Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sábado, 26 de março de 2011

Estação inverno

A falta de um cobertor não me desprotege do frio, o agasalho que eu necessito é interno, e eu ainda tenho os meus travesseiros. Retirar a pedra de gelo do Campari e a rodela de limão da borda do copo é um ato que eu sempre faço sem saber o porquê, pois seria muito mais simples pedir a bebida sem os dois, inexplicável também é tomá-la sem usar o canudinho e deixá-lo no copo até o fim da mesma. Mas quantos hábitos corriqueiros nós fazemos e são imperceptíveis aos nossos olhos, os meus eu só os percebo no inverno. Estação solidão, o inverno me faz perceber a falta do outro, e, sozinha, eu despercebo de mim mesmo e atento para os pequenos detalhes. O inverno não enregela os meus sentimentos, a minha solidão é silenciosa, não me leva ao desespero, nem tampouco me deixa seca.

O gelo se derretia sobre o balcão e uma lâmina de água aos poucos ia caindo no chão, devido à umidade ou por força da gravidade, o gelo caiu de uma vez no chão se estilhaçando. O que caracteriza o inverno é a aproximação das pessoas, comigo ocorria o contrário, nem o inanimado, por sua natureza imóvel, permanecia próximo a mim. Pela janela vejo o vento estilhaçar uma folha de ipê amarelecida, e é assim que me sinto, como a folha, desprendida do galho da árvore e sem ter de onde nutrir o seu sustento vai sendo levada sabendo que em poucos minutos tudo cessará, menos o vento, menos o vento...

Eu fico pensando como a folha me veria ali na janela com um copo de Campari na mão e um olhar sofrido e petrificado, não pelo frio, mas pela dor trazida pela estação gélida.

Ponho o copo no balcão e percebo que o gelo estilhaçado tinha mudado de estado, não morreu, transformou-se em líquido, quanto tempo levaria para evaporar eu não sabia. Tudo no inverno parecia permanente, das certezas, a única que eu tinha era que a dor não mudava de estado. Em algum lugar, a folha deve estar cobrindo algum solo para que na primavera ele esteja pronto para receber as sementes. Abro a janela à espera de uma ventania, uma brisa não me serve.


Imagem: www. gettyimages.com

12 comentários:

  1. A dor também muda e estado, mas é tão duro vive-la que a sensação é de eternidade e seu texto reflete isso muito bem e de maneira linda e poética.
    beijos

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  2. O Inverno deixa sempre uma sensação triste porque os dias são mais pequenos, porque chove e faz frio...porque tudo parece mais dramático...até nós...há momentos assim ...nostálgicos...que se acentuam nesta estação...

    Deixo o meu afecto e um sorriso pela poética encontrada...

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  3. Há vestígios de tristeza neste lindo texto. No inverno somos como uma lesma que se esconde quieta em sua conchinha. Mas, "em algum lugar" a semente está a germinar... Vejo isto agora. Haverá de florir, Samaryna, e então a ventania bate em sua porta. Beijo

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  4. Não gosto do Inverno,acho que nunca irei gostar.
    Sua explanação reflete o que sinto nessa estação.
    Abraços e boa semana!

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  5. A folha, Samaryna, somente poderia emprestar cumplicidade, pois também foi arrancada do seu aconchego e sofre, bailando no frio, as dores do trágico abandono. Ela cumpriu seu destino: foi anunciar um refazimento!

    Assim são nossos invernos! Eles petrificam rotinas despercebidas, clamam aconchego, gritam o calor de outrem... mas anunciam nossa sede de vida, nossa sede do outro e nossa escolha no "querer"... Tudo mais será soprado pelo tempo! E virá!

    Meu carinho a você!!

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  6. Um texto que é quase como descer uma escada para dentro da gente, cada degrau uma reflexão, um pensar...atitudes, comportamentos, hábitos, o não nos percebermos, o nos percebermos e não conseguir mudar, o cotidiano, as estações externas e as internas,a observação..é emoção do começo ao fim.

    abraço!

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  7. Agora então percebi, verão, outono, inverno, e aguardo a primavera, e o que a escritora vai trazer neste construir fantástico de ideias, de reflexão, de uma ótima escrita.

    Se aprendessemos com a natureza talvez a gente sofresse menos.

    beijo

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  8. " Abro a janela à espera de uma ventania, uma brisa não me serve."

    Lindo poema minha querida, repleto de sensibilidade nas entrelinhas...Bjs e obrigada pelo carinho perfumado no Solidão de Alma.

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  9. Samaryna, querida! Volto aqui para agradecer ao comentário lá em casa. Esta troca está sendo muito importante. Que maravilhoso que temos esta oportunidade. Beijo

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  10. Samaryna,

    A cada estação uma oportunidade de mudança e de repensar nossos planos. Temos que aprender com a folha como se desprender e transformar... Texto muito próprio para uma boa reflexão!!

    Abraços :)

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  11. Para mim o Inverno é a estação da esperança... esperança que dias melhores hão de vir (risos)... tenho um certo temor ao inverno, a frieza interna e externa me assusta um pouco, mas não deixo de reconhecer que o que você escreveu sobre o tema é especialmente belo!
    Beijos, flores e muitos sorrisos!

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