Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sábado, 21 de abril de 2012

As imagens que nos moldam


         PARTE FINAL
   ‘A VIDA AOS VINTE E CINCO’.

   Rameiras, dessas que se acham em qualquer esquina eram corriqueiras nas mãos de Tarcísio. Perdido em noite escura, como todas as noites são para ele, Tarcísio a viu passar em sua frente deixando seu perfume impregnado no ar. Aquele aroma aguçou o seu olfato e despertou nele o desejo incontrolável de possuí-la. Flecha desesperada em busca do alvo, Tarcísio se lançou em sua direção. Roubou-lhe do seu caminho agarrando-a pelos braços. Uma mistura de medo e excitação pelo ato inesperado, ela como gata no cio, se deixou vencer.
   Foi nesse período da vida que Tarcísio foi moldado pelo lado bom da vida. O amor dava novos tons no barro seco de sua alma. Durante o tempo que viveu com seu amor ele foi transformado, apagando qualquer traço de maldade que ainda houvesse.
   Tarcísio esqueceu que a vida nos testa todos os dias para saber o quanto estamos maduro e se percebe que ainda estamos verdes nos oferece o sofrimento para a transformação, e se aprendemos, amadurecemos. Se não, apodrecemos. E ele apodreceu, pois sempre haverá a nodoa tingida na sua alma pelos seus pais.
   Quando ele chegou em casa o dia já estava perdendo o seu colorido habitual para ganhar mais tons de cinza e preto. Era noite. Um breu circundava a sua casa, como se a alma dos seus pais cobrisse o céu em sua volta. Apenas um clarão a iluminar o seu quarto. A luz o convidou para entrar. Ele tentou fugir, mas ela se engendrou por todo o seu corpo e o empurrou para dentro. Os sons que lhe chegaram já denunciavam o que os olhos não queriam ver. Mas para enxergar há a necessidade da luz, e ela lá estava para lhe ajudar. Tarcísio viu seu amor com outro. Águas salgadas a lhe salpicar dos olhos, dando cor rósea ao sangue dos corpos da sua esposa e do seu amante, saíam. Gritos ensurdecedores de por quê rasgavam-lhe pela boca.
   Tarcísio não entendia que a transformação tem de vir de dentro para fora, não era o outro, mas nós mesmos, por vontade própria, que nos transformávamos.

   ‘A VIDA AOS SESSENTA’.

   Tudo lhe era postiço. Para enxergar havia de ter lentes de correção e não havia luz no mundo que lhe colorisse um palmo a sua frente, contudo, o preto e o branco eram as cores que davam tonalidade a sua vida, pois sabia que estava ficando cego. Definitivamente a natureza estava dando conta do seu terror lhe tirando a visão. O pouco da audição que tinha só dava para escutar se lhes falassem bem de perto. As pernas não agüentavam o peso do corpo, quiçá da alma. Pele enrugada como folha seca do outono delineava em cada linha as maldades que na alma se escondiam. Os cabelos brancos, ralos e compridos escondiam a máscara inacabada de um homem que não soube moldar a si por si mesmo e sim pelo que os outros diziam ser a verdade. E a curva do tempo lhe caía tão bem tirando dele o que dos outros bem soube tirar: a vida. Curvado sobre si mesmo, Tarcisio sentado no chão, esperava que a morte o espreitasse e bondosamente desse cabo da sua vida. Já tinha vivido o suficiente.
   O olfato era o único dos sentidos que ainda demonstrava que aquele farrapo de homem estava vivo. O ar lhe trazia o aroma que um dia despertou-lhe o desejo de possuir a carne. Mas isso era impossível, ela estava morta. Sorrateiramente um sussurro lhe chega pelas costas e ele sente o calor dela lhe tirar da letargia que se encontrava.
   - Vem que eu vou lhe levar de encontro à luz e de novo você enxergará – Ela sussurrou nos ouvidos de Tarcísio. Ele tentou se levantar, mas o corpo não corresponde ao chamado da sua vontade. Ele não era o que desejava, mas o que sentia. Todos os seus sentimentos eram de inutilidade, o tempo já deixara nele a sua marca. Não havia forças naquele corpo que pudesse, por vontade própria, lhe desviar do caminho que o destino lhe reservara. Ela, sofregamente, lhe arrancou, pelos braços, do chão levando-o de encontro à luz.
   Ao abrir os olhos e sentir o calor da luz aproximando, seu primeiro sentimento foi de medo. Aos poucos ele foi se acostumando, pois sabia que na velhice ele tinha que se adaptar a tudo que lhe vinha ao encontro, se força não tinha para a reação. Uma imensa brancura foi a primeira imagem que lhe veio aos olhos. A cada segundo que a visão se adaptava a luz, as várias tonalidades de branco foram ganhando cor rósea até chegar às variedades da cor vermelho carmim.
   Diante dele sentado num trono, a imagem do seu pai, com chifres na cabeça, um rabo entre as pernas e um tridente nas mãos escarnecia da sua figura. Finalmente ele tinha encontrado aqueles que lhe caía bem. Estava no seu mundo.
   E assim a vida nos reserva a estada final, de acordo com a imagem e som que recebemos, quando, bem cedo, moldamos nossa alma ao nosso corpo.
Texto de 2006
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12 comentários:

