Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O menino encantado - Quarta página



Olhando com mais atenção, pode ver novamente o halo do Sol, brilhante, e, como se saísse dele, um senhor, encurvado, mas inspirando muito respeito, que se encaminhou em sua direção. Disse-lhe:

- Ficamos todos muito orgulhosos do seu gesto ainda há pouco, rapaz.

Encabulado, o menino respondeu:

- Meu eu não sou rapaz, sou menino...

O senhor riu, deixando entrever dentes tão branquinhos que pareciam uma fileira de pérolas, e continuou, como se nada tivesse sido dito.

- Sabe, meu rapaz, há muito tempo que lhe observo. Vi seu nascimento, acompanhei quando começou a engatinhar. Estive ao seu lado quando tentava firmar suas pernas, e vibrei quando o vi pela primeira vez com sua bola de gude nas mãos. Você se lembra de quem a ganhou?

- Do meu avô... Engraçado, agora que o senhor falou nisso, sinto mesmo que já o conheço. Como se sempre, por perto, tivesse estado. Somos parentes? Por acaso vizinhos?

- Eu sou o Tempo, meu jovem, e decidi trazê-lo aqui para que você pudesse dar um passo importante em sua vida.

Foi quando o menino viu um garoto menor do que ele, de short, sem camiseta, chinelinho nos pés, correndo porta a fora, exultante com seu prêmio, bem apertado, dos perigos guardados, entre suas mãos. 

E o menino assistiu, como se sentado estivesse em um cinema, a si mesmo em seus tenros anos. A bola de gude, brilhando, novinha em folha. Sua paciência ao lançá-la e esperar que ela voltasse. O canto do pássaro, levado longe pelas ondas do vento. Menino bobo...

O Senhor do Tempo acelerou a imagem, e o menino pode assistir ao dia em que havia trocado o brinquedo pela arma, e acertado seu irmão. Percebeu mesmo que o moleque não tivera intenção em assustá-lo. Um pouco mais adiante, e pode ver a preocupação de seus pais, desprovidos de recursos para presenteá-lo com a tão sonhada bicicleta.

Eu não imaginava, foi tudo o que passou por sua cabecinha transtornada. 

As imagens se seguiam. Ele saindo de casa, não se despedindo da mãe. Ela, entristecida, perguntando ao pai se o filho teria entendido o gesto carinhoso contido na entrega da bola de capotão que era como um pedaço de seu avô. Um pedaço que, por muitos anos, fora guardado por seu pai, com o amor de quem não pode abandonar um objeto tão importante.

A alegria dos pais, e do irmão, quando ele rompeu porta a dentro, encabulado, desculpando-se pela maldade praticada e agradecendo pelo presente que ganhara. Pode ouvir o som de papéis de embrulho sendo rasgados em outras casas, e a alegria genuína de Natal alastrando-se pelo ar, levada nas asas do canário de plumagem amarela...

A máquina do tempo fez um barulho fora de tom e as imagens aceleraram até o ponto em que o menino não reconhecia mais a si mesmo. Estava maior, parecia mais velho. O coração, contudo, descompassou como criança quando viu seu sonho passando em frente a seus olhos: a bicicleta azul com aros amarelos e selim grafitado de girassóis. Exceto que... Estava sendo pedalada por uma menina.

Sem perceber, seu queixo ficou pesado como pedra e pendeu-se, aberto, enquanto olhava, não mais a bicicleta, mas aquela doce criatura que em seu selim sentava. Os cabelos cacheados, de um tom acobreado que ganhavam mais brilho com os raios de sol, a pele sardenta de quem já tomara muito sol, a regata que revelava o ombro e a sandália de couro cru que deixava seus dedinhos tão delicados à mostra.

Olhou novamente para o Senhor do tempo, começando a entender o motivo de tudo aquilo. Mas, temeroso de deixar qualquer detalhe escapar, foi com paciência que esperou que voltassem a lhe falar.

Subindo as roupas do velho, sorria a formiga, e, no caminho que percorria, dobras acima, disse-lhe assim:

- Percebe porque lhe chamamos de rapaz? Já é hora de perseguir outros objetivos. Você provou que tem o coração bom, apesar de sua teimosia inicial. Agora, persegue a bicicleta dos seus sonhos. Ela carrega a chave para o seu futuro.

Com semblante ainda confuso, com medo de deixar um pedaço seu tão importante para trás, foi com alívio que ouviu as palavras finais ditas pelo Senhor:

- Rapaz, entendo o seu medo de deixar a meninice para trás. Não tema! Vou lhe contar um segredo, uma palavra mágica, que trará grande conforto ao seu coração. Por ela, fará grandes obras, mas encontrará sempre o caminho para esse tempo encantado.


