A formiga lá já não estava, mas,
para seu azar, o seu irmão, que havia saído detrás da moita, estava. Rindo
desmedidamente, seu irmão repetiu a frase que tanto o apavorara: rapaz bobo,
não está me vendo? E, continuando o escárnio, emendou: Você achou que fora a
formiga a falar contigo? O deboche crescia, até a gargalhada tomar conta de
todos os sentidos do menino.
O menino não pensou duas vezes. A
bola de gude foi jogada no chão e substituída por um pedregulho, habilmente
lançado em direção ao irmão, que, a essa altura, já havia trocado o riso pelos
pés, e saído desembestado, rumo ao horizonte.
Mesmo longe, foi claro o barulho
do pedregulho batendo no calcanhar do irmão. Podia sentir o sangue escorrer e
viu o seu corpo desabar no chão. Pronto. Naquele instante o menino percebeu que
havia acabado com qualquer chance de ganhar a tão desejada bicicleta de Natal.
Aquela que ele havia pedido em sua cartinha ao papai Noel, dois meses antes.
De nada lhe adiantou mergulhar o
mais fundo que pode e arrancar a melhor argila no barranco do rio para o feitio
dos bonecos do presépio. De pouco lhe adiantou modelar o menino Jesus – esta
era a sua tarefa em todos os natais - pois pior ficou. Nervoso, o menino Jesus
saiu imperfeito, uma perna maior do que a outra, os braços tortos e a cabeça
maior do que o corpo.
Em nenhum momento passou por sua
cabeça desculpar-se com seu irmão. Ora, ele havia lhe pregado uma peça, por que
motivo deveria se desculpar com ele? Ele não entendeu que deveria pedir perdão
ao irmão devido à maldade praticada, e que os atos bondosos, por si só, não
fariam com que reconquistasse a bicicleta, pois atos bons são a conduta
esperada de toda criança.
Frustrado, ele passou pela sala
sem reparar na árvore de Natal montada, pela cozinha despercebido da mãe, que
estava temperando o pernil ao mesmo tempo em que fritava a rabanada para o dia
seguinte, do jeito que seu pai preferia. O clima da casa era de Natal, o dele
de velório.
A alegria, realmente, somente toma
conta da casa quando as crianças avançam embaixo da árvore para retirarem os
seus respectivos presentes deixados por papai Noel. Para os pais não há
satisfação maior do que ouvir o barulho de papel rasgando e a amplificação da
alegria no riso das crianças.
Por isso, foi com imensa euforia
que seus pais esperaram o dia de Natal. E este, finalmente, chegou. Foi o
menino até a árvore carregando uma tristeza desmedida, chutando o ar por saber
que a bicicleta não estaria lá. Olhou o relógio e ouviu as engrenagens que
movimentam os ponteiros moverem-se lentamente, aumentando a distância que os
segundos levam para passarem, e com isso, sua dor tomava dimensões
imensuráveis.
Ele foi o último a chegar à
árvore, e o seu pacote redondo dava a impressão de que o seu presente seria uma
bola. Contudo era mais do que isso, era “a bola” de capotão que pertenceu ao
seu avô. Fosse a data outra, ele ficaria eufórico; no entanto, era Natal.
E, no Natal, o presente a se
receber precisava ser o que fora pedido no bilhete colocado na meia, endereçada
a papai Noel. E ele sabia que papai Noel lera: “uma bicicleta azul com aros
amarelos e selim grafitado de girassóis”. Era o seu presente de Natal. Nenhum
outro.
Ele tamborilou a bola de capotão
que pertenceu ao seu avô com todos os dedos da mão direita. Triste, um olhar
sofrido tomou-lhe os olhos. A bola caiu de suas mãos rolando pelo chão de
areia, ele a perseguiu com a vista e imaginou duas rodas, um aro, dois pedais,
um guidom e um selim.
Repentinamente seus pés pedalavam
uma bicicleta azul com aros amarelos e selim grafitado de girassóis. Mas eram
de outros olhos o sentimento de felicidade estampado nos seus.
Ele se sentou na calçada com a
bola de capotão no colo, os dois cotovelos nos joelhos, o queixo nas palmas das
mãos e trouxe os seus olhos sofridos de volta. Aos seus olhos vieram lágrimas e
a tristeza de sempre.
