Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Vindo à luz - Final


    Pesadelos? Visões? Delírios alcoólicos? Quanto mais pergunta fazia a si, mais acelerado girava a sala, mormente se era sobre o ocorrido ali; contudo ao aquiescer os seus pensamentos, a sala parou de girar, e ele tomou o seu caminho.

    Desolado pelas vidas perdidas, o médico junta as palmas das mãos, encosta as pontas dos dedos indicadores nos lábios, descerra os olhos, pede o desfibrilador e o usa mais uma vez. A descarga elétrica no tórax da quarta vítima faz com que o seu corpo erga-se alguns milímetros e desaba em seguida na maca.
    Com o olhar consternado, no aparelho que mede os batimentos cardíacos, o médico vê no monitor a linha que seguia reta dar um salto, subindo e descendo ininterruptamente. A vida havia tomado o caminho de volta àquele corpo.

    A inquietude não o atacava quando estava nervoso, nem lhe tirava o discernimento para o julgamento, mesmo que fosse somente a tristeza que ele carregava nos olhos por ter provocado a morte dos seus três amigos. Havia marcas que ele levava consigo, invisíveis à primeira vista, inapagáveis, aprisionando-o, fazendo se perguntar o porquê de ter sobrevivido.
    Havia, também, uma mansidão oculta nos seu olhar; uma quietude lânguida perscrutando a sua alma; uma paz de espírito desejando aflorar, porém, um sopro duvidoso silabava na sua mente, mais do que o julgando, o acusando e o condenando. Sem quem o defendesse e lhe desse respostas, ou seja, absolvição, ele vivia em estado de nervosismo constante.
    Ele entrou em uma cafeteria e, sorrindo para si, pensou que as dúvidas tidas antes o levariam a um bar. Ao entrar, ele olhou de soslaio, reparou que o ambiente era lúgubre; diversas velas bruxuleavam em candelabros de bronze, o ar era impregnado com aroma de incenso de sândalo e um balsâmico desconhecido de seu olfato. Ele sentou em uma cadeira rústica - cuja madeira exalava o seu perfume como se tivesse sido cortada agora -, do lado esquerdo, contrário a porta de entrada. Na penumbra, ele não conseguiu divisar a fisionomia do atendente que lhe trouxe o chá pedido, mormente o mesmo estava encapuzado. Ele fechou os olhos, levou a xícara ao nariz para sentir o aroma do chá, era perfumado; provou-o degustando o seu sabor floral e adocicado. Teve a impressão de estar tomando a bebida dos deuses. O chá lhe trouxe uma tranquilidade nunca antes experimentada, como se lhe tirasse todas as dúvidas, absolvesse-o. Foi uma sensação estranha, de leveza, como se seu corpo tivesse perdido toda a massa e somente lhe restasse a alma. Ele levantou para perguntar ao atendente o nome do chá. Repentinamente, ele não conseguiu enxergar mais nada, uma luz rara e intensa irradiava do corpo do atendente.
    Os seus olhos não havia se acostumado ainda com a mudança de luminosidade, da penumbra angustiante à claridade ofuscante; porém, ao acostumar-se, seu cérebro foi delineando a imagem diante de si. Ele tentou correr, mas suas pernas não obedeciam ao seu desejo. Prostrou na cadeira com os cotovelos sobre os joelhos, as palmas das mãos sob o queixo e fitou os seis velhinhos diante de si, sentados a sua volta, a meia altura. Neste momento ele percebeu que andava em círculos e caía sempre no mesmo lugar. Um filete aquoso e morno lhe descia por entre as coxas como se uma veia houvesse estourado e expelisse em gotas o sangue. Ele abaixou a cabeça para localizar o sangramento, pois não sentia nenhuma dor. Fruto do seu medo, a urina lhe escorria pelas pernas sem ele ter percebido.

