Eu não lhe tinha nenhuma comiseração, apesar de ela não estar sofrendo, a sua dramatização para uma dor que não lhe pertencia, provava que todos os seus sentimentos eram fingidos.
Eu não lhe tinha nenhum amor, pois a sua amabilidade era para proveito próprio, interesseira, seus sentimentos eram frívolos, fútil, ela não fixava em ninguém.
"Mas menino, quah! O amor é um sonho platônico, é para vocês escritores intuir nos leitores o que nem vocês mesmos acreditam. Diante da beleza do corpo físico, o amor é uma formiga assustada com a grandeza do elefante. Casa-se com uma bela mulher e deixa o tempo acumular sobre ela o seu peso, então, - ela tal qual uma aliá - vocês chegarão à conclusão que o amor é um delírio platônico".
Assim diria o meu primo com a sua filosofia de botequim e com tanto acumulo de tempo que seria cansativo quantificar o seu peso, o mesmo poderia dizer de quem estava ouvindo-o.
Eu não sei se foi um matemático ou físico que projetou a Itiê, pois as suas curvas eram milimetricamente perfeitas, no entanto, o acabamento foi poético, pois as partes de seu corpo eram um lindo soneto com rimas ricas e não era à toa que seu nome também fosse poético.
Quando levei Itiê ao quarto, não percebi que estava entrando numa caverna. Quando a levei à cama, mesmo com minha prosa rimando com a sua poesia, eu não enriquecia o meu texto.
Ao dizer-lhe que foi a primeira e última vez que íamos nos encontrarmos na horizontal, o seu choro era um drama fora do contexto. Aquela dor não lhe pertencia, nem a mim. Ao falar-me de amor, a caverna ecoou a minha risada ensurdecendo-nos. Tanto a dor quanto o amor pertencia ao meu primo. Por que eu não pensei nisso antes? Saí da caverna, mas a caverna não saiu de mim, ela me incutia a minha traição, o meu erro.
A culpa não passa de uma bala que não matou, incrustada em nós sem poder ser retirada, ela nos lembra, ad infinitum, o nosso erro.
Não tive coragem de esconder do meu primo a traição. Ao contá-lo, ele, simplesmente, colocou duas pedras de gelo em seu copo, não sei por que ele não pôs no meu, virou a garrafa de Red Label até derramar pelas bordas dos dois copos. Ele bebeu o seu uísque pausadamente e perdeu o seu olhar buscando um ponto para se apoiar, o meu uísque, eu virei de uma vez e senti a caverna sair de mim para eu me enfurnar nela.
"Sabe primo, você não traiu a mim, mas aos seus princípios, a sua família. O amor, para nós, homens, é um sentimento aprisionado numa caverna sem luminosidade, dificilmente o enxergamos, porém, se uma luz refletir na caverna, veremos na sua parede a imagem perfeita do sentimento, assim, ao sairmos da caverna, cegamo-nos devido à luminosidade e nos perdemos tateando o superficial no outro para moldá-lo ao sentimento, contudo, a mesma luz iluminada na caverna se encontra no interior, na profundeza do outro, e, simplesmente, bastaria ligar o interruptor para voltarmos a enxergar o mesmo sentimento refletido na parede da caverna".
Ele encheu novamente o seu copo, sem colocar as pedras de gelo, bebeu-o de uma só vez, suspirou, olhou nos meus olhos procurando comiseração, ou quem sabe amabilidade e, cego pelo uísque, não os achou, porém, eu os tinha. Então me disse com a calma dos monges, soletrando a frase:
- Sai daqui!
Encheu novamente o copo, mas não o bebeu. Apoiou as mãos fechadas na mesa, fechou os olhos, abaixou e suspendeu a cabeça e ao mesmo tempo inspirou e expirou o ar irrespirável do ambiente, silenciou por um segundo, e, enfim, vociferou:
- Antes que eu lhe mate e me arrependo pelo resto da minha vida, pois eu lhe admirava, principalmente a sua retidão. - E repetiu por cinco vezes a palavra retidão. Abaixou a cabeça, lágrimas compulsivas inundaram o copo de uísque.
A sua dor era tão santa, aliás, o seu amor por mim e pela Itiê era tão puro que eu duvidava quando ele dizia que o amor era um sonho platônico.
