Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Era uma vez...



Era uma vez um escritor de contos tristes. Ele tinha o dom de conhecer a morada final de cada um dos seus textos - e elas sempre provocavam lágrimas emocionadas nos olhos de quem as lesse. O começo, esse ele ia procurando. Às vezes, olhava embaixo dos bancos do ônibus que, diariamente, tomava. Encontrava uma tampinha de garrafa, duas moedas de vinte e cinco centavos e, surpresa, um bom começo para o final que já estava fadado.

Apesar de ser o final o seu começo, o escritor de contos tristes buscava outro fim, afinal o fim da vida, no fim das contas, por si só, já é triste. Ele ia tropeçando em “T”, “R”, “I” e “S”, e, por mais que tentasse desviar-se, não conseguia, pois os garranchos sobre a linha o levavam ao encontro, novamente, do “T”. Esse o impulsionava em um chute, como se as letras tivessem pernas, nos braços do “E”, “Z” e “A”. Seu ponto final era a desalegria. 

Do outro lado da mesma cidade, amanhecia a escritora dos contos de fadas. A ela cabiam todos os começos encantados. Ela sabia que, começando com "era uma vez" - fosse nas letras ou na imaginação - a própria história iria se encaminhar para um final feliz. Habitar o mundo da fantasia, da emoção que provoca alegria, essa era sua única regra para tudo o que escrevia.

E, num dia encantado, esses dois escritores "tropeçaram" um nas letras do outro. A Escritora, vaidosa, esticou o vestido, procurando, impacientemente, retirar-lhe os amassados. O Escritor riu, pela primeira vez, vendo graça na impaciência da menina encantada. A Escritora, virando a boca de lado, disfarçava, na verdade, um riso contido, encabulada que estava por ver tão profundo conhecedor das palavras ajudando-a a se equilibrar nas letras.

Os dois começaram a se conhecer. Viam-se através de suas linhas. Sentiam-se por meio de suas frases. A Escritora achava lindo o jeito que o Poeta contava aquelas tristezas. "quantas vidas podem caber nessas histórias?" O Escritor emocionava-se cada vez que a Poetisa semeava um "feliz" aqui e ali ao longo do seu texto. "quantas alegrias podem explodir nessas histórias?"

Vírgula. Era como se ele houvesse tropeçado em uma vírgula, escorregado sobre um til, e diante de um ponto de exclamação, ele, o ponto, significasse o que ele, o escritor, estava sentido ao ler o primeiro texto da escritora. 

O Escritor dos contos tristes buscou o abracadabra, o pirlimpimpim, o plunct, plact e zum. Ele queria uma palavra mágica que o transportasse para o mundo da Escritora de contos de fadas. Ou então, que uma lágrima sua fizesse surgir uma fada madrinha, que tornasse possível a fantasia de um ogro de se casar com uma princesa. 

Enfim, até a possibilidade de seus contos serem uma mentira, e talmente o boneco de madeira que ao parar de mentir se transforma em gente, os seus contos, sofrendo uma transformação, pudessem ter o seu "felizes para sempre". Mas qual o caminho, imaginado ou real, poderia levar à terra de Encanto?
A amizade foi se fortalecendo. E os textos, começaram a ser compartilhados. Como as reticências têm o significado de continuação, ele esperava que o texto dela assim terminasse para adentrá-lo, na esperança que o ponto final nunca fosse encontrado. Afinal o que queremos da vida, real ou imaginada, é um fim com um ponto de exclamação pós-posto a um "viveram felizes para sempre!"

Porém, uma pergunta cismava em angustiá-lo: seria possível adentrar o mundo encantado da escritora e vivenciá-lo? Cabia a escritora dizê-lo, ou quem sabe, escrevê-lo, porque ao Escritor não importava quantas vidas pudessem caber nessas histórias. O que importava, de fato, é que as histórias pudessem ser misturadas, tal qual água e óleo, pois somente na literatura essa possibilidade é plausível. Ou não? 

