Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sábado, 14 de abril de 2012

Quando o amor acaba

   Carlos com as duas mãos apoiadas na pia olha a imagem triste refletida no espelho do banheiro. As lágrimas que caem dos olhos desenha no seu rosto dor. Aos vinte anos tem um rosto belo e jovem. Limpa as lágrimas, olha bem dentro dos seus olhos e percebe que sua alma envelhecera, não havia vigor, nenhuma vontade. Num ato de desespero querendo apagar aquela imagem no espelho como quem desfazendo da sua alma, ele pega a tesoura com as duas mãos e crava no espelho. Cacos de vidros sangraram-lhe os braços. A dor da alma e a dor física agora são companheiras. Ele urra, esbraveja, derruba todos os utensílios do banheiro, com os pés quebra o vaso sanitário. Vai até o quarto e desfaz as malas que estavam em cima da cama, espalhando suas roupas; revira o colchão. Quebra tudo que vê pela frente. Exaurido e todo ensangüentado se joga no chão. Lágrimas e sangue jorram. Sentado ele começa a tirar os cacos de vidro do braço quando ouve a campainha tocar.
   - Carteiro. Carta para Carlos Miranda.
   - Joga por debaixo da porta. – Grunhe Carlos.
   Refeito dos ferimentos do corpo, Carlos pega a carta, os da alma ele teria que suportar, pois estes não tinham cura. Sua doce Marta o rejeita. Pede explicação, mas ela não dá, pede para ir embora, mas ela não deixa. Displicentemente ele abre a carta sem notar o nome da remetente.


   “São Paulo, 13 de agosto de 1985.
                             
