Olhando com mais atenção, pode ver
novamente o halo do Sol, brilhante, e, como se saísse dele, um senhor,
encurvado, mas inspirando muito respeito, que se encaminhou em sua direção.
Disse-lhe:
- Ficamos todos muito orgulhosos
do seu gesto ainda há pouco, rapaz.
Encabulado, o menino respondeu:
- Meu eu não sou rapaz, sou
menino...
O senhor riu, deixando entrever
dentes tão branquinhos que pareciam uma fileira de pérolas, e continuou, como
se nada tivesse sido dito.
- Sabe, meu rapaz, há muito tempo
que lhe observo. Vi seu nascimento, acompanhei quando começou a engatinhar.
Estive ao seu lado quando tentava firmar suas pernas, e vibrei quando o vi pela
primeira vez com sua bola de gude nas mãos. Você se lembra de quem a ganhou?
- Do meu avô... Engraçado, agora
que o senhor falou nisso, sinto mesmo que já o conheço. Como se sempre, por
perto, tivesse estado. Somos parentes? Por acaso vizinhos?
- Eu sou o Tempo, meu jovem, e
decidi trazê-lo aqui para que você pudesse dar um passo importante em sua vida.
Foi quando o menino viu um garoto
menor do que ele, de short, sem camiseta, chinelinho nos pés, correndo porta a
fora, exultante com seu prêmio, bem apertado, dos perigos guardados, entre suas
mãos.
E o menino assistiu, como se
sentado estivesse em um cinema, a si mesmo em seus tenros anos. A bola de gude,
brilhando, novinha em folha. Sua paciência ao lançá-la e esperar que ela
voltasse. O canto do pássaro, levado longe pelas ondas do vento. Menino bobo...
O Senhor do Tempo acelerou a
imagem, e o menino pode assistir ao dia em que havia trocado o brinquedo pela
arma, e acertado seu irmão. Percebeu mesmo que o moleque não tivera intenção em
assustá-lo. Um pouco mais adiante, e pode ver a preocupação de seus pais,
desprovidos de recursos para presenteá-lo com a tão sonhada bicicleta.
Eu não imaginava, foi tudo o que
passou por sua cabecinha transtornada.
As imagens se seguiam. Ele saindo
de casa, não se despedindo da mãe. Ela, entristecida, perguntando ao pai se o
filho teria entendido o gesto carinhoso contido na entrega da bola de capotão
que era como um pedaço de seu avô. Um pedaço que, por muitos anos, fora
guardado por seu pai, com o amor de quem não pode abandonar um objeto tão
importante.
A alegria dos pais, e do irmão,
quando ele rompeu porta a dentro, encabulado, desculpando-se pela maldade
praticada e agradecendo pelo presente que ganhara. Pode ouvir o som de papéis
de embrulho sendo rasgados em outras casas, e a alegria genuína de Natal
alastrando-se pelo ar, levada nas asas do canário de plumagem amarela...
A máquina do tempo fez um barulho
fora de tom e as imagens aceleraram até o ponto em que o menino não reconhecia
mais a si mesmo. Estava maior, parecia mais velho. O coração, contudo,
descompassou como criança quando viu seu sonho passando em frente a seus olhos:
a bicicleta azul com aros amarelos e selim grafitado de girassóis. Exceto
que... Estava sendo pedalada por uma menina.
Sem perceber, seu queixo ficou
pesado como pedra e pendeu-se, aberto, enquanto olhava, não mais a bicicleta,
mas aquela doce criatura que em seu selim sentava. Os cabelos cacheados, de um
tom acobreado que ganhavam mais brilho com os raios de sol, a pele sardenta de
quem já tomara muito sol, a regata que revelava o ombro e a sandália de couro
cru que deixava seus dedinhos tão delicados à mostra.
Olhou novamente para o Senhor do
tempo, começando a entender o motivo de tudo aquilo. Mas, temeroso de deixar
qualquer detalhe escapar, foi com paciência que esperou que voltassem a lhe
falar.
Subindo as roupas do velho, sorria
a formiga, e, no caminho que percorria, dobras acima, disse-lhe assim:
- Percebe porque lhe chamamos de
rapaz? Já é hora de perseguir outros objetivos. Você provou que tem o coração
bom, apesar de sua teimosia inicial. Agora, persegue a bicicleta dos seus
sonhos. Ela carrega a chave para o seu futuro.
Com semblante ainda confuso, com
medo de deixar um pedaço seu tão importante para trás, foi com alívio que ouviu
as palavras finais ditas pelo Senhor:
- Rapaz, entendo o seu medo de
deixar a meninice para trás. Não tema! Vou lhe contar um segredo, uma palavra
mágica, que trará grande conforto ao seu coração. Por ela, fará grandes obras,
mas encontrará sempre o caminho para esse tempo encantado.