  1. Olá amigo...obrigado pelo comentário generoso lá no Verseiro...Vinicius deve ter se retorcido no caixão...rs...
    Lendo suas considerações aqui...afirmo que meu olfato é o pior dos meus sentidos...herança de pai...uma lástima quando necessito decifrar algum aroma seja agradável ou não...pena...
    Parabéns por mais uma vez nos prender a estória...o final dessa é meio sinistro, mas ficou show...rs...
    Um abraço na alma....bom fim de semana

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  2. Oi Eder,

    adorei esta história,mas uma das demonstrações da sua imensa capacidade de construção. Mas não consegui não sentir pena do Tarcísio mesmo com toda maldade que ele guardava em si, pobres homens que não conseguem salvar a si mesmos.

    Um beijo!

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  3. Eder
    Um conto bem desenvolvido e com uma escrita intensa e envolvente. Li com imenso prazer.
    beijos

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  4. Nossa, que final arrepiante.
    Fiquei a pensar sobre o dia em que eu for me embora desse mundo...

    Gostei meu amigo, me prendeu a atenção e fiquei sentindo pena em ver que o que o Tarcísio carregou dentro de si, a vida toda, ele encontrou no final dela.
    Triste, muito triste.

    Beijos.

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  5. Eder,
    Seu poder com as palavras é incrível.
    Sensacional!!
    Abraços

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  6. OI Eder

    Então.. forte, marcante, como sinto teus contos.
    E esse garoto era de um pobreza de espirito desde sempre.
    Tua última linha resume tudo, nos moldamos, então que seja de coisas boas.

    Admiração pela tua escrita, que seja redundância..rs é verdade.

    Beijo meu

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  7. apesar de tudo coitado do Tarcisio:)
    vce é um escritor fabuloso! bjs

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  8. Oi, Eder, fiquei triste com o final de Tarcísio, apesar de entender que todos na vida temos escolhas. Ele não cresceu no meio mais adequado, mas não é desculpa para tornar sua vida preto e branco. Quem dá as cores somos nós, com o amadurecimento, o perdão e as lições que levamos da vida. Um abraço!

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  9. "E assim a vida nos reserva a estada final, de acordo com a imagem e som que recebemos, quando, bem cedo, moldamos nossa alma ao nosso corpo."
    Lindos textos, como sempre. Parabéns!
    Tenha uma semana abençoada!Bjs

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  10. Olá, Éder
    Que no final das nossas vidas, início da outra, nos reencontremos com os nosso lado bom... no mínmo!!!
    Abraços fraternos de paz

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  11. A vida é demasiado breve para irmos atrás de que outros pretendem que façamos com ela...e é sempre tempo de mudança!!! Seja em que idade for! Beijos

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  12. A vida e sua justiça: mais cedo ou mais tarde iremos colher de volta o que plantamos. Mas eu acredito que ninguém é mal por determinação do destino. Há escolhas que por vezes são custosas, mas que estão nas nossas mãos. Como disse Pedras Nuas, é sempre tempo de mudança.!
    Beijokas e meu carinho.

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