Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Escuridão


   "O que o panguá aí fez?" - Perguntou o escrivão ao policial militar. "Tentou roubar um civil e foi preso por ele." "Isso que é sorte. Deixa dá um olhada na cara desse sem-vergonha." – Disse o escrivão sem se importar com o erro ortográfico, e, ao dar um tapa de cima para baixo no queixo do suspeito, o reconhece. "Esse nóia de novo, com certeza usou um pitbul para aplicar o 157 no civil?" "Isso mesmo." - Respondeu secamente o policial militar querendo sair daquela delegacia, mas o escrivão, ao invés de abrir o B.O., queria inquirir o suspeito.
   Ela assistia toda a cena do corredor próximo à cela e não acreditou quando o escrivão deu um soco na boca do estômago do suspeito e em seguida uma paulistinha em sua coxa. Assim que o suspeito desabou no chão estrebuchando e as risadas dos policiais tomaram conta do corredor, ela saiu enojada da delegacia por não pactuar com aquela cena.
   Na rua ela puxou o seu Malboro e levou a mão ao bolso para puxar o isqueiro. Esquecera na delegacia e voltar não estava em seus planos. Pensou em acendê-lo com a arma, deu risada do absurdo. Mas bem que tentaria se o cigarro estivesse no dedo do escrivão. Com certeza, o dedo dele eu queimaria, pensou em voz alta. Alguns mendigos na praça do outro lado da rua estavam em volta de uma fogueira, ela se aproximou e pediu fogo. Eles olharam assustado para a arma em sua cintura e deram o fogo sem reclamar. A sensação prazerosa da fumaça sendo aspirado pela boca, saindo pelo nariz e se dispersando no ar lhe dava um alívio inenarrável.
   O sino da igreja avisando aos fiéis que a missa das oito da noite ia iniciar havia tocado, assustando-a por este hábito há muito tempo ter sido abandonado pela igreja católica. Alguns metros de onde ela estava uma imagem lhe chamou a atenção, uma criança de cócoras chorava compusilvamente. Ela se aproximou e viu um líquido saindo de sua nádega, pensou que era xixi, porém, ao aproximar mais, reparou que o líquido era mais denso e de coloração avermelhada. Não teve dúvida, era sangue. Correu em direção à criança, e esta assustada se encolheu toda.
   "Ele disse que Jesus entraria em mim. Ele disse que doeria, mas todos nós se quisermos encontrar Deus precisamos passar por uma provação. Olha eu tou sentido Deus, Jesus está tocando em minhas mãos. Tá vendo também moça?"
   Ela perguntou para a criança quem foi que disse aquilo e, antes de fechar os olhos, a criança apontou para a igreja. Desesperada, ela fez massagem cardíaca, respiração boca a boca para tentar ressuscitá-la. Mas já era tarde.
    Assim que o IML chegou, ela se encaminhou para a igreja com uma certeza inabalável, alguém teria que pagar por aquele crime.
   A igreja estava vazia, porém vozes sussurrando, uma grave, provavelmente de adulto, outra fina, sem ter muita certeza, achava ser de uma criança, mas também poderia ser de uma mulher, vinha do confessionário localizado atrás do altar. Ela se aproximou para tentar ouvir o que se falava lá dentro.
   "Não se preocupe, para encontrar Jesus há a necessidade do sofrimento, afinal, Ele sofreu para nos salvar. O derramamento do Seu sangue nos deu o perdão para os pecados humano, a entrega do Seu corpo a salvação celestial para todos nós. Por isso, tire a sua roupa e entrega o seu corpo para mim para que você possa encontrar a salvação, como representante de Jesus na terra, eu sou o único que pode lhe dar o perdão, para isso eu preciso entrar em você para que Deus também entre e permaneça em você. Que seja feita a vontade de Deus."
   A criança não teve mais dúvida e desnudo-se para o padre na esperança que fosse perdoada dos pecados cometidos. Uma luz fulgia nos olhos do padre, porém não o iluminava, contudo o corpo níveo da criança resplandecia como se uma aura divina estivesse sobre a sua cabeça, ele se assemelhava a um anjo, e isso excitava o padre. O que o padre não percebeu foi o cano da arma refletido nos seus olhos verde água, realmente não havia iluminação e ele estava preste a encontrava as trevas. Quando o padre pegou a vasilha de vaselina, ele percebeu os olhos vermelhos da policial fulgindo uma ira incontrolável. O padre ainda teve tempo de beijar o seu crucifixo. A policial vestiu a criança e as duas saíram de mãos dadas. A igreja permaneceu na escuridão com o corpo do padre jazido no chão. Assim que a policial deu o seu depoimento, acendeu o seu Malboro e esfumou levando consigo a fumaça do seu cigarro. 