Saí. Por mais luminosidade que houvesse na caverna, a imagem refletida na parede não era a minha. Eu me desconhecia.
Imagem cique aqui
quando digo que voce é um escritor e tanto e que deverias publicar um livro é a PURA VERDADE!!!!!!
ResponderExcluirbeijossssssssssssss
Eder, amigão
ResponderExcluirMergulhei de cabeça neste conto, com o peso de um elefante!
Pode-se sentir na pele os dois lados da moeda...
Seu texto é tão vivo que dá para enchergar os personagens e o ambiente todo... Não fosse a fumaça e o cheiro do tabaco no ambiente, teria puxado assento e tomado um refresco para, sorrateiramente, acompanhar o desfeixo e, apartar uma possível agressão física entre os primos...
Abraços :)
Um belo conto que narra as angustias, as duvidas, os erros e acertos...um conto que narra a fragilidade humana, quando não mais reconhecemos as pessoas e nem a nós mesmos...
ResponderExcluirObrigado pelas palavras lá no Verseiro...Um abraço na alma...bom fim de semana
Eder, gostei do blog. Parabéns, vc escreve muito bem.
ResponderExcluirAbraço
Que bom ver vc assim levado pela escrita, pela fabulação. Desconhecer-se é um passo que faz o caminho de cada um. Desconhecer-se fala do conhece-te a ti mesmo. Ou antes, fala do cuida de ti. Bonito conto.
ResponderExcluirObrigado pelos comentários lá no essapalavra.
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ResponderExcluir.
. e assim se re.contam os dias que também nos acrescentam . entre.linhas os des.tecemos . entre.linhas os des.fiamos .
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. e confiamos na evolução contínua .
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. e certamente segura .
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. um bomm fim.de.semana .
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. abraço.te .
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"A culpa não passa de uma bala que não matou, incrustada em nós sem poder ser retirada, ela nos lembra, ad infinitum, o nosso erro."- Destaco esta frase. Gostei. :)
ResponderExcluirEder
ResponderExcluiresse é um dos seus contos mais densos. Você fotografa a cena com suas palavras e ainda da zoom nos pontos que quer nos mostrar mais nitidamente.
Praticamente se sente a tensão no ar que os dois primos respiram.
Fico repetitiva: você é brilhante!
Adorei...reflexivo e bem desenvolvido como sempre.
ResponderExcluirA culpa é algo para se carregar no coração e só partilhar com o padre ou alguém assim.
beijos
Estou feliz por estar de volta e rever pessoas que já são parte tão importante de minha vida, há tantos anos e que continuam aqui, oferecendo carinho e amizade.
ResponderExcluirPara você, meu amigo, beijos, flores e muitos sorrisos!
Vemos tanto de Platão nesse seu conto! Conhecemos apenas aquilo que nos é dado conhecer . Para todo o resto é preciso nos afastarmos das sombras e procurarmos o próprio sol - esse sim, iluminando a todos por igual. Teve uma frase que me chamou a atenção demais, e vou repeti-la aqui: A culpa não passa de uma bala que não matou. Tem toda a razão, mano... Um abraço da caçula, Deia.
ResponderExcluirTraição, amor, culpa, amabilidade, respeito, entender o outro, entender a si mesmo....quantos temas você consegue trazer com este conto. Como agimos, como somos, como vemos o outro...reflexões, muitas.
ResponderExcluirGostei da analogia da culpa.
um forte abraço.
Incrível como podemos nos enxergar através das palavras e narrativas... Ninguém está livre de errar, de aprender, morrer e rensacer!
ResponderExcluirTenha uma semana abençoada e novamente inspirada!
Um beijo carinhoso
Eder! Ao ler o conto era como se estivesse vendo um filme. Gosto demais de tua descrição minuciosa do momento e dos personagens. A narrativa flui e eu me perco na história que contas. Aqui o tema traição. Um momento frágil.
ResponderExcluirAmigo, obrigada pelo comentário lá no Pedro. Sim, nossos Pedros- que bom que tivemos a felicidade de tê-los. Imagina como nossas vidas teriam sido vazias sem eles. E nos acompanham ainda hoje. É verdade, não pode ser só coincidência, Eder! Que bom conversar. grande beijo!
...tantos elogios aqui,
ResponderExcluire todos eu assino em baixo.
vc é um mago das palavras!
bjokas da Vivi que adora
ler-te!