no outro dia estaria de partida.
Ao voltar de Boqueirão fui direto ter com Evilásio, no caminho para sua casa senti estar sendo seguido, entrei na mata e fiquei espreitando, como não percebi nada, segui meu caminho. Ao chegar no meu destino encontrei Evidália aos prantos, ela me contou que depois que parti, Evilásio foi pescar e não voltou mais. Repentinamente chegou o padre com um recado do delegado. Encontraram um corpo no rio Preto, próximo de Santa Rita de Cássia. Evidália foi reconhecer o corpo, nem sei se chegou a fazer isso. Ela desapareceu, nunca mais a vi. Minhas suspeitas recaíram todas em Dandim. Passei a segui-lo. Desisti quando Deco mimeografou um planfeto contra o padre e o distribuiu no mercado desaparecendo logo em seguida. O delegado não quis investigar, pois, segundo ele, se não havia corpo, a probabilidade de crime era zero, não havendo crime, não havia o que investigar. Depois disso passei a seguir o padre.

11 comentários:

  1. Que padre mais FDP!
    Gosta da "brincadeira", mas não se garante e ainda por cima um puto inquisidor!

    Abraços.

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  2. Uma terra que nem Deus chegou. Ótimo conto meio mórbido, meio cômico.
    beijos

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  3. Amigo! Essa virada no rumo da história eu não antevi! Meu Deus, que tragédia! O que parecia ser brincadeira, implicância de gente de cidade pequena, virou assunto a ser resolvido na enxada. Nas águas do rio que tudo vê, mas nada conta. Confesso: meu coração está disparado. Ainda bem que decidi ler essa parte só agora, depois do almoço. Acho que nem teria almoçado. Pobre do seu avô! Ver os amigos sumirem assim, como se fossem trouxinhas de roupa... Caramba, agora coloca um pouco de café na minha xícara, preciso ouvir que destino o padre teve! Beijos!! Deia.

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  4. CADA COISA...CADA HISTÓRIA MAIS LOUCA...UM MUNDO DE CÃO...

    BOA NOITE

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  5. Oi amigo...isso é uma história baseada em fatos reais ou...
    Seja como for, o suspense agora ficou em suas mãos e nas mãos do padre..rs
    A coisa anda tão feia no Vaticano que os padres agora tem que tomar cuidado...mal sabem eles que o Eder está por ai...rs
    Um abraço na alma Eder...parabéns pela sempre narrativa em ritmo que nos embala a leitura...
    Valeu...bom fim de semana

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  6. Se esse rio falasse...
    Esse delegado aí, também. Não sei não, hein.
    Muuuuuito estranho.
    : )

    Beijos!

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  7. Só me resta aplaudir teu texto.
    Achei mesmo muito bom!
    parabéns!

    Abraço

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  8. Não sei explicar direito, Eder, mas estas tuas histórias me soam muito próximas, de alguma maneira, em algum manejo de traços, nos enredos, nas paisagens. o que certamente faz tudo tocar mais lá no fundo. Por isso sempre lhe digo o que digo.

    E eu entendi o sumiço dos teus amigos. E este padre é menos bento que se imaginava.

    Abraço amigo, amigo.
    Sigamos...

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  9. Olá, tenha ótimo Domingo e tem um post no dia 21 preparado para inserir seu blog. Fique à vontade em participar.
    Serenidade e abraços fraternos

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  10. Eder mais que história essas. Os amigos foram desaparecendo um a um e sem a menor explicação. Imagino o quanto seu avô deve ter ficado preocupado!
    Vamos a continuação.
    Um beijo

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  11. Fiquei pasma com tanta morte, com tanta perseguição....fiquei em dúvida entre o real e a imaginação do contista.....

    Uma boa narrativa, flui.

    abraço

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