Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

domingo, 25 de julho de 2010

O casamento do seu Pedro

Sempre ouvira dos meus amigos que a natureza fora benéfica para com minha família por não deixar no nosso corpo as marcas do tempo. Quando adulto meus amigos ao perguntarem minha idade, e ao respondê-los, todos, sem exceção, falavam-me que eu aparentava dez anos a menos. Portanto para não passar por mentiroso eu passei a contar meu primeiro aniversário aos 11 anos.
Após os 30 anos, os aniversários não tinham o peso que deveria ter por o tempo passar ao longe, e mesmo depois dos 30 envelhecer para nós era o bom de se viver, por isso cada comemoração era uma festa, seja do 1° ou do 93° aniversário.
Meu avô Pedro morto aos 93 anos, quando do seu 80° aniversário, fez de sua festa uma grande surpresa para todos. Nos comunicou que realizaria seu 3° casamento. Quando apresentou sua noiva houve uma balburdia intensa. A noiva era de menor, tinha apenas 40 anos. Uns dizia que ele enlouquecera, outros que estava senil, os mais ousados que estava procurando encrenca, e como na família tem sempre uma ovelha negra, o neto mais novo do vô Pedro assim disse: “Ele quer alimentar o apetite sexual dos vizinhos”. Todos caíram na gargalhada, apesar do constrangimento dos noivos.
Após os festejos fui ter-me com Seu Pedro, e constrangido, perguntei-lhe se o “dele” levantava. Sem entender o que eu queria dizer, ele respondeu-me que se levantava, pois estava vivo. Tentei ser mais loquaz sem o ser e disse-lhe: “Vô, o pedrinho ainda levanta?” O soneto saiu pior do que a emenda, e assim ele respondeu: “Aquele insolente do teu irmão tanto levanta que elevou a voz a tal altura que todos ouviram ele dizer que meu amor seria alimento para os vizinhos”. Para me fazer entendido eu tive que falar no seu linguajar, mesmo receando que poderia ofendê-lo, mas como eu era por ele bem quisto, ele me deu uma grande lição. Assim perguntei-lhe se ele ainda dava no couro.
Vivi com vô Pedro toda minha infância e começo da minha adolescência, e durante todo este período quando ele queria me contar um dos seus causos, pegava um banquinho que ele chamava de tamborete e mandava eu sentar. E desta feita não fora diferente.
“Pelé, assim por ele eu era chamado, senta no tamborete que vou contar como reconhece se o cabra é macho ou não só de olhar para sua casa”.
Sabendo que ele era um bom mentiroso, e para não demonstrar que eu sabia, fingi surpreso e lhe perguntei: “Como assim vô?” Respondendo-me que os jovens coloca o sexo antes do amor, onde deveria ser o contrário, e por amar muita sua nova mulher, já bastaria para certificar que ele dava no couro, mas sabendo que os jovens dão pouco crédito ao que os mais velhos falam, ele iria contar o seu causo e assim eu teria certeza de sua macheza.
Acomodei-me melhor no tamborete e prestando muito atenção ele começou a falar que dividiria a casa em garagem, sala, banheiro, cozinha e quarto, e se na garagem ao invés de um carro houvesse uma espreguiçadeira, ali naquela casa o macho não dava no couro, pois ao invés dos afazeres do amor ele perderia tempo lendo, descansando ou escrevendo na dita cuja e com toda certeza se achava um poeta ou conhecedor das letras. E acrescentando me disse que na sua casa, na Bahia, não havia carro e muito menos espreguiçadeira. Na sua analogia ele começou a falar sobre a sala dizendo-me que se houvesse um sofá com um “ó” bem fundo no lado esquerdo e direito, e se os braços do mesmo estivesse engordurados e gastos, certamente naquela casa o cabra não era tão macho como se supunha, pois o mesmo ao invés de nutrir do mel do amor, de pijama, ele passava a maior parte do tempo sentado no sofá assistindo tv para nutrir informação para seus escritos e com certeza se achava o melhor cronista e sabia tudo relacionado ao meio artístico, e do amor, bem, pouco conhecia. Ele nem precisou falar que em sua casa não havia sofá e que ele detestava tv e muito menos queria saber qualquer coisa relacionada ao mundo artístico, isso eu sabia desde pequeno. Após uma pausa para água, Seu Pedro disse-me que se na porta do banheiro houvesse um tapete e após sair do mesmo o cabra passasse o pé no dito cujo, ou ao sair, deixasse a tampa do vaso abaixada, era porque ele mijara nos pés ou mijara sentado, e em quaisquer situações o cabra de longe não seria macho. Após esta analogia eu o peguei, pois sabia muito bem que quando ele saía do banheiro a tampa estava abaixada. Ele riu e me disse que quando conheceu minha avó, e perguntando-lhe qual a maior qualidade que ela via num homem, ela lhe disse que era, ao mijar, o homem levantar a tampa, abaixá-la, dar descarga, e principalmente lavar as mãos. O que ele fazia por amor acabou virando hábito. Assenti que sim, pois isso foi passado de geração a geração.
Não demonstrando nenhum cansaço ele me disse que se um cabra passasse longe de uma cozinha era porque ele conhecia pouco da arte de amar e se assim agia era porque nada tinha de cabra muito menos de macho, pois a melhor forma de conquistar uma mulher era pelo paladar. Portanto se não conhecia a arte de cozinhar não conhecia as artimanhas da conquista, não conhecendo ambas, o cabra era um pústula. “Sim vô, eu sei, você é um excelente cozinheiro”. Assim respondi-lhe quando me perguntou se ele era cabra macho ou não.
Satisfeito que eu o estava compreendendo e que ele falava a verdade, passou para o último cômodojacarandá e reforçada, era porque só a usava para dormir e nem adiantava eu lhe dizer que as artimanhas do amor não se faziam somente na cama, porque para ele a melhor forma de amar era na horizontal e num colchão macio. Como eu sabia que em sua casa a cama além de ser de jacarandá, era reforçada e, portanto com as analogias por ele feitas estava mais do que provado que ele era um cabra macho que dava no couro.
Antes que as más línguas falassem, após esta conversa com meu avô Pedro, eu percorri várias lojas de móveis para comprar uma cama de jacarandá reforçada, fui achá-la depois de duas semanas, paguei uma fortuna. Como diz o ditado, o seguro morreu de velho.
Muitos e muitos anos se passaram e estava eu sentado no sofá, e, diga-se de passagem, com a tv desligada, lendo quando minha esposa adentra a sala e sem fôlego me disse que tinha uma surpresa na garagem. Logo pensei que ela havia batido o carro. Qual nada, antes fosse. Quando vi aquele objeto na garagem enfureci-me a ponte de querer quebrá-lo, mas educado como sou fui arguir com ela o motivo daquele infame presente. Disse: “Sua mãe ia jogar fora, então mandei reformar. É uma linda espreguiçadeira de jacarandá. O marceneiro disse-me que ela durará séculos. Assim amor, você pode ler e escrever confortavelmente”.
Nervoso o suficiente a ponto de ter um AVC, e já pressentindo que aquele presente era um aviso, mesmo com as marcas do tempo ainda não desenhando no meu rosto seus traços, mas com cabelos brancos o suficiente acusando minha velhice, fui até a cozinha, abri a geladeira e sem importar-me com os bons modos, sequei um litro de água pelo gargalho. Entrei no banheiro, sem me dá conta que a tampa do vaso estava abaixada e sem acender a luz, mijei quase o litro de água bebida. Acendi a luz e minuciosamente olhei para os meus pés e em volta do vaso e percebi que não estava mijando fora da bacia. Dei um urro de alegria, o “edinho” ainda era pau para toda obra.
Mulher assustada por em questões de minutos eu sair de um estado de braveza para um de euforia, perguntou-me se eu tinha visto passarinho verde. Respondi-lhe que tinha visto era um lindo cardeal que levantaria voos durante muito tempo. Minha filha sem compreender nada perguntou a minha esposa o que era cardeal, e ela lhe respondeu assim: “É um pássaro de cabeça vermelha com um lindo canto”.


