Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

PS: Urgência médica


Sempre ouvira do meu pai que a fé remove montanhas, como até hoje as montanhas que tive que ultrapassar não passava da altura de minhas pernas, não tive que ter fé para ultrapassá-la, bastou-me pulá-las. Não sou uma pessoa dada à oração, pois não rezo para nenhum santo por achar que humano algum é bom o suficiente para ser santificado, nem tão pouco acredito em Deus, pois se o deus da medicina é a ciência, da economia é o mercado, da computação é o Bill Gates e o da política é a prostituição, porque justo eu tenho que rezar para um Deus único, então rezo para a ciência, afinal como médico é ela, a ciência, que faz com que curo e salvo vidas.
Meu dia seria um dia de cão, pois minha secretária havia faltado por recomendação do seu pai de santo que a proibia de sair de casa numa sexta-feira treze. E hoje além de ser sexta-feira treze, era uma sexta-feira do mês de Agosto. Quanto a isto já havia acostumado e aceitava, afinal ela é muita prestativa. O que eu não aceitava era ela ter levado minha agenda. Passo na sala de espera perguntando a cada paciente o seu nome assim: “Qual o nome do senhor?”.  “Qual o nome da senhora?”. Quando chego ao último paciente, um velho na faixa de sessenta anos, com uma bíblia em mãos, chapéus sobre os joelhos e um crucifixo no pescoço, pergunto-lhe:
- Qual o nome do senhor?
- Jesus Cristo – respondeu o velhinho.
Volto para minha sala chamando um por um todos os pacientes, por último o velhinho: Jesus Cristo. Chamo uma, duas, três, quatro vezes. Nada do velhinho sair do banco. Vou até ele e lhe digo que o chamei e qual era a razão dele não entrar na sala. Aí ele me responde que eu não o chamei. Digo-lhe que chamei quatro vezes seu nome: Jesus Cristo. Ele me responde:
- Mas este não é o meu nome.
- Como? Você me disse que o nome do senhor é Jesus Cristo.
- Sim, o nome do Senhor é Jesus Cristo, o meu é José de Souza.
Não precisa dizer que deu vontade de mandar o José para Brasília, afinal a maioria dos filhos de messalinas trabalha lá.
Só os gregos sabem em que dado momento da história o homem inventou Deus, por isso, apesar do terceiro sexo, da trindade, da tridimensionalidade, dos tribalistas etc, vivemos em um mundo dual, houve a necessidade de inventar o Diabo. Portanto, a partir daí todo ato deixou de ser humano, nos acertos, obra divina, nos erros, para se eximir das culpas, obra diabólica, ou dos outros, afinal o inferno são os outros.
Neste dia Deus deveria estar de férias, e se o diabo tinha alguma feição humana era daquele rosto que estava se encaminhando para minha sala. O dia estava esquentando, parecia que ia ferver. E ferveu. Estava preenchendo o prontuário quando entra na sala o dito cujo, no caso o homem relatado acima, ou seja, o diabo em pessoa, ferido a bala com um casaco que ia até os calcanhares, achei estranho devido o calor que estava fazendo, afinal o inferno é quente o suficiente. Como ele já estava dentro da sala tive que atendê-lo. Quando toco no ferimento percebo que ele carrega uma arma na cintura, tento tirá-la e ele me dá uma gravata. Percebendo que ele não me soltaria e nem me daria a arma, explico que a única pessoa que poderia cuidar dos seus ferimentos seria eu, e que tiraria uma gaveta da minha mesa e ele colocaria a arma lá dentro e ficaria com a gaveta. Ele concordou. Para meu total espanto ele tira o 38 que estava me ameaçando, uma automática, um AR15 e tantas armas que eu fiquei imaginando qual dos filmes de Bruce Willis ele saiu. Não me espantaria se eu abrisse a porta achasse na sala de espera o Clint Weastwood, Silvester Stallone, Arnold Schwaznegger e Chuck Norris. Após medicá-lo o bandido saiu. Na pressa ele esqueceu o 38. Abri a porta e vi que a sala de espera estava lotada. Com as fichas com os nomes dos pacientes na mão esquerda, eu, com a mão direita, comecei a chamá-los: Luis Silva. Luis Silva. Gritei e gesticulando com a mão direita exaustivamente chamei de novo: LUIS SILVA. E nada do desgraçado aparecer. Próximo: José Genuíno. José Genuíno. Novamente gesticulando com a mão direita gritei: JOSÉ GENUÍNO. Nada de aparecer. Tentei o próximo: Marcos Valerio. Marcos Valerio. Nada. Gesticulei com a mão direita e berrei: MARCOS VALERIO. Quando olho para me certificar se realmente a sala de espera estava lotada de pacientes, o que vejo, senão o tucano empalhado em cima da mesinha de centro. Nenhuma alma viva ali estava. Desesperado, vejo o guarda vindo da portaria em minha direção dizendo;
- Doutor na tua mão.
- Sim, as fichas com o nome dos pacientes, mas sumiram todos.
- Não nessa mão doutor, na outra.
Quando olho na mão direita vejo o 38 que o bandido havia esquecido.   




        Texto escrito em 2007

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9 comentários:

  1. MYRA a Anonima|
    outro texto fantastico, literal e etc!!!!
    continuo dizendo que vc. é um escritor e tanto!!
    abraços

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  2. Volto a afirmar que sua criatividade e o dom/exercício da escrita me chamam a atenção.´

    Na política muitos debandam...só não voa o tucano empalhado.
    abraço

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  3. ...êita,
    como é gostoso entrar aqui
    e deliciar-me com teus
    escritos ímpar!

    bjs, moço escritor!

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  4. Meu amigo Eder... estou a contorcionar-me aqui de tanta risada... o seu texto está simplesmente magnífico.. disse muito daquilo em que eu acredito, mas que nunca tive como dizer, não pelo menos de forma tão divertida... achei simplesmente o máximo!
    Valeu a pena vir aqui hoje!
    Beijos, flores e muitos sorrisos!

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  5. hahaha

    você e sua mania de surpreender-nos, surpresa total no desfecho. Santa criatividade, Eder.

    Um beijão

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  6. rs.. que maravilha de texto!!

    Adorei Eder

    Beijo meu, bom final de semana.

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  7. Caro amigo

    As palavras
    que fazem sorrir,
    são preciosas
    pelas alegrias
    que acordam em nossas vidas.


    Que a alegria
    faça folia
    em teu coração.

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  8. VOCÊ CAMINHA COM DESENVOLTURA POR TODAS AS FORMAS DE ESCRITAS!
    Um Conto ou Crônica CHEIO DE humor e surpresas!
    Parabens!

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  9. Olha teu texto, por sinal muito bem escrito, lembrou-me o quanto nada somos... Se tivéssemos algum domínio nas mãos seríamos muito piores do hoje somos. Melhor ter mesmo um espinho na carne. Gr. Bj. Adorei!

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