Segue o seu destino CACAU...

Continua domingo às 8hs00min
  
TEXTO DE ÁGUA E ÓLEO MISTURADOS



AUTORES:

Água: Déia Tolda

Óleo: Eder Ribeiro

Imagem GETTYIMAGES


18 comentários:

  1. Ai, meu Deus, será que um dia vamos ver a nós mesmos, o que fizemos, as escolhas acertadas, as decisões erradas... Estou gostando! Um abraço, Éder!

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  2. E vou acompanhando está história de aventura e reflexão. Curiosa para o próximo capítulo.
    Parabéns pelo trabalho da dupla.
    abraço

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  3. Caro amigo

    Quando a alma tem fome de beleza,
    chegar aqui,
    sentir as palavras e o seu perfume,
    é encontrar o doce alimento da
    alegria...
    Alimento que me renova as energias,
    quando muito já silenciou pelos caminhos...

    A amizade é o alimento da esperança.

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  4. Bravo rapaz!
    Você vai longe com esse tipo de essência poética. Que esse conto não termine nunca, pois está cada vez mais interessante. Lembrei de entrar, depois cortei a mão e fiquei muito confusa.
    Prometo que ao chegar no meu blog vou colocá-lo na lista. Depois você vai conferir.É só clicar mais que achará sua postagem.
    Beijos
    Lua Singular

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  5. Mesmo quando nos tornamos adultos mantemos o encanto da criança dentro de nós. Algumas vezes, hiberna por longo tempo, até que uma simples lembrança a traga de volta. Vocês estão ótimos no desenvolvimento do conto. Abraço.

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  6. Nossa, que bonito, Eder. Aguardando a continuação. abçs

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  7. Olá!Boa tarde
    Éder
    Déia
    Está muito encantador...
    ...os gestos ficaram firmes, a voz mais grave e finalmente mais forte , mas é bom quando nossa consciência reveja o que já fizemos e passamos, pois isso a torna mais sensível a cada estímulo, pois sempre ficam memórias. Sempre vai ter algo para lembrar! O que acaba, é a preferência. As prioridades vão invertendo, com o passar do tempo. Mas nem mesmo o tempo consegue fazer de “tudo”, “nada”...
    Aguardando próxima
    Agradeço
    Belos dias
    Beijos e abraços

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  8. Continua em nós, mesmo adultos, a magia da criançada.

    Até já.

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  9. Ohhh GOD, não quero me ver nem a pau! uahuahauhauahuah

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  10. Olá queridos...
    Crescer não é fácil, quando estamos na infância logo queremos a adolescência, e estando nela, queremos ser adultos. Ai sentimos uma saudade danada da infância. Interessante o menino encontrar-se com o Tempo ainda tão novo..
    Cada dia mais curiosa por saber o final.
    Bela primavera!

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  11. Olá!
    Deixar a meninice? Até hoje não consigo me libertar! rs
    Que delícia ler essas histórias!
    Passando para agradecer o carinho e desejar um lindo fim de semana!
    Bj
    Carinhosamente

    Blog: Femme Digital te espero lá!

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  12. Ah, que emocionante, Eder! Linda a maneira como expôs o crescimento, a necessidade que todos temos de seguir em frente, compreendendo que a vida muda, suas circunstâncias também, apesar de que nunca deixamos de ter nossa essência. Adorei, quero mais! Um abraço!

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  13. Tá interessantíssimo esse conto... gostoso de ler, enche a gente de curiosidade, muito bem escrito... vou acompanhando, quero ver o desfecho dessa história.

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  14. Conclui agora a leitura de todas as parte. Parabéns.

    Pensei que estivesse te seguindo. Mas ainda não estava.

    Tenho um blog com trabalhos autorais (poesia, ilustração e fotografias). Quando quiser conhecer, será bem vindo.

    Abraço,

    Kleiton
    (poesias-ilustradas.blogspot.com.br)

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  15. Esta história está ficando cada momento mais envolvente,deixando-nos cuirosos e perplexos diante do fascinio destes personagens. Belo é que leio e releio como faço com tudo aquilo que gosto,rss.Bom dia pra vocês!

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  16. Me vi feito o menino, receosa por deixar pra trás certas coisas, sem compreender que isso é inevitável em várias fases da vida.
    Vou lá!
    Beijo.

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  17. OI EDER!
    UM CONTO ENCANTADO.
    QUE BOM SE TODOS TIVÉSSEMOS A OPORTUNIDADE, DE RESGATAR COISAS DEIXADAS PARA TRÁS OU ATITUDES TOMADAS DE FORMA ERRADA.
    MUITO BOM.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  18. muito especial navegar no aprendizado e na maturação da criança. muito lindo!

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