- Hei! Você está inundando o
meu caminho.
Sem
virar-se para trás, respondeu rispidamente:
- Pode parar, seu bobo. Você não me engana de novo.
- Pode parar, seu bobo. Você não me engana de novo.
- Como de novo se eu não te
conheço?
- Tá bom! Você não me conhece, não
conhece o seu irmão.
- Há! Há! Há! Se eu sou uma
formiga e você um menino, me explica como podemos ser irmãos.
- Formiga?!?!?!?!?!
Continua domingo às 8hs00min
TEXTO DE ÁGUA E ÓLEO MISTURADOS
TEXTO DE ÁGUA E ÓLEO MISTURADOS
AUTORES:
Água: Déia Tolda
Oi Eder,
ResponderExcluirUm encanto, muito bem bolado.
" Tadinho " do menino e a bicicleta?
Beijos
Lua Singular
Estou gostando demais de seus contos. Voltou-se para o lado infantil com maestria. Vejamos o que lhe vai dizer a formiga. Abraço.
ResponderExcluirSinceramente, não estava gostando...até a formiguinha aparecer! Já encantei-me novamente! Um abraço! :)
ResponderExcluirOI EDER!
ResponderExcluirNO MUNDO ENCANTADO DAS CRIANÇAS TUDO É VERDADEIRO E PODE ACONTECER.
SEI DE ANTEMÃO QUE VAI SER MUITO BOM ESTE CONTO.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Quando li "sangue escorrendo" já pensei que havia voltado um pouco com os seus contos mais assustadores, mas foi um lapso. rs Muito bom! E estou curioso pra continuar acompanhando. Que confusão isso vai dar... abçss
ResponderExcluirconfusao, mas gostei, e e tao bom ter imaginacao! que fariamos em ela!abracossssssssssssss
ResponderExcluirOlá!Boa tarde
ResponderExcluirÉder
Déia
as vezes agimos por impulso e não temos noção das conseqüências ou caminhos que essa escolha pode dar...o irmão que o diga.
...uma bola de capotão no lugar de bicicleta...triste realidade
... uma formiga chamando para conversar...encanto da magia
Aguardar próxima página
Agradeço pela visita
Belo dia
Abraços
.
ResponderExcluir.
. a mestria de se ser criança en.quanto adulto . belo e terno .
.
. um abraço forte .
.
. paulo .
.
.
Oi Eder... Que gostoso acompanhar o menino desde pequeno. Não lembro de mim, mas já vi muitas crianças querendo que a bolinha de gude "pule' Hoje li algo sobre natureza, o quão ela é fantástica e, pelo menos pra mim, ela responde algumas indagações minhas, e muitas vezes me faz companhia..
ResponderExcluirBye da Pah
Livros Estrelas
Ah, tadinho. Mas essa bicicleta virá, virá? E também acho que dessa vez não é o irmão fazendo palhaçada não, a formiguinha faladeira está mesmo conversando com ele.
ResponderExcluirUm beijo, água e óleo.
Eder, que conto mais delicioso.
ResponderExcluirEu me senti como o comentário da Milene... rsss...
Bom final de semana!
Beijos
É a fantasia da criança em vocês tomando rumos cada vez mais intensos...bom demais passar por aqui pra ler essas estórias infantis!
ResponderExcluirAbraços,bom dia!
Outra vez me encantando nesse conto mágico, delicioso! Abraços.
ResponderExcluirEder, adorei o texto...é verdade, no Natal sonhamos com um presente e gostaríamos que ele se materializasse na nossa frente sempre. Adorei a surpresa da formiga chegando no final do texto, estou curiosa e gosto da leveza do texto. Um abraço!
ResponderExcluirFiquei imaginando um livro infantil. Com algumas adaptações, e com imagens.
ResponderExcluirParabéns aos dois.
abraço
Este diálogo entre o menino e a formiga, esta mágico.
ResponderExcluirVou ler já, já a continuação.
Até já.
Hmmmm, pelo jeito agora não é mais uma peça pregada pelo irmão... vou lá ver a continuação :)
ResponderExcluirhttp://duasepocas.blogspot.com.br/