Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

domingo, 11 de julho de 2010

As histórias que o meu avô contava

          1ª  PARTE
Meu avô, descendente de índios, tinha um fôlego inacreditável. Reza a lenda que um dos seus filhos foi fecundado embaixo d’água. O nado para ele dava sentido a sua vida. O seu hobby favorito era contar histórias. Vê-lo nadar e ouvi-lo era, para mim, contemplar a sua beleza. Após atravessar o Rio Grande para se banhar nas águas do Rio São Francisco, ele se inspirava, ao sair d’água me levava no colo até a porta da minha casa e sentado numa roda de carro de boi usada como mesa, embaixo do pé de amêndoa, convidava-me para sentar no tamborete feito de cedro com acento de couro de boi chamando-me pelo meu apelido de infância por ele dado.
- Senta aqui Pelé que eu vou lhe contar a estranha morte do padre José.
Estamos no ano de 1960 na cidade de Barra, interior da Bahia. Como toda cidade do interior tem tipos esquisitos, Barra não seria diferente. Eles chegavam dos lugares mais longínquos em todo tipo de transporte. Uns viam a pé, outros de carroça, poucos de carro, alguns de ônibus e a grande maioria nos vapores Benjamim Constant, Saldanha e Jansen Melo, que navegavam pelo Rio São Francisco. Juntamente com as mercadorias eram notícias na cidade. Quando o sujeito era muito esquisito, Armésio que, para não fugir a regra, também era esquisito, e veio de Boqueirão a pé, anunciava a chegada do dito cujo no alto falante colocado numa torre por ele construída. Quando o padre José chegou, vindo de Santa Rita de Cássia de carro, Armésio não fez cerimônias e anunciou a sua chegada tirando pilhéria, sem respeitar a batina e a autoridade do padre. Pagou caro pela sua ousadia. Nenhum dos seus filhos foi batizado ou casou na Igreja São Francisco de Assis, a única de Barra.
Um fato interessante aconteceu em fevereiro de 1962. Segunda-feira amanheceu nublada, nuvens carregadas cobriam todo o céu. O sol que era presença constante nas manhãs de Barra, naquele dia estava ausente. As horas passavam e nada das nuvens dissiparem, de repente a ventania trouxe um lençol de areia que, quem estivesse nas ruas, cegaria. A cidade emudeceu, todos, sem exceção, fecharam as portas e as janelas. Os cachorros latiam desesperados, as galinhas cacarejavam e batiam asas como querendo fugir daquele cenário apavorante. Os cavalos relinchavam e com suas patas socavam o ar. Ouvia-se barulho de galhos de árvores, arrancados pelo vento, batendo em portas e janelas. Repentinamente as nuvens desabaram. O temporal se instalou na cidade por horas enchendo o Rio São Francisco e o Rio Grande, dificultando o embarque e o desembarque nos cais. O vapor Saldanha, enfim, depois de horas, com muita dificuldade conseguiu ancorar no cais de Barra. Os marinheiros estavam extenuados. Neste dia insólito, vindo de Barreiras, Deco desembarcou do vapor. Todo vestido de preto, cabelos e barbas longas lhe cobriam todo o rosto. Dele só se via os olhos miúdos. Dizia-se poeta, mas para alguns era um louco, para a maioria era um tolo. De hábito noturno, passava a maior parte do tempo no cemitério. Ele dizia que as almas se encontravam à noite na igreja e deixava o cemitério para os noctívagos.

9 comentários:

  1. É muito bom ouvir as histórias de um avô. Gostei dessa primeira parte, Eder. Um bom final de domingo :)

    ResponderExcluir
  2. Caro amigo Eder;

    Se a primeira parte já foi excitante, imagino a segunda!!!.
    São velhas histórias que nos enchiam de medos e curiosidades quando crianças. Não tive a sorte de ter meus avós por perto para ouvir histórias que estou certo, só os avós sabem contar, mas este texto fez-me lembrar histórias que minha mãe contava e que escutava de seu avô.
    Meu bisavô foi o primeiro proprietário de barcos de transporte de mercadorias, animais, pessoas, etc,... em Manaus, isto na segunda metade do século XIX, empresa que foi se desenvolvendo e ficou na familia por três gerações, já com vários barcos no início do século XX. O meu avô faleceu ao leme do seu barco quando atravessava o rio em tarde de tempestade.
    Por isso lamento não ter podido escutar tantas e tantas histórias que ambos, avô e bisavô, teriam para contar.
    Um grande abraço, Professor e venha lá a 2° parte.

    Osvaldo

    ResponderExcluir
  3. Menino Eder, seu "vôzinho" tem boas histórias e nós, grande atenção para ler mais.
    Abraços.

    ResponderExcluir
  4. Bom demais ler as histórias contadas pelo seu avô, e escritas por você, parece até que me sentei lá debaixo da árvore e podia ouvir a história, e com a mente de criança, imaginando toda a cena, a transformação na natureza...até sorri.

    beijo

    ResponderExcluir
  5. No cemitério? Afe! Põe esquisito nisso..kkkk... esperandoa a seguna parte. Abraços!

    ResponderExcluir
  6. Oi Eder?

    Esse é o seu livro que você já está dividindo com a gente? Ouvi muitas dessas histórias na minha infância... muita gente maluca habitou nessas terras.

    Obrigada por colocar o link do meu blog aqui, parceiro.

    Valeu!
    Beijão.

    ResponderExcluir
  7. Olá Eder,

    que lindo...

    espero mais histórias do teu avô... ou tuas, porque tens muito jeito a contá-las!

    Obrigada pelo carinho.

    Um beijo enorme e que tenhas uma excelente semana.

    ResponderExcluir
  8. Oi Eder!! Nossa, já estou ansiosa pela segunda parte!!! Como será que a morte do Padre se deu? E esse tipo estranho, todo de preto, rondando o cemitério - credo! rsrs.
    Mas, de tudo mesmo, o prazer de vê-lo contando histórias que lhe foram contadas. Ah! Mas não por uma pessoa qualquer. Contadas por uma pessoa que teve uma importância imensa na construção do homem que você é hoje.
    Eh, história boa de ouvir, sentada debaixo do pé de um amendoa! Puxa mais um banquinho para mim, amigo, faço questão de ouvir a tudo isso de pertinho!
    Um beijo enorme, Deia.

    ResponderExcluir
  9. Que história essa contada pelo seu avô. Tem de tudo um pouco.
    Fico aqui aguardando o desenrolar.
    Um beijo

    ResponderExcluir