A Escritora, prosa que só, fazia-se de muito ocupada. Percebia a atenção que o Escritor lhe dispensava, mas, encabulada, não conseguia acreditar que alguém que escrevia sobre a vida de forma tão intensa, tão profunda, pudesse se interessar pelas palavras de sonhos e cantos que ela, tão inocente, contava. O escritor não sabia a admiração que a Escritora lhe tinha.

A Escritora foi percebendo, ao poucos, a alegria explodindo no rosto do Escritor após cada texto seu lido. Percebeu o quanto ele queria adentrar o seu mundo. Se ao menos ela lhe contasse como!

E ela lhe contou. A pequena Poetisa foi mostrando ao Escritor o poder contido nas palavras. Tanto na vida real, como na imaginada, a palavra pode obrar milagres. Não demorou muito para que as palavras nos textos da Escritora abrissem a porta que ele tanto ansiava. Ele passou a enxergar com os olhos da alma.

O Escritor, antes de contos tristes, ficou em pé para mergulhar na água do saber. Sabia que não tinha apenas a intenção de se molhar, mas se inundar de felicidade. Porém, oleoso, escorregou em um acento agudo, talvez fosse uma crase, ou teria sido um acento circunflexo? Teve a certeza que foi um til ao olhar para trás.

Então se equilibrou na ponta do “E”, tomou impulso e segurou nas pernas do “N”, deu um mortal e
escorregou pelas curvas da letra “C”. Tropeçando em uma cedilha, ele pensou ter se perdido, contudo caiu em cima do “A”, pulou no dorso do “N” e equilibrou-se na cabeça do “T”, fechou os olhos e mergulhou no centro do “O”.

Caiu de olhos abertos em uma terra florida e aromática. Sempre dia, pirilampos não deixavam anoitecer. Pássaros entoavam canções de alegrar corações. Duendes, gnomos, anjos, querubins, serafins, príncipes, princesas, reis, rainhas e seres de diferentes formas e tamanhos davam encanto ao lugar. Sentada em uma cadeira, uma fada com uma pena na mão e papéis – metade em branco, metade escrito – sobre uma mesa, escrevia.

Ao se aproximar, ele percebeu que era a Escritora de contos de fada. Ele se jogou, felicíssimo, em seus braços e ela o recebeu como irmão. Ao ser abraçado por ela, ele percebeu que não era mais gente, mas um boneco de madeira. Deu pouca importância ao fato, o que quer que fosse, ele encontrara a felicidade, e isso já lhe bastava.

Sentados, ele com o queixo sob a palma da mão, ela folheando as páginas do seu livro de contos de fada, liam juntos. Três lágrimas desceram dos olhos dele, significando as reticências do final do livro. Foi então que ele percebeu que através da leitura tinha se transformado em gente, ainda melhor do que já havia sido.

Não importa qual o final da história. Menos ainda se um fim não tiver. Quando se vive um "felizes para sempre", o fim, afinal, pouco importa. Irmanados, de mãos dadas, talmente criança pulando amarelinha, eles pularam as reticências, uma a uma, e começaram uma nova história, assim:

Era uma vez a água e o óleo, misturados...

Autores: 

Água: Déia Tolda e

Óleo: Eder Ribeiro

Imagem: Getty Images (1º)
              Getty Images (2º)
 

16 comentários:

  1. Que linda essa mistura! Amei a criatividade e o texto fluido como a magia que as crianças veem e nós esquecemos quando crescemos. Parabéns aos dois! :)

    ResponderExcluir
  2. Oi Éder, Simplesmente maravilhoso o conto. Ainda bem que terminou em contos de fadas.
    A vida é uma eterna sequência de sonhos.
    Beijos
    Lua Singular

    ResponderExcluir
  3. Mas que texto mágico meu amigo!!!!

    Arrasou neste viu! Beijos!

