Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Traição

   Eu não lhe tinha nenhuma comiseração, apesar de ela não estar sofrendo, a sua dramatização para uma dor que não lhe pertencia, provava que todos os seus sentimentos eram fingidos.
   Eu não lhe tinha nenhum amor, pois a sua amabilidade era para proveito próprio, interesseira, seus sentimentos eram frívolos, fútil, ela não fixava em ninguém.
   "Mas menino, quah! O amor é um sonho platônico, é para vocês escritores intuir nos leitores o que nem vocês mesmos acreditam. Diante da beleza do corpo físico, o amor é uma formiga assustada com a grandeza do elefante. Casa-se com uma bela mulher e deixa o tempo acumular sobre ela o seu peso, então, - ela tal qual uma aliá - vocês chegarão à conclusão que o amor é um delírio platônico".
   Assim diria o meu primo com a sua filosofia de botequim e com tanto acumulo de tempo que seria cansativo quantificar o seu peso, o mesmo poderia dizer de quem estava ouvindo-o.
   Eu não sei se foi um matemático ou físico que projetou a Itiê, pois as suas curvas eram milimetricamente perfeitas, no entanto, o acabamento foi poético, pois as partes de seu corpo eram um lindo soneto com rimas ricas e não era à toa que seu nome também fosse poético.
   Quando levei Itiê ao quarto, não percebi que estava entrando numa caverna. Quando a levei à cama, mesmo com minha prosa rimando com a sua poesia, eu não enriquecia o meu texto.
   Ao dizer-lhe que foi a primeira e última vez que íamos nos encontrarmos na horizontal, o seu choro era um drama fora do contexto. Aquela dor não lhe pertencia, nem a mim. Ao falar-me de amor, a caverna ecoou a minha risada ensurdecendo-nos. Tanto a dor quanto o amor pertencia ao meu primo. Por que eu não pensei nisso antes? Saí da caverna, mas a caverna não saiu de mim, ela me incutia a minha traição, o meu erro.
   A culpa não passa de uma bala que não matou, incrustada em nós sem poder ser retirada, ela nos lembra, ad infinitum, o nosso erro.
   Não tive coragem de esconder do meu primo a traição. Ao contá-lo, ele, simplesmente, colocou duas pedras de gelo em seu copo, não sei por que ele não pôs no meu, virou a garrafa de Red Label até derramar pelas bordas dos dois copos. Ele bebeu o seu uísque pausadamente e perdeu o seu olhar buscando um ponto para se apoiar, o meu uísque, eu virei de uma vez e senti a caverna sair de mim para eu me enfurnar nela.
   "Sabe primo, você não traiu a mim, mas aos seus princípios, a sua família. O amor, para nós, homens, é um sentimento aprisionado numa caverna sem luminosidade, dificilmente o enxergamos, porém, se uma luz refletir na caverna, veremos na sua parede a imagem perfeita do sentimento, assim, ao sairmos da caverna, cegamo-nos devido à luminosidade e nos perdemos tateando o superficial no outro para moldá-lo ao sentimento, contudo, a mesma luz iluminada na caverna se encontra no interior, na profundeza do outro, e, simplesmente, bastaria ligar o interruptor para voltarmos a enxergar o mesmo sentimento refletido na parede da caverna".
   Ele encheu novamente o seu copo, sem colocar as pedras de gelo, bebeu-o de uma só vez, suspirou, olhou nos meus olhos procurando comiseração, ou quem sabe amabilidade e, cego pelo uísque, não os achou, porém, eu os tinha. Então me disse com a calma dos monges, soletrando a frase:
   - Sai daqui!
   Encheu novamente o copo, mas não o bebeu. Apoiou as mãos fechadas na mesa, fechou os olhos, abaixou e suspendeu a cabeça e ao mesmo tempo inspirou e expirou o ar irrespirável do ambiente, silenciou por um segundo, e, enfim, vociferou:
   - Antes que eu lhe mate e me arrependo pelo resto da minha vida, pois eu lhe admirava, principalmente a sua retidão. - E repetiu por cinco vezes a palavra retidão. Abaixou a cabeça, lágrimas compulsivas inundaram o copo de uísque.
   A sua dor era tão santa, aliás, o seu amor por mim e pela Itiê era tão puro que eu duvidava quando ele dizia que o amor era um sonho platônico.
   Saí. Por mais luminosidade que houvesse na caverna, a imagem refletida na parede não era a minha. Eu me desconhecia.