   “Querido Carlos, quando você estiver lendo está carta já estarei longe. Aqui estará escritas todas as respostas que você sempre quis. O motivo verdadeiro por não te querer. Lembra quando você dizia que meus olhos são espelhos da minha alma e o por quê de carregar sempre um olhar triste; por não te contestar, antes o que era uma pergunta, tornou-se uma afirmativa. Assim você me define. Por você não ser direto era fácil fugir das tuas perguntas. A vida está me cansando, como não tenho coragem de desistir dela, ela está desistindo de mim. Resolvi tirar os fantasmas internos para que os externos descerrasse a máscara que me cobre. Assim meus olhos espelharão a minha verdadeira alma.
   “Vou lhe contar a minha história.
   “Havia decorrido três meses que eu estava trabalhando naquela loja. Tudo era monótono. Como você bem sabe, eu me canso fácil das coisas. Acertei as minhas contas quando ele entrou na loja e me perguntou se eu poderia lhe atender. Expliquei que não trabalhava mais naquela loja. Todo galanteador, Pedro, este era teu nome, disse que eu não sabia o que ele queria. Cair na besteira de perguntar o quê. Foi direto. Você. Elogiou-me dizendo que eu era bonita. A natureza foi grata comigo, pelo menos este atributo me deu.
   “Encantada com tantos elogios, pedi licença e fui até a porta, quando voltei, ele quis saber o porquê daquela atitude. Disse-lhe que estava procurando a carruagem, pois com todo aquele garbo ele só poderia ser um príncipe. Pedro riu e disse que eu era uma mulher fácil de se apaixonar, pois sabia como ninguém moldar um sorriso no rosto de um homem e a mulher que consegue isso sabe como fazê-lo feliz. Saímos e quando estávamos atravessando a rua, Pedro pegou-me pelo braço suavemente e disse que tinha esquecido de algo. Voltou com um buquê de rosas. O mundo parou naquele instante. Nos olhamos, os nossos olhos brilhavam de felicidade. Nossos lábios se encontraram. Uma onda de felicidade penetrou em mim e percebi que daquele dia em diante eu não conheceria outra estrada senão a estrada da felicidade cercada de muito amor.
   “Quem disse, Carlos, que o para sempre é para sempre. Nada é eterno, um dia acaba. Pode ser por um processo natural ou acidental, mas acaba. E acabou.
   “Vivíamos felizes havia cinco anos. Ele fazia tudo por mim, não me permitia ocupar com os afazeres domésticos. Chegava ao absurdo de no fim de semana, folga de nossa empregada, ele cozinhar e levar na cama. Devido essa ociosidade, voluntariamente ajudava numa instituição de mães solteiras. Como éramos ricos, comprava roupas de gestantes e recém-nascidos e levava toda sexta-feira para a instituição. Sentia útil.
   “O sonho dele era ter um filho e durante todo este tempo tentamos. Numa quinta-feira peguei uma virose e fiquei acamada. Pedro deu toda atenção velando por minha saúde. No domingo um pouco melhor pedi para pegar uma roupa leve enquanto tomava banho. Foi o começo do meu inferno. Ele achou as roupas de recém-nascido e me felicitou pela gravidez. A felicidade estampada no seu rosto era de uma intensidade imensurável. Com medo de decepcioná-lo não contei a verdade. E assim foi por três meses. Passei a achar que também estava grávida. Tudo era belo. As carícias, a atenção, o cuidado dele para comigo fascinava-me. Estava perdidamente apaixonada por ele. Carlos, às vezes eu me pergunto o que fizemos para as mãos de Deus nos tirar do paraíso e de repente nos jogar no caldeirão do inferno. O começo do fim mostrou seu rosto. Dores infernais na barriga. Cólicas insuportáveis. E o que menos se esperava aconteceu. A menstruação desceu. Gravidez psicológica. Quando ele soube do diagnóstico se transformou. Daquele dia até o fim do nosso relacionamento não o reconheci mais. Frases incômodas saíram de sua boca. Chegou ao absurdo de dizer que eu não era mulher, que eu era oca por dentro, pois eu não tinha capacidade de dar-lhe um filho. Até hoje suas últimas palavras estão gravadas no meu coração: “Se for para ter uma mulher igual a você, prefiro uma prostituta, pelo menos ela me dará mais prazer”. Foi o fim.
   “Carlos, resumindo, esta é minha história. Eu não consigo amar mais ninguém. Pedro conseguiu retirar de mim todo o amor que eu tinha. Sempre quis você por perto porque nas gentilezas você me lembrava muito ele, e lembrar do Pedro é lembrar o que de ruim o amor pode causar. Adeus.
                                           Afetuosamente, tua amiga
                  Marta Assunção.


   Carlos não tinha mais lágrimas a derramar, as cicatrizes do corpo seriam curadas, as da alma ele delegava ao tempo a cura. Olhou para a casa toda bagunçada e viu o retrato da Marta no meio dos entulhos. Pegou-o e rasgou-o juntamente com a carta. Bastava-lhe os traços que Marta maculou em teu coração, eram lembranças demais para suportar, qualquer outra lhe traria mais dor. Partiu só com as roupas do corpo. Não olhou para trás.

   Vinte anos depois.

   Setembro de 2005, estava eu de férias a passear pelo calçadão da praia, ao entardecer, praia deserta. Paro e sento no banco a admirar o horizonte e percebo a infinitude da natureza, tudo transforma e é transformado, mas ao mesmo tempo tudo é infinito, somente nós somos finitos. Quando vejo sentada na areia, o mar a molhar seus pés, inerte qual pedra esperando as águas lhe dar nova forma, a figura de alguém, largada. Era Marta, transformada pela desilusão, abraçara para sempre a solidão como companheira a espera do fim.

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   História baseada em fatos reais. Nome dos personagens foram trocados para preservar a identidade dos mesmos.
   Carlos: Após partir nunca mais soube notícias dele.
   Pedro: Casou-se de novo.
   Marta: Hoje aos quarenta e dois anos vive sozinha. Nunca teve filhos devido seu útero ter formato de coração. Após vários miomas retirou o útero.
   Obrigado Marta por compartilhar sua história comigo. Vou sempre guardar de ti a frase de Gandhi que sempre cita: “A felicidade é o caminho, não existe caminho para felicidade”. Então Marta, caminhamos. 

