Parte I
"Era o meu fim"
Escreveu sem saber qual sinal de pontuação
deveria usar. Tentou uma interrogação e a deletou, pois essa foi a pergunta que
mais se fez a cada insucesso e assim que uma resposta era encontrada, o
recomeço redundava em um novo fracasso. Era isso que ele não queria. Ao
finalizar a frase com reticências, sorveu o café lentamente, não para
saboreá-lo, mas para se acostumar com a pontuação usada, cujo uso, em seus
escritos, era raro por passar a ideia de que a história não teria um fim,
contudo, o que ele mais ansiava era o fim. Deletou-a. Por um longo tempo,
deixou a frase finalizada com um ponto de exclamação e foi à janela por não ter
mais nada a fazer. Voltou da mesma forma que foi, entediado. Jogou-se na
cadeira, pôs o cotovelo sobre o rack, apoiou o queixo nas palmas da mão, olhou
o monitor enxergando além da frase e não gostou do que viu. Penteando o cabelo
com os dedos e meneando a cabeça para os lados com a intenção de afastar os
maus pensamentos, deletou o ponto de exclamação, pois dava a ideia da intenção
do fim, não o fim em si, o fim que enxergou além da frase. O fim! Passado
alguns minutos entre pensar, idealizar e agir, emborcou a garrafa térmica,
porém a mesma estava vazia. Girou a cadeira jogando a xícara para cima e a
pegou de volta. Fez o gesto amiúde, até o barulho da xícara se quebrando no
chão o fazer voltar à vida. Pronto, não cabia mais pensamento, ou idealização,
mas somente ação. Colocou um ponto final na frase, pegou o revólver que havia
colocado próximo ao mouse, olhou a frase pronta com a pontuação correta e
atirou. O estampido do tiro fez com que os pombos descansando no fio da rede
elétrica alçassem voo e voltasse logo em seguida depois que o silêncio imperou
na rua. Dos transeuntes não se poderia esperar a mesma reação, acostumados com
a rotina da violência, passaram indiferentes ao ruído. Somente uma pessoa,
próximo da rua, ouviu o estampido; desesperada, aos gritos, correu em direção
ao ruído, assustando os pombos que alçaram voo em busca de tranquilidade. Mais
uma vez, os transeuntes ignoraram o desespero da mulher que gritava, tanto
quanto a inquietude dos pombos.
HORAS ANTES
Atrasada, ela subiu as escadas de dois em
dois degraus. Esbaforida, jogou os Saramagos em cima da escrivaninha derrubando
"O homem duplicado" que caiu no chão rasgando a capa. A reação
aborrecida e de desaprovação dele se rendeu ao sorriso largo seguido pelo
brilho dos olhos verdes água que ela tão bem sabia usar quando se encontrava em
situação como essa. Ela provocava nos outros uma atração tão natural que todos,
sem exceção, se rendiam aos seus encantos.
- Como estou? - Quando ele fazia esse tipo
de pergunta, sempre esperava um elogio.
- Meu Deus, você não aprende mesmo. - Ainda
ofegante, disse com sorrisos, tanto nos lábios, quanto nos olhos, ajeitando a
sua gravata.
- Você sabe o perigo que corre aproximando
assim de mim.
- Hum, hum...
- Eu queria aprender a lhe dar um nó para
desatá-lo na cama. - Colocou no rosto uma seriedade que não lhe pertencia.
- Isso soa tão vulgar para quem escreve. Garanto
que você não usa esses diálogos em seus livros.
- Qual? O nó ou o desatar na cama? -
Abraçou-a com força trazendo-a para mais próximo de si.
- Por Cristo! Homens. Só pensam em sexo. Vá
se ajeitar. Apressa-se, senão vai chegar atrasado. - Empurrou-o para se
desvencilhar do seu abraço e lhe deu um tapa no tórax.
- Se um dia, você perder essa maldita
herança católica de achar que o sexo só serve para procriar, vai se arrepender
e aí será tarde. - Não a ouviu responder, saiu batendo a porta, foi à garagem e
acelerou o carro rumo ao Anhembi.
Ela sabia que o nó já havia sido dado, pois
o amava, ou não? Como toda mulher, era insegura em relação aos seus
sentimentos, tanto quanto em demonstrá-los. E se o amasse? Desatar o nó é que seria difícil enquanto
estivessem casados, ambos, com seus respectivos parceiros. Apanhou o Saramago
do chão e terminou de lê-lo. Fechou o escritório, encostou-se na porta e suspirou.
Foi tentando deixar os sentimentos por ele para trás. Imaginou o sucesso que o
seu livro faria na Bienal. Abraçada a sua fé, colheu uma margarida imaginária e
a despetalando disse, eu te amo, eu não te amo. Parou antes que as últimas
pétalas mostrassem o que ela não queria saber.
Continua
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Oi, Eder. O amor é um sentimento contraditório, lindo, gigante, incontrolável, mas é tão intenso que pode se tornar um nó difícil de atar, ou desatar. Pode-se perder o controle sobre si mesmo. Um abraço, curiosa para saber o restante!
ResponderExcluirPuxa! que bom texto,mesmo se o fim é tragico!!!abraço bem grande
ResponderExcluirE assim vamos tecendo os fios da vida, entrelaçando a nossa história em tantas outras!
ResponderExcluirVoltarei para acompanhar a envolvente história!
Um abraço com carinho e saudade!
Momento de decisão em que(falando em 1ª pessoa)ou se ouve a razão ou se ouve o coração.Um acordo entre os dois raramente é possível.Mas uma boa leitura pode ajudar a por as coisas no lugar ou simplesmente esfriar com uma pausa.
ResponderExcluirAbraço carinhoso,um pouco atarefada nesse período,mas sempre lembrando dos amigos queridos como você!
Nossa, nossa!
ResponderExcluirAchei fantástico, isto de colocar o fim no início, deu uma dramaticidade extra ao primeiro capítulo. Adorei!
Eder, querido, muito obrigada pelo seu carinho ao felicitar-me ontem.
Beijos!
Nossa muito tensa essa primeira parte, achei bem interessante a narrativa e me prendeu até o fim.
ResponderExcluirAnsioso pelo próximo capítulo.
Abç
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Eder, boa noite!
ResponderExcluirGrande capacidade de nos prender à leitura. Aguardo o novo capitulo.
Beijinho,
Ana Martins
Existem alguns nós que são realmente difíceis de desatar. São literalmente nós cegos... Esse foi um dos seus textos mais bonitos. Gostei demais, meu amigo. Bjs
ResponderExcluirSensacional!
ResponderExcluirCada frase traz em si uma expressão única nessa prosa. Gostei pra caramba do final dramático!
Ótimo final de semana!