Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Um novo começo

     São os desejos que nos tornam vivos, por eles sofremos, por eles vivemos para no final, com todos os desejos realizados, a morte, nunca desejada, ser a finalizadora do nosso desejo maior, a vida. E como é inútil a vida, essencialmente sofrível para a redenção vir após a morte, sendo que após ela o que há senão o nada. E é assim o teatro da vida, não importa em que peça você atua, pois todas as personagens, seja herói ou bandida sofrerão, causarão dor, terão um mínimo de felicidade, e quando a vida cansar delas, irão todas de encontro ao que sempre as esperam, a morte.
     Estou na metade do que penso ser minha existência, sem saber realmente se estou no mundo dos vivos ou dos mortos. E o estranho de tudo isso é que não acredito em vida após a morte. Mas quais as certezas que nos temos? Quem me garante que não há vida no nada? Só em pensar, ele já existe por si só.
     Acreditei que amando seria o suficiente para ser feliz. Já homem feito, eu fui à busca deste amor, e no meu primeiro amor acreditei que tinha encontrado a felicidade. E é sempre assim, quando amamos acreditamos ter encontrado o amor verdadeiro, o amor definitivo, mas quando o amor termina percebemos que todas as certezas são nulas, isso não pelo fato de o amor ter acabado, mas sim porque quando se está amando, de alguma forma nos iludimos.
     O meu primeiro amor eu encontrei num destes momentos fortuitos que a vida nos oferece. Estava indo ao ponto de ônibus quando um garoto apressado, correndo, esbarrou em uma mulher que vinha em sentido contrário. Após o esbarrão o garoto desapareceu misteriosamente, mas que importância tinha esta imagem se, diante de mim, meus olhos viam a beleza em forma de mulher. Encantei-me. Tudo que ela tinha nas mãos foi ao chão. Abaixei para ajudá-la, ela olhou nos meus olhos e assim ficou. Disse-me: “É você”. Dali para cama não decorreu uma semana. Enfermeira, ela não tinha horário livre para nos encontrarmos e quando ocorria de nos encontrarmos, era na horizontal que éramos felizes. Hoje percebo que a pior forma de encontrar o amor é pelo sexo. E vivemos assim por dois anos.

