Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O menino encantado - Segunda página




A formiga lá já não estava, mas, para seu azar, o seu irmão, que havia saído detrás da moita, estava. Rindo desmedidamente, seu irmão repetiu a frase que tanto o apavorara: rapaz bobo, não está me vendo? E, continuando o escárnio, emendou: Você achou que fora a formiga a falar contigo? O deboche crescia, até a gargalhada tomar conta de todos os sentidos do menino.



O menino não pensou duas vezes. A bola de gude foi jogada no chão e substituída por um pedregulho, habilmente lançado em direção ao irmão, que, a essa altura, já havia trocado o riso pelos pés, e saído desembestado, rumo ao horizonte. 



Mesmo longe, foi claro o barulho do pedregulho batendo no calcanhar do irmão. Podia sentir o sangue escorrer e viu o seu corpo desabar no chão. Pronto. Naquele instante o menino percebeu que havia acabado com qualquer chance de ganhar a tão desejada bicicleta de Natal. Aquela que ele havia pedido em sua cartinha ao papai Noel, dois meses antes.



De nada lhe adiantou mergulhar o mais fundo que pode e arrancar a melhor argila no barranco do rio para o feitio dos bonecos do presépio. De pouco lhe adiantou modelar o menino Jesus – esta era a sua tarefa em todos os natais - pois pior ficou. Nervoso, o menino Jesus saiu imperfeito, uma perna maior do que a outra, os braços tortos e a cabeça maior do que o corpo. 



Em nenhum momento passou por sua cabeça desculpar-se com seu irmão. Ora, ele havia lhe pregado uma peça, por que motivo deveria se desculpar com ele? Ele não entendeu que deveria pedir perdão ao irmão devido à maldade praticada, e que os atos bondosos, por si só, não fariam com que reconquistasse a bicicleta, pois atos bons são a conduta esperada de toda criança.



Frustrado, ele passou pela sala sem reparar na árvore de Natal montada, pela cozinha despercebido da mãe, que estava temperando o pernil ao mesmo tempo em que fritava a rabanada para o dia seguinte, do jeito que seu pai preferia. O clima da casa era de Natal, o dele de velório.



A alegria, realmente, somente toma conta da casa quando as crianças avançam embaixo da árvore para retirarem os seus respectivos presentes deixados por papai Noel. Para os pais não há satisfação maior do que ouvir o barulho de papel rasgando e a amplificação da alegria no riso das crianças.



Por isso, foi com imensa euforia que seus pais esperaram o dia de Natal. E este, finalmente, chegou. Foi o menino até a árvore carregando uma tristeza desmedida, chutando o ar por saber que a bicicleta não estaria lá. Olhou o relógio e ouviu as engrenagens que movimentam os ponteiros moverem-se lentamente, aumentando a distância que os segundos levam para passarem, e com isso, sua dor tomava dimensões imensuráveis.



Ele foi o último a chegar à árvore, e o seu pacote redondo dava a impressão de que o seu presente seria uma bola. Contudo era mais do que isso, era “a bola” de capotão que pertenceu ao seu avô. Fosse a data outra, ele ficaria eufórico; no entanto, era Natal. 



E, no Natal, o presente a se receber precisava ser o que fora pedido no bilhete colocado na meia, endereçada a papai Noel. E ele sabia que papai Noel lera: “uma bicicleta azul com aros amarelos e selim grafitado de girassóis”. Era o seu presente de Natal. Nenhum outro.



Ele tamborilou a bola de capotão que pertenceu ao seu avô com todos os dedos da mão direita. Triste, um olhar sofrido tomou-lhe os olhos. A bola caiu de suas mãos rolando pelo chão de areia, ele a perseguiu com a vista e imaginou duas rodas, um aro, dois pedais, um guidom e um selim. 



Repentinamente seus pés pedalavam uma bicicleta azul com aros amarelos e selim grafitado de girassóis. Mas eram de outros olhos o sentimento de felicidade estampado nos seus.



Ele se sentou na calçada com a bola de capotão no colo, os dois cotovelos nos joelhos, o queixo nas palmas das mãos e trouxe os seus olhos sofridos de volta. Aos seus olhos vieram lágrimas e a tristeza de sempre.



