PRIMEIRA PARTE
‘ A VIDA AOS CINCO’.
Quando a fôrma que nos moldam nos é apresentada, adere em nossa
alma nos tornando massa concreta, donde antes éramos apenas barro a espera do
sol a exalar a água nele contido para gravar o contorno final. Tarcísio teve um
péssimo artesão, amassou o barro, não o moldou. Sabe lá se um ser como este
possa ser chamado de artesão. Para Tarcísio chamá-lo de pai era um sacrifício,
mas assim ele exigia e assim Tarcísio o chamava, afinal, queira ou não, ele biologicamente
o era.
Aos cinco anos os ouvidos atentam para no ar pescar os sons, os
olhos as imagens e no embaralhamento dos dois, os tons que colorirá o barro
seco de nossa alma, ainda, sem cor, imaturo.
As noites para Tarcísio eram sempre assustadoras. Os sons e
imagens eram mais intensos. No seu quarto a escuridão lhe era companheira. A
fresta de luz que vinha do quarto dos seus pais, como laço incontrolável em
busca de alguns olhos para se mostrar, ia direto para os seus. Era nessa hora,
onde se fez luz dando claridade ao seu quarto, que o terror aumentava. Como lhe
era doce a escuridão. A luz ia aumentando de intensidade e Tarcísio,
embriagado, se deixava guiar. Pela fresta da porta do quarto dos seus pais, os
sons e imagens eram as fôrmas que ia lhe moldar. Eram sons e imagens doentias
ou os olhos e ouvidos que não estavam preparados? Tarcísio nunca conseguiu
responder, pois recordar as imagens e sons era uma viagem ao terror de si
mesmo. Mas nunca se apaga o que nos marcou profundamente. Seu pai, abruptamente,
sobe em cima de sua mãe, levanta o lençol e se cobrem. A luz só lhe mostra o
contorno dos corpos se mexendo embaixo do lençol. Risos e gemidos se ouvem. De
repente a luz, em flashes, lhe mostra um ser irreconhecível levantando a mão e
enchendo o rosto de sua mãe. O estalido do tapa se confunde com os gemidos de
prazer aos seus ouvidos. A imagem agora só tinha uma cor: o vermelho escarlate
a manchar o lençol. Ele não entendia o por quê chegava aos seus ouvidos a voz
de sua mãe dizendo ao seu pai, várias vezes, o eu te amo. Desse dia em diante,
quando se fazia noite, qualquer sinal de luz, um simples vaga-lume, era um
tormento para Tarcísio.
‘A VIDA AOS TREZE’.
Mesa ébano sem toalha, sobre ela um filete branquíssimo medindo um
palmo, no final um canudo, destes de tomar refrigerantes, cortado ao meio, em
pé, de encontro a um nariz que aspira todo o filete. Tarcísio ouve seus colegas
lhe dizer que ele era o próximo. Até aquele momento, o único pó por ele
aspirado era o pó que saía do tapete de entrada que sua mãe ganhou do seu pai,
em comemoração aos dez anos de casado, quando ela limpava reclamando da vida
dura que levava. Levado pelos outros, como todos adolescentes são, quando não
tem um lar, ou quando tem, não tem uma figura paterna ou materna para espelhar,
Tarcísio foi. Se o crime lhe dá por uma mão, lhe cobra pela outra. E assim
todos os seus amigos foram levados, sem exceção, pela mão que cobra. Perdido e
só, num desses momentos em que o álcool é refúgio, Tarcísio tentava esquecer o
que lhe era estranho e o que não era. Não conseguindo, a escuridão cobria tudo
em sua volta lhe avisando que já era noite.
Em casa, refugiado na escuridão do seu quarto, ele tateia a
gaveta, se contorcendo devido à abstinência das drogas, a procura de uma trouxa.
