Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

domingo, 8 de setembro de 2013

O menino encantado - Primeira página



Era uma vez, um menino que tamborilava com o dedo indicador sua bola de gude antes de jogá-la no chão, e se inquietava por ela não retornar à sua mão. A vida seguia o seu curso normal, a Terra girava em torno do Sol e a Lua em torno da Terra. Somente ao menino essa normalidade não era perceptível. Também pudera, ele tinha apenas três anos. 

O menino continuou no seu mundo silente, às vezes perturbado por um canário pousado em uma árvore, observando-o ali parado, sem entender por que ele esperava a bola de gude subir por sua própria vontade. O canário de plumagem amarela entoou uma canção, lhe dizendo, menino bobo, a bola não subirá. 

Outras vezes era perturbado pelo vento, que lhe dizia, suavemente por entre as moitas, não percebeu, menino bobo, a voz do canário que eu lhe trouxe? O liame do mundo real ao mundo encantado dos pássaros e vento, o menino só perceberia muitos anos depois.

O Senhor do tempo acionou a engrenagem, girando a roda do tempo, e o menino, acometido pela espera de algo que nunca aconteceria, continuou a tamborilar com o dedo indicador a bola de gude para depois jogá-la no chão. Esperou alguns segundos e, como ela não voltava, foi buscá-la, soltando-a em seguida, amiúde. Cansado, o Senhor do tempo deixou-o cobrir o menino com o manto do envelhecimento. 

Faltavam poucos dias para o Natal quando algo incrível aconteceu. Não foi exatamente como o menino queria, mas sim como ele menos imaginava.

Das coisas que fazemos quando criança, há pelo menos uma que nos acompanha pelo resto da vida, sem disso nos darmos conta. Por mais que o Senhor do tempo tivesse acionado a engrenagem do tempo, naquela cidade o que menos se notava era a passagem do mesmo. 

Estava lá a mesma árvore onde pousou o canário que entoou a canção levada pelo vento. Estavam lá, também, o mesmo canário de penugem amarela e o mesmo vento trazendo a voz desse canário dizendo, menino bobo, a bola não subirá. 

Somente o menino não era o mesmo. Já havia completado dez anos, e ainda trazia no bolso a mesma bola de gude, agora trincada pelo manto do envelhecimento. Era um rapaz (outrora fora menino, pois é da natureza o menino primeiro virar rapaz para depois virar homem), no entanto, mantinha-se, em seu interior, criança.

Ele soltou a bola de gude, esperou alguns segundos para que ela retornasse por vontade própria e, como não retornou, repetiu a mesma ação. Nunca deixou de ser menino, por isso, nunca deixou de ser feliz.

Rapaz bobo, não está me vendo? Quando ele ouviu essa voz, vinda não sabia de onde, meneou a cabeça procurando na mesma direção por sua bola. Não achou nem uma nem outra. Ao olhar para cima, o halo do sol no centro do céu cegou-o por uns instantes. Abaixando os olhos teve a impressão de ouvir uma formiga repetir: rapaz bobo, não está me vendo?

São as coincidências que trazem cores à vida. Pois, no exato momento em que ele soltou a bola de gude, uma formiga passava em direção ao formigueiro. Ao cair, a bola acionou o seu sistema de defesa avisando-a do perigo iminente. Alerta, a formiga parou, procurando saber de onde vinha a bola de gude. 

Ao mesmo tempo, a voz do irmão do rapaz surgiu atrás de uma moita dizendo, rapaz bobo, não está me vendo? A sincronicidade dos eventos não deixou margem de dúvida ao menino que, com os pés infrenes, associados ao medo, partiu em disparada, apavorado.

Repentinamente, a coragem o acometeu tão rápido quanto o medo, pois era necessário retornar para buscar a bola de gude que ele havia esquecido. Tomado dessa súbita valentia, voltou atrás, e, pegando a bola de gude, disse à formiga: eu não sou rapaz, sou um menino.


Continua quarta-feira às 18hs00min 

TEXTO DE ÁGUA E ÓLEO MISTURADOS

AUTORES:
Água: Déia Tolda
Óleo: Eder Ribeiro 

Imagem: Getty Images


14 comentários:

  1. Oi, Eder!

    A magia da infância, enriquecida pelo "Senhor" tempo, com quem aprendemos tanta coisa!

    Bom domingo.

    Beijo da Luz.

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  2. Oi, Eder! Ler seu texto me fez abrir um sorriso...especialmente esse final de semana tenho me perguntado por quê a vida nos força a vestir esse manto do envelhecimento, e não digo dos ciclos, mas do quanto nos fazem parecer tolos quando nos recusamos a abandonar a ingenuidade.
    Um abraço!

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  3. Muito bom, gosto de textos que falam da vida, que me faz refletir, pensar a minha vida.
    beijo

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  4. Legal Eder!!!!

    Quantas lembranças temos de nossa infância! Esse conto será mágico! Beijos!

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  5. Oi Éder, seu pedaço do conto me fez lembrar quando criança, minha mãe de criação me pegava no colo e inventava contos mirabolantes, era semianalfabeta, mas de uma criatividade mil e eu me embolava nos seus contos até adormecer.
    Quantas saudades!
    Adorei...
    Beijos
    Lua Singular

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  6. O menino haja, no encantamento do tempo. Lindo o conto! Abraços.

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  7. Olá!Bom dia
    Déia
    Éder
    Belo início do conto!Gostando de ler!
    ...penso, sim,a infância como um tempo de sonhar, de brincar, um tempo mágico! É claro que o mundo parecia um infinito campo de descobertas, cheio de mistérios, mas era exatamente a presença dos mistérios que tornava tudo tão interessante e divertido. Já como adulto, quando o Senhor do tempo acionou a engrenagem, mergulhados em uma cultura competitiva, valorização dos resultados e da aparência, preciso, muitas vezes, talvez dar “uma passeada pela Terra do Nunca”, e redescobrir o mundo fantástico da infância. Talvez, assim possa me deixar capturar pela magia do brincar criativo e do sonhar... acreditar que a bola de gude jogado ao chão subirá, e assim, mesmo com o manto do envelhecimento no entanto, manter, no interior, criança, pois estamos tão acostumados a buscar segurança que contratamos o medo como nosso guia ...até para decidir se iremos buscar uma bolinha de gude ou não!
    Aguardo a próxima página
    Bela semana para vcs.
    Abraços

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  8. Acredito também Éder que a infância da gente se repete através de nossos filhos e se nos permitimos este encantamento marcará para sempre as vidas que nele e com se encontram!
    Abraços,

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  9. Essa parceria está ótima. Amei o texto. Bobo é quem acha que a formiga não fala! Abraços para a Déia também! :)

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  10. Olá!Boa Noite
    Éder
    agradeço pelo carinho de sempre
    Obrigado
    Bela semana
    Abraços

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  11. Pelo visto uma linda história está por vir, eder. Muito bom esse começo. E manter a juventude interior é sempre um bom caminho, ainda que a mesma só seja despertada de vez em quando. abçs

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  12. Acho que a gente nunca deveria deixar se perder a nossa criança interior, pois é ela que traz a tona coisas que a razão costuma sobrepassar.
    Belo conto :)
    http://duasepocas.blogspot.com.br/

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  13. OI EDER!
    ESTOU LENDO E GOSTANDO.
    VOU PARA APÁGINA SEGUINTE.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  14. Esta mistura de óleo e água (quem disse que não se misturam?), tá dando coisa boa que só. Vou lá na segunda parte, ver se o vento falou mais coisinha pro menino que já é rapaz.

    Beijo!

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