    Ele acordou assustado, sentindo golpes de água fria lhe tomando o rosto, e um filete de água morna lhe escorrendo pelas coxas. Desperto, ele vê a sua esposa agachar com dificuldade colocando o balde vazio no chão, erguer-se apoiando na cabeceira da cama, pois a barriga de, aproximadamente, quarenta semanas era um peso insuportável para o seu corpo magérrimo. Inquietou ao vê-la se dirigir a cozinha, pegar o bule esfumando e derramar em uma xícara um líquido que devido à distância não dava para definir cor e sabor. Apoiando-se no criado-mudo, ela sentou na cama oferecendo-lhe a xícara, pediu-lhe desculpas por ter usado água fria após várias tentativas de acordá-lo, pois esta foi a solução mais plausível devido a urgência de despertá-lo.
    No primeiro momento, ele não sentiu nem o aroma, nem o sabor do chá, sem saber se fora devido ao susto do despertar, ou ao medo pelo pesadelo. Refeito, os seus sentidos não o deixaria despercebido. A cor do chá era róseo, o aroma perfumado, o sabor floral e adocicado. Assustado, por o chá ter as mesmas características do que tomou na cafeteria, ele, desesperadamente, quis saber de sua esposa aonde ela o tinha conseguido. Ela lhe disse que seis velhinhos o havia ofertado como agradecimento por ela ter lhes dado esmolas. Ele não teve tempo de digerir aquela informação, pois a sua esposa, devido ao esforço ao jogar o balde de água fria, segurava com as duas mãos a barriga, e, assustada, olhava para o chão a poça de água formada em volta de seus pés. A bolsa havia estourada, sua filha vinha à luz. 

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11 comentários:

  1. Sempre MYRA cono ANONIMO!!!
    muito, muito, muito bom, claro sempre um pouco de susto:)
    mas acho otimo que sonho e realidade, sao mesma coisa:)))

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  2. chás podem ser tão alucinógenos quanto a nossa imaginação o é.

    Muito bom Eder.

    Um beijo!

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  3. Amei, querido amigo!
    Como sempre teus contos são cheios de uma "coisa" inexplicável que nos deixa vidrados e com vontade de mais, muito mais!!!
    Beijos, flores e muitos sorrisos!

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  4. Olá Eder...antes de comntar sobre o seu conto, li em algum lugar aqui algo sobre saudade e até iria pegar emprestado suas palavras para colocar na minha postagem, mas não me lmbro mais, sei que é algo muito bonito sobre saudade, sobre saudade das pessoas não de objetos...enfim...
    Parabéns pelo conto...para não fugir a regra o final sempre surpreende e dá a certeza de qu vale apena ler até o final...
    O lance da culpa fez com que eu me lembrasse de um episódio de minha adolescencia onde quase perdemos um amigo afogado...vixe...nem gosto de pensar...
    Parabéns amigo...mas o seu livro hein...tá demorando...rs
    Um abraço na alma...bom feriadão...
    Bjo no coração amigo

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  5. Eder, eu gostei muito do desfecho e destaco a cena da cafeteria, com uma riqueza de detalhes que me transportou pra lá.

    Muito bom. Parabéns!

    Um beijo.

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  6. ...a cena da cafeteria realmente
    nos leva pra lá.

    bjs nesta alma de encanto!

    muahhhhhhhhhhhhhh

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  7. Oi Éder!

    Um conto de tirar o fôlego..rs Surpreendeu-me da melhor forma possível esse desfecho. Adorei!

    Seu comentário no meu post despertou-me para uma outra forma de interpretar o texto. Nem por isso menos verdadeira e digo que você tem toda razão: enquanto humanos se não tivermos os olhos voltados para o alto as coisas mundanas nos aniquilariam...

    Linda tarde para você, querido!
    Que a paz permaneça em seu coração

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  8. Ó conto bom, não? Adorei!

    Abração,

    Rodrigo Davel

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  9. O belo dessas suas histórias dramáticas é que nos permitem viajar com a sua narração ,fazendo um paralelo entre o que pode ser real e o que é fruto exclusivamente da própria imaginação.
    Abraço carinhoso,

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  10. Uma mistura interessante e sugestiva ...:) Abraço

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