Acha a última que lhe restava. A abre, com o dedo ele experimenta para se
certificar que era droga. Aspira tudo. Êxtase e depois estupor. Lagarta a
explodir do casulo dando vida a um novo ser, Tarcísio sabia que lhe seria
melhor permanecer como lagarta protegida em seu casulo, mas não, a metamorfose
sempre agiria. O clarão da luz do quarto do seu pai adentrava por debaixo da
porta. Trancado em seu quarto para se proteger do seu terror, Tarcísio foi
induzido, por estar alcoolizado e drogado, a abrir a porta. O terror entrou lhe
chamando para espreitar, e ele foi para a porta do quarto do seu pai. Ouviu o
estalido do tapa do seu pai em sua mãe, ouviu os gemidos e o eu te amo. As
imagens eram mais vermelhas do que quando ele viu aos cinco anos. A própria luz
era mais incandescente dando mais força a claridade. Foi então, que, como
acordando de um pesadelo, ele percebeu que todo o seu corpo estava maculado de
vermelho e em sua mão uma faca pingando sangue, na cama dois corpos perfurados
em vários lugares. Estava feito. Nesse dia ele assassinou o seu terror
Continua.
Texto de 2006
Imagem clique AQUI
Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com
quarta-feira, 18 de abril de 2012
As imagens que nos moldam
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Como sempre contos muito fortes.
ResponderExcluirAguardando a continuação..
Abraços
tremendo!!!!!!!!!!!!! e muito bom!!!!!
ResponderExcluirbjos
Eder meu querido amigo!É incrível sua capacidade para expressar em palavras,para sentir em palavras,para ser empático em palavras com que
ResponderExcluiro outro nem sabe o que ele mesmo quer dizer.Parabens meu lindo amigo.... nasceste com dons que eu mesma a anos com muito esforço busco e nem chego a poeira de seus pés.Abraços de sua admiradora.
Oi Eder,
ResponderExcluirTão efêmera e ao mesmo tempo tão intensa, não é mesmo? Você nos lembrou isso de forma perspicaz.
Um grande abraço!
ps.: quero ler a continuação!
Oi, Eder, iniciando mais uma história, sabe que sou sua fã! Embora eu seja movida a amor e docilidade, gosto de conhecer o lado obscuro da vida como forma de conhecimento. As drogas são uma triste realidade. Um abraço!
ResponderExcluirCheguei na hora certa: a primeira parte de outra história-real tirada da sensibilidade da tua alma. Como sempre, impactante!
ResponderExcluirBeijokas e saudades.
Espero a continuação...
Caro professor e amigo Eder;
ResponderExcluirEmbora um pouco (muito) ausente da blogosfera, não deixo (raramente) de visitar os grandes escritores, verdadeiros artistas da nossa literatura em que sempre cituei o Eder. Esta "Crónica de Vida de Tarcísio" mostra o lado obscuro do abandono educacional em que certas familias cairam ou não souberam educar. É um conto, eu sei, mas é um pouco o espelho de parte da sociedade atual em que a ausência de valores leva ao descalabro total.
Agradeço-te imenso, amigo Eder, de tocares e focares tema tão cruel, emocional mas real e só o amigo tem a gramática certa para obra literária tão bela, abstrata e rica de interesse.
Grande abraço, amigo Eder.
Osvaldo
Ps- Seguirei atentamente a continuação.
Oi Eder,
ResponderExcluiro abandono emocional a que as crianças estão sujeitas faz tanto estrago nelas quento o abandono físico. E, o triste é que este abandono está cada vez mais presente nas famílias, onde fisicamente a criança tem tudo e emocionalmente muito pouco do que lhe é necessário.
Beijos
Oi Eder, que triste essa sua história e que infelizmente muitos viveram e outros tantos estão à viver.
ResponderExcluirMe arrepiou e senti a dor desse menino.
Espero que eu consiga voltar pra ler o próximo capítulo.
Obrigada pelo carinho lá no rabiscos.
Beijos de um delicioso final de semana.
Muito boa trama- adorei o estilo de narração!
ResponderExcluirAbração,
Rodrigo Davel