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14 comentários:

  1. Forte,de certo modo cruel,mas assim também é a realidade,porém, não nos esqueçamos que qualquer que seja a vocação ou profissão existem os bons e os maus,que,como no seu conto precisam ser denunciados e combatidos através da justiça.
    Abraço carinhoso e até breve porque nos ausentaremos de férias.

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  2. Nossa, mano. Daqueles textos que engolimos em seco, relato cru e direto. Palmas! Faz a cabeça girar, caramba! Vou ali respirar e já volto! Beijos da mana, Deia.

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  3. Muito forte. Assim feito ao lermos uma matéria no jornal, ou ouvir algum relato. O seu texto traz a realidade, e esta realidade incomoda, inquieta, dar nojo.

    Sempre bem escrito e bem desenvolvida a narrativa. abraço


    (obrigada pelas dicas do remédio)

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  4. Mano!! Eu aqui de novo! Seu pedido é uma ordem! Já alterei as letrinhas do blog, aranhinhas só em algum conto, não é? rsrs! Beijos, sua mana!

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  5. O que não falta é gente ruim nesse mundo e as vezes elas despertam o que temos de pior. Um teto forte e bem construído.
    beijos

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  6. O mistério (um tanto assustador) da natureza ambígua, dual do ser humano.
    Um conto da vida real, dramático, pungente e triste, mas muito bem escrito.
    Quero agradecer o teu carinho comigo lá no Chocolate.
    Saudades.
    Beijokas.

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  7. Oi, tudo bem com você?
    Como eu havia dito antes, estou afastado do Blogosfera por vários motivos, inclusive por conta do site “ABORDAGENS & IMPRESSÕES”/ http://abordagenseimpressoes.com/ que eu acabo de criar e publicar na Internet.
    Gostaria de contar também com você por lá, acompanhe-o e também interaja comigo por lá.
    Como todos nós sabemos, site tem uma dinâmica diferente do blog, é mais consultivo e informativo. É de maior abrangência, já que se pode explorar muito mais. O blog é mais direto e normalmente de temática única.
    Me visite por lá e me siga. Vou gostar e ficar extremamente feliz e agradecido por mais esse voto de confiança.

    Beijos.

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  8. Oi Mano! Ja gostei da premissa! Voce comeca e eu termino, que tal? Beijos no jardim e um otimo final de semana! Mana

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  9. Impossível ler e não sentir na pele a dor e a tristeza de imaginar que muitas crianças vivenciam isso. Infelizmente há muitos mostros vestidos de humanos.
    Tenha uma ótima semana!
    Beijos com o meu carinho

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  10. Apavorante, né? Principalmente para nós que temos crianças. Mas acontece. Esses deviam, sempre, dar de cara com uma policial para lhe mostrar o caminho do inferno. E ainda fumar um Malboro, tranquilamente. Piedade zero! Abraços.

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  11. Vim por recomendaçao da Paula Barros e vi que vou gostar muito de ler o Cotas de prosias- o blog do Eder.
    O conto, desejo mesmo que seja só ficção e que a realidade seja menos cruel.
    um abraço

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  12. Bom dia, Eder.

    Que bom tê-lo novamente por aqui e também em nosso blog. Ficamos muito felizes com sua volta!
    Muito obrigado pelo carinho que sempre nos transmite quando nos visita e obrigado, também, pela amizade.

    Que seu final de semana seja abençoado.
    Deus seja contigo!

    Abraços,

    Wilson

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  13. Oi Eder,

    Venho do blog da Paula e ADOREI um pouquinho de vc lá(vc escreve de uma forma q prende a gente).Já abri uma janelinha pra cá e vou aparecer mais vezes para ler vc.

    Abraços

    Maria

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