     Meu amigo casaria daqui uma semana. A turma faria uma surpresa para ele na sua despedida de solteiro. Seria numa casa noturna. Como eu estava preparando a comemoração de dois anos de namoro, fiquei alheio à surpresa. Quando o carro parou na porta de minha casa o meu amigo estava vendado. Encaminhamos para o inferninho. Chegando lá tudo estava preparado. Um bolo enorme de um metro e oitenta estava no centro do palco. Quando tiraram a venda dos seus olhos, meu amigo percebeu onde estava, a felicidade tomou conta do seu rosto. A música começou a tocar e por detrás das cortinas surgiram seis dançarinas bem vestidas, e aos poucos suas vestes foram caindo, quando demos conta do espetáculo, elas estavam apenas com as partes de baixo. O bolo se parte no meio, e para surpresa nossa surge de dentro dele uma dançarina fantasiada de diabinha. “I’m sexy, so sexy; I wanna make love with you...” Ela cantava apontando o dedo para meu amigo, e aos poucos, suavemente, ela tirou a fantasia. O céu desabou sobre minha cabeça quando ela se mostrou como veio ao mundo. Se a surpresa era para meu amigo, quem foi surpreendido fui eu. Diante dos meus olhos estava minha primeira namorada, meu único amor. Saí dali quando meu amigo foi jogado no palco e ela acariciava com os dedos dos pés os seus mamilos.
     O tempo estava de acordo com o meu estado de espírito, melancólico. Encaminhei-me para casa, pois nada do que eu visse ou sentisse mudaria o meu estado.
     Esperarei a diabinha, (há pouco tempo atrás era meu único amor, meu primeiro amor) terei que matá-la. Matá-la. A idéia da morte estava me fascinando.
     Ela, quando entrou em casa, chegou toda dissimulada. Que ótima atriz seria, afinal toda puta é. Aproximou de mim para beijar-me, afastei-a com as mãos com certa violência. Ela estranhou. Disse que não precisava mais fingir, eu já sabia de sua vida dupla. Cantei imitando-a. “I’m sexy, so sexy; I wanna make love with you...” Ela riu e disse-me que nós faríamos uma bela dupla de stripper. Eu esbofeteie-lhe o rosto esperando sua reação para de uma vez liquidar com sua vida. Para minha surpresa ela pediu que eu a batesse com mais violência. Assim fiz. Quando dei por mim eu estava com todos os apetrechos sado-masoquista. Seu corpo sangrava, os pingos de vela avermelhavam mais ainda sua pele branca. Eu que pensei que a levaria à morte, levei ao prazer. Dor e prazer se misturavam. No seu rosto estampava o êxtase, vi um fio de dor.
     É nesses momentos que pensamos que nos conhecemos e somos surpreendidos por nossos sentimentos, e entramos em conflito quando os sentimentos são sórdidos e vão de encontro ao que racionalmente acreditamos ser correto. Ao batê-la estava também sentindo prazer. Excitei-me. Pela última vez fiz sexo com ela. Mas antes de ir embora a vi, tal qual um cão pitbull pronto para abater a presa, vociferar. “Vivo ou morto, hoje, você será meu para sempre”.
     Era dia ainda, e eu noturno. As imagens do que eu acabara de fazer atormentavam-me. O que eu sabia de mim mesmo nunca poderia ter me levado a praticar atos tão sórdidos, eu que acreditava que através do amor seria salvo... Não, não existe amor, todos nossos atos, todos nossos desejos são prostituídos, tudo é fome que se sacia através do sexo. Meus pensamentos efervesciam, minha alma estava sofrendo.
     Autoflagelo. Precisava sangrar a carne para purificar a alma. Exorcizar meus fantasmas. Pela morte a salvação. Agachei e peguei um caco de vidro e comecei a sangrar o meu corpo. Quem passava por mim olhava-me com certa indiferença. Hoje em dia ninguém dá importância ao outro, as suas dores. Somos egoístas, nunca nos vemos nos outros, principalmente quando estes sofrem. Perdemos nossa sensibilidade. Tudo é banalizado. Só Deus para nos salvar. Apesar de minha fé ser inconstante, eu entrei numa igreja para desencargo de consciência, mas Deus poderia estar ali?
     Igreja deserta, o ar em volta era de paz, as chagas do meu corpo ainda sangravam. Ajoelhei, cabisbaixo orei. “Deus que a morte seja minha redenção e que seja uma boa morte e que ela venha pelas mãos de um anjo”. Decisão tomada, iria me matar.
     A noite caía tranqüila e clara, enquanto eu, soturno, mergulhado em minha melancolia era todo escuro. Andei alguns metros até a ponte e lá senti a calmaria em minha volta. O rio estava manso, sem ondas, olhei-o fixamente, era escuro e mesmo assim tive a impressão de ter visualizado a imagem da minha primeira namorada travestida de morte a me chamar. Neste instante onde à vontade de morrer é maior do que a de viver, eu, sem nenhuma saída, entristeci e vi o rio avolumar-se. A distância que nos separava a pouco, que era de cinco metros, não passava de um palmo. Eu vi a diabinha vestida no seu corpete a cantar. “I’m sexy, so sexy...” Ela me sorria.


                                                        CONTINUA

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7 comentários:

  1. "...sem saber realmente se estou no mundo dos vivos ou dos mortos. "

    me deu arrepios teu texto! achei REALMENTE, formidavel!!! e com tantas verdades....
    beijos infintos, querido Eder

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  2. Eder, o texto é excelent: trouxe-me ao "ponto final" com extrema facilidade; no entanto, não encerrou a estória, em mim.

    Receba, com carinho, o meu parabéns!

    Abração,

    Rodrigo Davel

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  3. Amigão..

    Seu texto, assim como a melodia de fundo, metafórico, nos dá a possibilidade de muitas interpretações!
    Ri, calei e meditei... Muito bom!!

    Abraços :)

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  4. Eder, um texto que nos dá oportunidade de pensar no ser humano, de pensar em nós mesmos...vida, morte, desejo, o descontrole, o desconhecimento de si mesmo....

    Dá vontade de analisar por trechos.

    beijo

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  5. Olá Éder!
    É bom retornar aqui e ler seus textos reflexivos e crônicas de vida.
    Estamos numa caminhada e sempre traçamos consciente ou incoscientemente esses caminhos onde os desejos são o grande combustível nesse mecanismo complexo que é viver.
    Gosto daqui,abraços pra você e Samaryna(que não esquecí)

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  6. Mano, que thriller, mas ao mesmo tempo, histórias tristes da vida... As decepções, os amores que nos deixam à deriva no mar quando tudo o que precisamos é de um porto seguro. Volto para ler a continuação!! Um beijo, Deia.

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  7. Oi Eder...menino...muito bom...muito bom mesmo...a sensação qu me passa é que a cada dia sua veia escritora se aperfeiçoa ainda mais.
    A leitura prende e nos faz pensar no ser humano de uma forma estranha...ali no seu lado mais obscuro e que poucos tem acesso de verdade...
    Parabéns amigo...continue...
    Um abraço na alma

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