Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

terça-feira, 24 de abril de 2012

Segui te amando após todas as reticências


         Parte I

   "Era o meu fim"
   Escreveu sem saber qual sinal de pontuação deveria usar. Tentou uma interrogação e a deletou, pois essa foi a pergunta que mais se fez a cada insucesso e assim que uma resposta era encontrada, o recomeço redundava em um novo fracasso. Era isso que ele não queria. Ao finalizar a frase com reticências, sorveu o café lentamente, não para saboreá-lo, mas para se acostumar com a pontuação usada, cujo uso, em seus escritos, era raro por passar a ideia de que a história não teria um fim, contudo, o que ele mais ansiava era o fim. Deletou-a. Por um longo tempo, deixou a frase finalizada com um ponto de exclamação e foi à janela por não ter mais nada a fazer. Voltou da mesma forma que foi, entediado. Jogou-se na cadeira, pôs o cotovelo sobre o rack, apoiou o queixo nas palmas da mão, olhou o monitor enxergando além da frase e não gostou do que viu. Penteando o cabelo com os dedos e meneando a cabeça para os lados com a intenção de afastar os maus pensamentos, deletou o ponto de exclamação, pois dava a ideia da intenção do fim, não o fim em si, o fim que enxergou além da frase. O fim! Passado alguns minutos entre pensar, idealizar e agir, emborcou a garrafa térmica, porém a mesma estava vazia. Girou a cadeira jogando a xícara para cima e a pegou de volta. Fez o gesto amiúde, até o barulho da xícara se quebrando no chão o fazer voltar à vida. Pronto, não cabia mais pensamento, ou idealização, mas somente ação. Colocou um ponto final na frase, pegou o revólver que havia colocado próximo ao mouse, olhou a frase pronta com a pontuação correta e atirou. O estampido do tiro fez com que os pombos descansando no fio da rede elétrica alçassem voo e voltasse logo em seguida depois que o silêncio imperou na rua. Dos transeuntes não se poderia esperar a mesma reação, acostumados com a rotina da violência, passaram indiferentes ao ruído. Somente uma pessoa, próximo da rua, ouviu o estampido; desesperada, aos gritos, correu em direção ao ruído, assustando os pombos que alçaram voo em busca de tranquilidade. Mais uma vez, os transeuntes ignoraram o desespero da mulher que gritava, tanto quanto a inquietude dos pombos.

HORAS ANTES

   Atrasada, ela subiu as escadas de dois em dois degraus. Esbaforida, jogou os Saramagos em cima da escrivaninha derrubando "O homem duplicado" que caiu no chão rasgando a capa. A reação aborrecida e de desaprovação dele se rendeu ao sorriso largo seguido pelo brilho dos olhos verdes água que ela tão bem sabia usar quando se encontrava em situação como essa. Ela provocava nos outros uma atração tão natural que todos, sem exceção, se rendiam aos seus encantos.
   - Como estou? - Quando ele fazia esse tipo de pergunta, sempre esperava um elogio.
   - Meu Deus, você não aprende mesmo. - Ainda ofegante, disse com sorrisos, tanto nos lábios, quanto nos olhos, ajeitando a sua gravata.
   - Você sabe o perigo que corre aproximando assim de mim.
   - Hum, hum...
   - Eu queria aprender a lhe dar um nó para desatá-lo na cama. - Colocou no rosto uma seriedade que não lhe pertencia.
   - Isso soa tão vulgar para quem escreve. Garanto que você não usa esses diálogos em seus livros.
   - Qual? O nó ou o desatar na cama? - Abraçou-a com força trazendo-a para mais próximo de si.
   - Por Cristo! Homens. Só pensam em sexo. Vá se ajeitar. Apressa-se, senão vai chegar atrasado. - Empurrou-o para se desvencilhar do seu abraço e lhe deu um tapa no tórax.
   - Se um dia, você perder essa maldita herança católica de achar que o sexo só serve para procriar, vai se arrepender e aí será tarde. - Não a ouviu responder, saiu batendo a porta, foi à garagem e acelerou o carro rumo ao Anhembi.
   Ela sabia que o nó já havia sido dado, pois o amava, ou não? Como toda mulher, era insegura em relação aos seus sentimentos, tanto quanto em demonstrá-los. E se o amasse?  Desatar o nó é que seria difícil enquanto estivessem casados, ambos, com seus respectivos parceiros. Apanhou o Saramago do chão e terminou de lê-lo. Fechou o escritório, encostou-se na porta e suspirou. Foi tentando deixar os sentimentos por ele para trás. Imaginou o sucesso que o seu livro faria na Bienal. Abraçada a sua fé, colheu uma margarida imaginária e a despetalando disse, eu te amo, eu não te amo. Parou antes que as últimas pétalas mostrassem o que ela não queria saber.

Continua

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9 comentários:

  1. Oi, Eder. O amor é um sentimento contraditório, lindo, gigante, incontrolável, mas é tão intenso que pode se tornar um nó difícil de atar, ou desatar. Pode-se perder o controle sobre si mesmo. Um abraço, curiosa para saber o restante!

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  2. Puxa! que bom texto,mesmo se o fim é tragico!!!abraço bem grande

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  3. E assim vamos tecendo os fios da vida, entrelaçando a nossa história em tantas outras!
    Voltarei para acompanhar a envolvente história!
    Um abraço com carinho e saudade!

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  4. Momento de decisão em que(falando em 1ª pessoa)ou se ouve a razão ou se ouve o coração.Um acordo entre os dois raramente é possível.Mas uma boa leitura pode ajudar a por as coisas no lugar ou simplesmente esfriar com uma pausa.
    Abraço carinhoso,um pouco atarefada nesse período,mas sempre lembrando dos amigos queridos como você!

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  5. Nossa, nossa!

    Achei fantástico, isto de colocar o fim no início, deu uma dramaticidade extra ao primeiro capítulo. Adorei!

    Eder, querido, muito obrigada pelo seu carinho ao felicitar-me ontem.

    Beijos!

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  6. Nossa muito tensa essa primeira parte, achei bem interessante a narrativa e me prendeu até o fim.
    Ansioso pelo próximo capítulo.
    Abç

    http://adraftbox.blogspot.com

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  7. Eder, boa noite!
    Grande capacidade de nos prender à leitura. Aguardo o novo capitulo.

    Beijinho,
    Ana Martins

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  8. Existem alguns nós que são realmente difíceis de desatar. São literalmente nós cegos... Esse foi um dos seus textos mais bonitos. Gostei demais, meu amigo. Bjs

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  9. Sensacional!

    Cada frase traz em si uma expressão única nessa prosa. Gostei pra caramba do final dramático!

    Ótimo final de semana!

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