Texto de 2006

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13 comentários:

  1. esplendida, apesar de triste, esta historia! parabens voce é um mestre para escrever!!!!
    beijos

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  2. Muito interessante a história, apesar de que não concordo com Marta, não foi por que uma pessoa agiu de certa form que todas irão agir igual. Acho que isso foi um pouco de precipitação da parte dela. Sem falar que ela cultivou o amor de um homem o enganando, ou seja no final ela fez algo muito pior do que Pedro a fizera.
    Quanto a Pedro ele não amava Marta, o amor é muito mais que um sentimento oco, nele você tem que respeitar as limitações e dificuldades do outro e superar os problemas juntos com paciência.
    Novamente sua narrativa foi incrível.
    Abç

    adraftbox.blogspot.com

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  3. Olá Eder!

    Como sempre o faz, sabes muito bem como nos prender em seus textos. Apesar de longos o lemos até o final, porque queremos saber ate a onde a trama nos leva.

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  4. Oi Eder,

    que história forte! A vida consegue ser às vezes mais dramática do que a ficção. 3 vidas entrelaçadas. Tudo está entrelaçado. A atitude de um interfere na vida do outro anos depois. Carlos vivendo um drama com Marta, porque houve o Pedro.

    Bom final de semana. Beijos

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  5. Caro amigo

    Lindo texto e também triste,
    principalmente por
    ser uma história real.

    Lembrou-me o filme
    A ÉPOCA DA INOCÊNCIA...


    Que o abraço da alegria
    lhe conforte a vida.

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  6. Oi, Eder, gostei muito do seu texto. Fico pensando porque o amor é assim, parece sempre tão complicado fluir uma história verdadeira entre duas pessoas que se amem...As sequelas de Marta, causadas por Pedro, refletiram-se na vida de carlos. Situação muito mais comum do que se imagina. Se Marta encontrou sua felicidade assim, é o que importa. Um abraço!

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  7. .

    .

    . a vida toda numa só vida . em duas . ou em três ,,, .

    .

    .

    . [. gratíssimo pela presença . na minha página de aniversário .] .

    .

    .

    . um forte abraço .

    .

    .

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  8. escrever uma história baseada em fatos reais sempre é mais forte e bela. adorei!
    beijos

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  9. Adorei, Eder.

    O rio da vida dos personagens se entrelaçando e correndo em rumos ora para o mesmo mar ora para outros mares...

    Parabéns!

    Quero uma semana maravilhosa para você!

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  10. As histórias é para serem contadas e as feridas para serem saradas. Que Marta descubra novamente a alegria de viver.
    Eder, obrigada por compartilhar esta histórias. Tenha dias abençoados! Bjs

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  11. Eder,
    É uma história triste e bela ao mesmo tempo.
    A vida é como uma montanha-russa.....
    Abraços

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  12. Exorcisamos muitos fantasmas pessoais quando escrevemos.
    Percebo isso nesse texto em particular.
    Abraço e bom dia amigo!

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  13. Nossa Eder que história e mais ao saber que é verídica. O amor pode causar e abrir muitas feridas não tenho dúvida disso, mas a vida sempre se encarrega de ao nos tirar algo, nos dar algo melhor. Acredito que a vida não é só tristeza nem felicidade e desejo do fundo do coração que "Marta" descubra novamente o amor e seja muito feliz. Aliás é o que desejo a todos dessa história: um caminhar com amor e alegrias.
    Aproveito para de dizer que estou com um blog novo: tantoscaminhos.blogspot.com
    Ano passado fiz muitas mudanças no blog e os amigos não recebeiam as atualizações e nem conseguima segui-lo.
    Um beijo

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