    ResponderExcluir
  4. OI EDER!
    SURPRESA É POUCO.
    DEPOIS DE LER TEUS CONTOS, DE SUSPENSE, LEIO HOJE ESTE TEXTO DE UMA BELEZA SINGELA, UM VERDADEIRO "E N C A N T O".
    MOSTRAS ASSIM TEU TALENTO, QUE JÁ CONHEÇO E TUA VERSATILIDADE, QUE PASSO AGORA A CONHECER.
    NESTES ESCRITOS TU E A DÉIA, MOSTRAM QUE PARA A NATUREZA NADA É IMPOSSÍVEL, ATÉ FAZER A ÁGUA E O ÓLEO SE MISTURAREM...
    LINDO.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  5. Quem diria que depois de tantos contos tenebrosos teríamos esse texto tão lindo e singelo, Eder. Adorei. Muito bom mesmo. E parabéns para a Déia também. Aliás, consegui ler perfeitamente a palavra 'encanto' no parágrafo e ficou muito bonito. Contos de fadas e contos tristes, um encontro pra lá de inusitado. abçsss

    ResponderExcluir
  6. E quem um dia ousou dizer que água e óleo descombinam, repare aí que belezura de encontro.

    Muito bem dito.
    Muito bem escrito.
    Muito bom!

    Abraços aos dois.

    ResponderExcluir
  7. Era uma vez... uma leitora que aguardava com impaciência e veio descobrir que o resultado era ainda melhor do que esperava!
    Muitos parabéns a ambos!
    Abraço!

    ResponderExcluir
  8. uma MARAVILHA de conto!!!! ameiadorei!!!!!!! voce e formidavel!!!!!
    um enormissimo beijo! e tantos aplausos!!!!!

    ResponderExcluir
  9. Ótima parceria,parabéns pelo maravilhoso início que certamente terá uma continuidade ainda melhor e mais bela.Vou seguir!
    Abraços,

    ResponderExcluir
  10. Hey guri, obrigado por não desistir de mim XD
    Quanto ao teu conto ele foi lindo, eu espero um dia que o "escritor" aqui possa encontrar alguém para ir tropeçando em umas letras por aí :3
    Felicidades para ti :3
    Abraço

    ResponderExcluir
  11. Essa parceria deu muito certo, aqui ficou homogêneo. Belíssimo conto com fantasia de deixar com gosto de quero mais. Abraços Éder!

    ResponderExcluir
  12. Eder, antecipadamente já previra que o conto seria muito bom. Mas me encantei. A parceria foi harmônica e feliz. Parabéns a ambos pela criatividade. Abraço.

    ResponderExcluir
  13. ...e...n...c...a...n...t...a...d..A! Fiquei eu com a beleza desse conto... Amei a parceria! Obrigada aos dois por tão belo presente!

    Meu querido amigo e irmão, obrigada por lembrar de mim! Recebo teus braços e te ofereço também os meus pra gente suportar essa vida doida demais! Fortíssimo abraço! Hoje e sempre!

    ResponderExcluir
  14. Olá!Boa noite
    Déia
    Eder
    ...parabéns pela parceria , ainda bem que num dia encantado,o escritor de contos tristes e a escritora dos contos de fadas, "tropeçaram" um nas letras do outro.Eu ainda creio que as situações de aprendizagem só se dão em interação, pelo contato com as diferenças...Sucessos sempre!
    Agradeço! Obrigado
    Belo domingo
    Abraços

    ResponderExcluir
  15. Faz tempo que este encanto existe entre água e óleo. Melhor ainda é quando se transforma em textos bons de serem lidos, com a magia dos bons escritores.
    Sucesso!
    abraço duplo.

    ResponderExcluir
  16. Éder, estou pasma! Ou melhor, fascinada.
    Voce foi muito sensivel e criativo.
    Vou guardar, este texto é uma obra literaria.

    Bjs

    ResponderExcluir