Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sábado, 28 de abril de 2012

Segui te amando após todas as reticências


        Parte final

   São Paulo havia se transformado em uma cidade intransitável, os congestionamentos diários e os meios de transportes público precários tornavam a locomoção um calvário, aumentando a taxa de estresse da população e consequentemente a convivência mais conflitante. O seu carro estava imóvel na Avenida 23 de maio. Desceu e viu a fila quilométrica ao longo da avenida. Um trajeto que demorava uma hora no máximo, levaria o triplo do tempo. Entrou no caro, esmurrou o volante com as duas mãos e desferiu palavrões ao governo. Ligou o rádio procurando uma estação de rádio que estivesse tocando uma música que lhe acalmasse, como não a achou, desligou-o. Um policial aproximou do seu carro e percebeu que ele não estava com o cinto de segurança afivelado. Rasgou a multa assim que lhe foi entregue. Entre todos os bichos do reino animal, xingou o prefeito com o palavrão mais apropriado - veado -, pois sabia da sua avidez. Uma delas por arrecadação de tributos, e, também, por estar transformando a cidade de São Paulo, conhecida pelas suas indústrias, em uma indústria de multas. Quando chegou ao Anhembi não havia como estacionar nas ruas próximas, todas estavam tomadas pelos carros. Devido o preço exorbitante dos estacionamentos particulares, foi obrigado a desembolsar uma grana alta. Com as moedas que sobraram, pediu uma xícara de café expresso, tomou-o lentamente, não para saboreá-lo, mas para acalmar-se do estresse paulistano. Encaminhou-se para o seu stand, sentou na cadeira, pegou a caneta e ansioso esperou o primeiro leitor para autografar o seu livro "O fim de uma história".
   Preferiu não autografar os livros que os seus familiares compraram. Esperou durante uma hora, nenhuma alma viva se atreveu a comprar o seu livro, quanto mais a lhe pedir autógrafo. Espichou a cabeça para espiar o fluxo de visitante na bienal e percebeu que a maioria estava em um stand adiante. Foi até lá e teve uma decepção. Ali estava o motivo de não ter vendido nenhum exemplar, fora os que venderam para os familiares. Atrás da mesa, dando autógrafos com sorriso de orelha a orelha, estava Paulo Coelho. Voltou para o seu stand desesperançoso.
    Horas depois, cabisbaixo, começou a falar consigo mesmo.
   - Ele começa com uma letra, finaliza com um ponto final e entre um e outro há uma lacuna enorme, não tem conteúdo, como diz a crítica, contudo vende que nem água.
   - Bela citação. Neruda. É fácil escrever, basta uma letra e um ponto final, depois é só preencher de ideias. Não desista. Um bom guerreiro é aquele que nunca desiste de um bom combate.
   Ele não acreditou no que estava ouvindo, já tinha lido aquela última frase em um dos livros do Paulo Coelho. Levantou a cabeça e viu um vulto com os cabelos achumbados se afastando. E assim permaneceu, sentado, dando ouvidos às moscas, sem forças para reagir a mais um fracasso.

   Ela tentou passar despercebida assim que ouviu o estampido do tiro vindo do escritório, porém, o nervosismo não a deixou. No entanto, a indiferença dos transeuntes não permitiu um gesto de ajuda. Viu quando os pombos voaram do fio da rede elétrica e entendeu a intranquilidade dos mesmos, pois era também sua. A passos largos, subiu os degraus automaticamente como se não tivesse controle dos passos. Não o tinha, o desespero era o seu condutor.
   Ele ainda estava com a arma apontada para o monitor destroçado pelo tiro, quando a viu entrar aos gritos.
   - Não faça isso. - Disse quando o viu apontar a arma para a cabeça.
   - Mas esse é o fim que todos esperam, o prazer mórbido é uma característica humana.
   - Mas não estamos falando de literatura, mas da sua vida.
   - A vida, de um jeito ou de outro está sendo escrita, quanto ao final, nunca saberemos, pois o escritor é desconhecido.
   - Pois deixa que eu escreva o final da sua com um eu te amo.
   - Não me provoca risos. O romantismo se perdeu entre o fim do século dezoito e metade do século vinte. Hoje em dia ninguém usa o verbo amar, mas sim, fazer amor. O amor deixou de ser um sentimento, melhor dizendo, deixou de ser sentido como o era, romântico, puro, para ser um ato mecânico-físico, não um sentimento que vem de dentro para fora, mas uma ação extrínseca que se consome no ato em sim e depois de consumido se perde dos parceiros.
   - Eu te amo. - Ela disse pausadamente e acreditava no que estava dizendo, pois sentia.
   - Você não precisa dizer isso para que eu desista...
   - Mas eu te amo.
   - ... do meu intento. O suicídio é um ato covarde que precisa de muita coragem para se cometer. Eu não tenho. - Esmorecido, colocou o revólver no rack e a afastou de si, pois, aos prantos, ela tentava lhe abraçar implorando que o amasse.
   - Por favor, essa história não merece um fim dramático. Não estamos em um dramalhão mexicano. - Pegou a sua mochila deixando tudo para trás, filhos, esposa, a profissão e a amante (?).
   - A história da minha vida de agora em diante será precedida por reticências, qual final vai ter eu não sei, só espero que o autor que a esteja escrevendo não seja tão mau escritor como eu fui. - Saiu sem dizer adeus.
   Ela voltou ao escritório durante um mês, todos os dias, na esperança que ele voltasse. Como não voltou, seguiu a sua vida. Divorciou, casou novamente, teve filhos e nunca deixou de amá-lo. Habitualmente, percorria as livrarias da cidade pesquisando todos os livros lançados. Enfim, cansada da pesquisa, cabelos achumbados, precisando de uma bengala para se locomover, viu em uma das livrarias o último lançamento, cujo título era, "Segui te amando após todas as reticências". No rodapé da capa estava o nome dele.  