*Seu Pedro, veio à luz a 30/01/1907, e foi à luz às 20:00 do dia 11/10/2000 ao lado de sua amada; viveu com ela 13 anos de puro amor.

11 comentários:

  1. Manoamigo, estou as gargalhadas! Nao sei quem e mais gaiato: voce ou seu avo! Alias, acho que ficou claro de uma vez por todas de onde voce aprendeu tanta gaiatice! Ah, que seu Pedrinho tenha aproveitado muito sua cama de jacaranda! Um beijo muito carinhoso, Deia.

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  2. Olá
    Passei para conhecer seu blog. Gosto muito de ler contos e esse que acabei de ler está excelente, pois nos desperta a curiosidade sobre o desenrolar da trama.
    Abços,

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  3. Ai Eder... jajajaja que lindo!

    Tu sabes que me encanta a tua forma de escrever e de descrever tudo ao pormenor.

    Que lindo esse amor que teu avô Pedro viveu aos 80 anos... Que lição de VIDA!!!

    Um beijo e continuação de um excelente domingo.

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  4. Olá meu caro amigo Eder, você me fez lembrar de meu avô Mariano, velho de bom papo e grandes histórias (ou será estórias?). Eu garoto, ele me levava para a beira do rio Paraíba para demoradas pescarias, eu acabava dormindo, ele, quase sempre, voltava para casa sem peixes carregando o neto dorminhoco, quanta saudade! Qualquer hora eu vou contar aventuras e desventuras no velho Mariano lá no dimenor, obrigado por avivar essas gostosas lembranças.

    forte abraço

    C@urosa

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  5. Caramba,
    Que canto do Car...deal!
    Bem narrado e emocionante.
    Seu Pedro sabia das coisas.
    Abraços.

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  6. Edão,

    hoje tô com uma dor de cabeça doida. Vou ficar devendo a leitura devida hoje. Outra hora apareço.

    Abraço forte.

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  7. É..o seu Pedro sabia mesmo das coisas!!! Belo escrever, Éder, parabéns!!! Uma boa semana :)

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  8. Seus contos como senpre muito bem elaborado muito humor e reflexão! Muitobom! Brigado pelo carinho com o Baú!

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  9. OLá amigo,

    Passando para agradecer sua visita.

    Obrigado por sua amizade.
    Valeu muito ter voltado e saber que tenho amizade tão compensadora como a sua.

    DEixo meu abraço e te desejo uma tarde cheia de muita luz seguida de uma noite maravilhosa.

    Deus esteja contigo.

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  10. Éder, uma liçâo e tanto deixada pelo seu avô. Imagino a sua cara ao ver a espreguiçadeira de jacarndá - rs.
    Um beijo

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  11. Eita Eder...meu avô ra uma figura também, não parava uma mpregada na casa de minha tia..ele não deixava, aliás ele até queria, elas é qu não aguentavam ele...rsrs
    Morreu aos 94...uma figura...mas deixou uma imensa saudade...era engraçado e tinha uma moral perante meu pai de causar inveja, tamanho era o respeito e amor que meu pai nutria por ele...
    Show de bola...adorei a menor de 40 anos...rs
    Um abraço na alma

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