Imagem cique aqui

15 comentários:

  1. quando digo que voce é um escritor e tanto e que deverias publicar um livro é a PURA VERDADE!!!!!!
    beijossssssssssssss

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  2. Eder, amigão

    Mergulhei de cabeça neste conto, com o peso de um elefante!
    Pode-se sentir na pele os dois lados da moeda...
    Seu texto é tão vivo que dá para enchergar os personagens e o ambiente todo... Não fosse a fumaça e o cheiro do tabaco no ambiente, teria puxado assento e tomado um refresco para, sorrateiramente, acompanhar o desfeixo e, apartar uma possível agressão física entre os primos...

    Abraços :)

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  3. Um belo conto que narra as angustias, as duvidas, os erros e acertos...um conto que narra a fragilidade humana, quando não mais reconhecemos as pessoas e nem a nós mesmos...
    Obrigado pelas palavras lá no Verseiro...Um abraço na alma...bom fim de semana

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  4. Eder, gostei do blog. Parabéns, vc escreve muito bem.

    Abraço

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  5. Que bom ver vc assim levado pela escrita, pela fabulação. Desconhecer-se é um passo que faz o caminho de cada um. Desconhecer-se fala do conhece-te a ti mesmo. Ou antes, fala do cuida de ti. Bonito conto.

    Obrigado pelos comentários lá no essapalavra.

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  6. .

    .

    . e assim se re.contam os dias que também nos acrescentam . entre.linhas os des.tecemos . entre.linhas os des.fiamos .

    .

    . e confiamos na evolução contínua .

    .

    . e certamente segura .

    .

    . um bomm fim.de.semana .

    .

    . abraço.te .

    .

    .

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  7. "A culpa não passa de uma bala que não matou, incrustada em nós sem poder ser retirada, ela nos lembra, ad infinitum, o nosso erro."- Destaco esta frase. Gostei. :)

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  8. Eder

    esse é um dos seus contos mais densos. Você fotografa a cena com suas palavras e ainda da zoom nos pontos que quer nos mostrar mais nitidamente.
    Praticamente se sente a tensão no ar que os dois primos respiram.

    Fico repetitiva: você é brilhante!

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  9. Adorei...reflexivo e bem desenvolvido como sempre.
    A culpa é algo para se carregar no coração e só partilhar com o padre ou alguém assim.
    beijos

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  10. Estou feliz por estar de volta e rever pessoas que já são parte tão importante de minha vida, há tantos anos e que continuam aqui, oferecendo carinho e amizade.
    Para você, meu amigo, beijos, flores e muitos sorrisos!

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  11. Vemos tanto de Platão nesse seu conto! Conhecemos apenas aquilo que nos é dado conhecer . Para todo o resto é preciso nos afastarmos das sombras e procurarmos o próprio sol - esse sim, iluminando a todos por igual. Teve uma frase que me chamou a atenção demais, e vou repeti-la aqui: A culpa não passa de uma bala que não matou. Tem toda a razão, mano... Um abraço da caçula, Deia.

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  12. Traição, amor, culpa, amabilidade, respeito, entender o outro, entender a si mesmo....quantos temas você consegue trazer com este conto. Como agimos, como somos, como vemos o outro...reflexões, muitas.

    Gostei da analogia da culpa.

    um forte abraço.

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  13. Incrível como podemos nos enxergar através das palavras e narrativas... Ninguém está livre de errar, de aprender, morrer e rensacer!
    Tenha uma semana abençoada e novamente inspirada!
    Um beijo carinhoso

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  14. Eder! Ao ler o conto era como se estivesse vendo um filme. Gosto demais de tua descrição minuciosa do momento e dos personagens. A narrativa flui e eu me perco na história que contas. Aqui o tema traição. Um momento frágil.

    Amigo, obrigada pelo comentário lá no Pedro. Sim, nossos Pedros- que bom que tivemos a felicidade de tê-los. Imagina como nossas vidas teriam sido vazias sem eles. E nos acompanham ainda hoje. É verdade, não pode ser só coincidência, Eder! Que bom conversar. grande beijo!

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  15. ...tantos elogios aqui,
    e todos eu assino em baixo.

    vc é um mago das palavras!

    bjokas da Vivi que adora
    ler-te!

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