Segue o seu destino CACAU...
Continua domingo às 8hs00min
TEXTO DE ÁGUA E ÓLEO MISTURADOS
TEXTO DE ÁGUA E ÓLEO MISTURADOS
AUTORES:
Água: Déia Tolda
Ai, meu Deus, será que um dia vamos ver a nós mesmos, o que fizemos, as escolhas acertadas, as decisões erradas... Estou gostando! Um abraço, Éder!
ResponderExcluirE vou acompanhando está história de aventura e reflexão. Curiosa para o próximo capítulo.
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho da dupla.
abraço
Caro amigo
ResponderExcluirQuando a alma tem fome de beleza,
chegar aqui,
sentir as palavras e o seu perfume,
é encontrar o doce alimento da
alegria...
Alimento que me renova as energias,
quando muito já silenciou pelos caminhos...
A amizade é o alimento da esperança.
Bravo rapaz!
ResponderExcluirVocê vai longe com esse tipo de essência poética. Que esse conto não termine nunca, pois está cada vez mais interessante. Lembrei de entrar, depois cortei a mão e fiquei muito confusa.
Prometo que ao chegar no meu blog vou colocá-lo na lista. Depois você vai conferir.É só clicar mais que achará sua postagem.
Beijos
Lua Singular
Mesmo quando nos tornamos adultos mantemos o encanto da criança dentro de nós. Algumas vezes, hiberna por longo tempo, até que uma simples lembrança a traga de volta. Vocês estão ótimos no desenvolvimento do conto. Abraço.
ResponderExcluirNossa, que bonito, Eder. Aguardando a continuação. abçs
ResponderExcluirOlá!Boa tarde
ResponderExcluirÉder
Déia
Está muito encantador...
...os gestos ficaram firmes, a voz mais grave e finalmente mais forte , mas é bom quando nossa consciência reveja o que já fizemos e passamos, pois isso a torna mais sensível a cada estímulo, pois sempre ficam memórias. Sempre vai ter algo para lembrar! O que acaba, é a preferência. As prioridades vão invertendo, com o passar do tempo. Mas nem mesmo o tempo consegue fazer de “tudo”, “nada”...
Aguardando próxima
Agradeço
Belos dias
Beijos e abraços
Continua em nós, mesmo adultos, a magia da criançada.
ResponderExcluirAté já.
Ohhh GOD, não quero me ver nem a pau! uahuahauhauahuah
ResponderExcluirOlá queridos...
ResponderExcluirCrescer não é fácil, quando estamos na infância logo queremos a adolescência, e estando nela, queremos ser adultos. Ai sentimos uma saudade danada da infância. Interessante o menino encontrar-se com o Tempo ainda tão novo..
Cada dia mais curiosa por saber o final.
Bela primavera!
Olá!
ResponderExcluirDeixar a meninice? Até hoje não consigo me libertar! rs
Que delícia ler essas histórias!
Passando para agradecer o carinho e desejar um lindo fim de semana!
Bj
Carinhosamente
Rê
Blog: Femme Digital te espero lá!
Ah, que emocionante, Eder! Linda a maneira como expôs o crescimento, a necessidade que todos temos de seguir em frente, compreendendo que a vida muda, suas circunstâncias também, apesar de que nunca deixamos de ter nossa essência. Adorei, quero mais! Um abraço!
ResponderExcluirTá interessantíssimo esse conto... gostoso de ler, enche a gente de curiosidade, muito bem escrito... vou acompanhando, quero ver o desfecho dessa história.
ResponderExcluirConclui agora a leitura de todas as parte. Parabéns.
ResponderExcluirPensei que estivesse te seguindo. Mas ainda não estava.
Tenho um blog com trabalhos autorais (poesia, ilustração e fotografias). Quando quiser conhecer, será bem vindo.
Abraço,
Kleiton
(poesias-ilustradas.blogspot.com.br)
Esta história está ficando cada momento mais envolvente,deixando-nos cuirosos e perplexos diante do fascinio destes personagens. Belo é que leio e releio como faço com tudo aquilo que gosto,rss.Bom dia pra vocês!
ResponderExcluirMe vi feito o menino, receosa por deixar pra trás certas coisas, sem compreender que isso é inevitável em várias fases da vida.
ResponderExcluirVou lá!
Beijo.
OI EDER!
ResponderExcluirUM CONTO ENCANTADO.
QUE BOM SE TODOS TIVÉSSEMOS A OPORTUNIDADE, DE RESGATAR COISAS DEIXADAS PARA TRÁS OU ATITUDES TOMADAS DE FORMA ERRADA.
MUITO BOM.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
muito especial navegar no aprendizado e na maturação da criança. muito lindo!
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