 - Hei! Você está inundando o meu caminho.



Sem virar-se para trás, respondeu rispidamente:


- Pode parar, seu bobo. Você não me engana de novo.

- Como de novo se eu não te conheço?



- Tá bom! Você não me conhece, não conhece o seu irmão.



- Há! Há! Há! Se eu sou uma formiga e você um menino, me explica como podemos ser irmãos.



 - Formiga?!?!?!?!?!



Continua domingo às 8hs00min
 
TEXTO DE ÁGUA E ÓLEO MISTURADOS



AUTORES:

Água: Déia Tolda

Óleo: Eder Ribeiro 

Imagem: Getty Images


17 comentários:

  1. Oi Eder,
    Um encanto, muito bem bolado.
    " Tadinho " do menino e a bicicleta?
    Beijos
    Lua Singular

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  2. Estou gostando demais de seus contos. Voltou-se para o lado infantil com maestria. Vejamos o que lhe vai dizer a formiga. Abraço.

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  3. Sinceramente, não estava gostando...até a formiguinha aparecer! Já encantei-me novamente! Um abraço! :)

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  4. OI EDER!
    NO MUNDO ENCANTADO DAS CRIANÇAS TUDO É VERDADEIRO E PODE ACONTECER.
    SEI DE ANTEMÃO QUE VAI SER MUITO BOM ESTE CONTO.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  5. Quando li "sangue escorrendo" já pensei que havia voltado um pouco com os seus contos mais assustadores, mas foi um lapso. rs Muito bom! E estou curioso pra continuar acompanhando. Que confusão isso vai dar... abçss

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  6. confusao, mas gostei, e e tao bom ter imaginacao! que fariamos em ela!abracossssssssssssss

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  7. Olá!Boa tarde
    Éder
    Déia
    as vezes agimos por impulso e não temos noção das conseqüências ou caminhos que essa escolha pode dar...o irmão que o diga.
    ...uma bola de capotão no lugar de bicicleta...triste realidade
    ... uma formiga chamando para conversar...encanto da magia
    Aguardar próxima página
    Agradeço pela visita
    Belo dia
    Abraços

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  8. .

    .

    . a mestria de se ser criança en.quanto adulto . belo e terno .

    .

    . um abraço forte .

    .

    . paulo .

    .

    .

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  9. Oi Eder... Que gostoso acompanhar o menino desde pequeno. Não lembro de mim, mas já vi muitas crianças querendo que a bolinha de gude "pule' Hoje li algo sobre natureza, o quão ela é fantástica e, pelo menos pra mim, ela responde algumas indagações minhas, e muitas vezes me faz companhia..

    Bye da Pah
    Livros Estrelas

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  10. Ah, tadinho. Mas essa bicicleta virá, virá? E também acho que dessa vez não é o irmão fazendo palhaçada não, a formiguinha faladeira está mesmo conversando com ele.

    Um beijo, água e óleo.

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  11. Eder, que conto mais delicioso.
    Eu me senti como o comentário da Milene... rsss...
    Bom final de semana!

    Beijos


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  12. É a fantasia da criança em vocês tomando rumos cada vez mais intensos...bom demais passar por aqui pra ler essas estórias infantis!
    Abraços,bom dia!

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  13. Outra vez me encantando nesse conto mágico, delicioso! Abraços.

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  14. Eder, adorei o texto...é verdade, no Natal sonhamos com um presente e gostaríamos que ele se materializasse na nossa frente sempre. Adorei a surpresa da formiga chegando no final do texto, estou curiosa e gosto da leveza do texto. Um abraço!

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  15. Fiquei imaginando um livro infantil. Com algumas adaptações, e com imagens.
    Parabéns aos dois.
    abraço

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  16. Este diálogo entre o menino e a formiga, esta mágico.

    Vou ler já, já a continuação.

    Até já.

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  17. Hmmmm, pelo jeito agora não é mais uma peça pregada pelo irmão... vou lá ver a continuação :)
    http://duasepocas.blogspot.com.br/

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