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11 comentários:

  1. gostei muito e mais ainda qdo cita o Paulo Coelho, que nao merece nem ser citado:(
    amar, sim, nao fazer o amor...

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  2. Seu texto prende e solta: gosto!
    Abração!
    Berzé

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  3. O amor....seguimos nossos caminhos que foram se desvencilhando de quem amamos,mas nunca esquecemos e o sentimento fica ali num cantinho guardado do coração.
    Abraços

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  4. Eder, que história surpreendente! Eu achando que ela tomava um rumo, e tomou outro completamente diferente. Maravilhoso. O que me tocou mesmo foi quando ele diz que não se conjuga mais o verbo amar, e sim fazer amor. Traduziu com poucas palavras o que eu já sei mas não conseguia verbalizar. E existem muitas histórias assim, de amores que se afastam e sofrem separados. Por que? Não sei. Parabéns, gostei muito, um abraço!

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  5. Ai, fiquei arrepiada! Adoro! Pensei que ele tinha sido assaltado! rsrs... Desculpe a ausência, Éder, ultimamente estou meio atrapalhada por aqui. Mas sempre que der eu passo para ler, e daí leio tudo. Abração.;)

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  6. Caro amigo

    O título deste texto,
    é um dos mais belos
    que li em minha vida...

    Diante dele,
    tudo o que vem
    é a inspiração
    que uma forma de amar assim,
    pode trazer a nossa vida.


    Que sempre haja amor,
    para alimentar de sentidos
    nossa vida.

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  7. Oi Eder

    ainda bem que entre a cabeça e a arma havia o monitor, no primeiro capítulo jamais imaginei isto. Triste história, muito triste um amor sacrificado e vivo por toda uma vida, desencontros possíveis, mas sempre incompreensíveis se há o desejo dos dois, complexidades humanas.

    Graças ao linkwithin andei lendo poemas antigos seus, adorei!

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  8. passando pra deixar um abraço. boa semana, bjs

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  9. São os encontros e desencontros dessa vida amigo Éder e por isso mesmo é que se diz que para viver um grande amor é preciso coragem.Só se sabe se erramos se ao menos tentarmos.
    Abraço carinhoso,bom dia!

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  10. Mensageiras do Mar

    Ondas são mensageiras do mar.
    Quando harmoniosas trazem notícias
    Que enchem nossos corações de alegria.

    Quando o homem destrói o seu meio, o mar,
    Elas são vingativas,
    Trazem mensagens de fúria
    Rompendo diques, invadindo ruas...

    Ondas são como o beijo:
    Oferecido pela pessoa amada
    Deixa-nos sedentos de amor.
    Mas quando frio, gelado
    Deixa-nos cada vez mais finitos.

    As ondas são o pacto
    Entre o mar e o oceano
    Que reivindicam o que lhes pertence:
    Grãos de areia que juntos
    Formam o seu leito,
    O seu repouso.

    *Do livro “O Anjo e a Tempestade”, do escritor mineiro Agamenon Troyan
    MSN: machadocultural (arroba) hot ponto com

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  11. Nossa!!!
    Li a parte I e agora a final, eu AMEI POR DEMAIS!!
    Um dos contos mais lindos que você jpa escreveu Eder.
    Parabéns!!
    ADOREI!!
    Beijos meu amigo.

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