Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

domingo, 6 de novembro de 2011

Vindo à luz - 2ª parte

   Em volta da mesa, no chão, garrafas e mais garrafas vazias, sobre ela, quatro copos com espumas transbordando pelas bordas, e, em direção aos copos, quatros mãos que os suspendem no ar brindando a chegada da filha de um deles. A alegria era extremada, incontida e alcoólica. Ali, a alegria era individual, cada um estrangeiro em si não se reconhecia. Nada mais humano do que propor um desafio, ultrapassar os seus limites, como se, alcoólicos, já não os tivessem ultrapassado. A comemoração pela chegada da filha de um deles ficou em segundo plano.
     Quarenta, sessenta, oitenta; os batimentos cardíacos foram subindo de acordo com o aumento da adrenalina provocado pela alta velocidade dos carros, pelo desafio proposto, pela sensação de não haver limites intransponíveis. Noventa, cem; o indicador do velocímetro dos carros encaminhavam-se, lestamente, para a direita; nos olhos de cada um o sentimento de vitória. Cento e cinquenta, duzentos, duzentos cinquenta; quando a ultima marcha foi engatada, o pedal do acelerador atingiu o assoalho do carro, ele anteviu a sua derrota. Sua esposa, com sua filha no colo, chorava apoiada na lápide do seu túmulo; emocionado, ele perdeu o controle do carro. Desgovernado, o carro, ao bater em uma pedra no acostamento, voou sobre a mureta de proteção, arrancando a grama da ilha que separa uma pista da outra, chocando-se contra a mureta de proteção da pista inversa, atravessando-a e parando destruído ao chocar-se contra a árvore. Os outros três carros não tiveram sorte melhor.
     Atento à pista, o bombeiro corria em velocidade controlada, desviando com segurança dos automóveis à frente; logo atrás, a ambulância o seguia, também, em velocidade controlada, desviando dos outros carros, com a sirene ligada. Ao chegar, os paramédicos tentaram salvar uma das vítimas; não conseguiram, pois ele não agüentou os ferimentos. O segundo, com as veias do pescoço cortadas pelos cacos de vidro do para-brisa, morreu instantaneamente. O terceiro, apesar dos paramédicos tentarem a ressuscitação, teve, apenas espasmos como se tivesse vivo; não estava. O quarto, agonizando, acabara de perder a pulsação. Algum sinal de vida, pergunta o médico; Nenhuma, responde a enfermeira; Desfibrilador, vamos lá. No três. Um, dois, três, já. Algum sinal, pergunta o médico; Nada, responde a enfermeira; Mais uma vez; Nada; De novo; Nada; Outra vez. A enfermeira balança a cabeça negativamente. Quando já estavam desistindo dele, o médico ergue a cabeça para o céu e implora, Me ajude, por favor. Em desânimo total, lânguido, quase em prantos, ele vê a derrota eminente. Quatro vidas, diz amiúde. Cerra os olhos como quem estivesse esperando um milagre.

    Após ele contar a sua história, os anciões lhe pede para definir, pelo que sentiu, o que era lá fora, lá embaixo e ali dentro. Então ele lhes disse, Lá embaixo é o que há de mais humano, o individualismo; lá fora é o que há de mais divino, a totalidade; e aqui é a passagem e cabe a vocês me julgaram e indicar o caminho. Refletindo, um dos anciões lhe disse, Isso aqui não é um julgamento, mas um atendimento a um pedido de ajuda de alguém que acabou de nascer e lhe ama muito, cabe a você decidir qual caminho seguir. Dizendo isso a sala volta à penumbra e começa a girar.

Continua.

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18 comentários:

  1. Amigo Eder,
    Simplesmente adoro os teus contos e ufa!!!... fiquei sem fôlego! :D
    Beijos, flores e muitos sorrisos!

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  2. SOU MYRA, como ANONIMO!

    ai Eder que coisa mais terrivel!!!!
    mas ja sabe sempre mto bom!
    abraços

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  3. Meu Amigo Éder... Hoje vim apenas agradecer a sua passagem em meu blog no meu aniversário. Receber o carinho dos amigos é sempre bom... Muito obrigada!
    Aproveito para informar que devido a problemas pessoais estarei ausente por alguns dias, mas assim que tudo estiver melhor eu voltarei as postagens.
    Com certeza mesmo não postando eu passei por aqui para ler as suas preciosidades e comentarei a cada leitura que fizer ok?

    Um abraço carinhoso

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  4. Eder, você tem um jeito peculiar e intenso de escrever ...Um jeito que eu amo, viu? Beijos meu lindo, obrigada pela visita ao Solidão!

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  5. Amigo Eder,

    Nessa segunda parte do conto me prendo a uma frase que de certa forma embasa o conteúdo escrito até o momento:
    "Nada mais humano do que propor um desafio..." Mesmo sabendo da sua fragilidade o homem tem dentro de si uma falsa ideia de invencibilidade. Age como se fosse imortal muitas vezes e nem sempre a vida dá uma segunda chance.

    Aguardo curiosa o final do conto...

    Um beijo carinhoso
    A paz permaneça em teus dias!

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  6. Olá Eder,
    Obrigada pela visita ao meu blog. Amo qdo vc passa lá e me deixa um comentário.
    Estou muito atenta ao que vai acontecer no final deste conto. Está muito bom este enredo. Vc é genial para escrever contos, hein?
    Uma linda semana para vc e um grande beijo,
    Maria Paraguassu.

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  7. O que nos transforma em "zumbis delirantes"? Acho que é uma reação, uma tentativa de enfrentar o medo que nos domina, o medo da finitude. E ao desafiar a vida como se imortais fôssemos, nos sentimos como tais. Essa estória tá tomando aspectos de uma psicografia.
    Muito boa e a descrição do acidente vale os efeitos especiais de filmes americanos.
    Muito bom.
    Beijokas.

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  8. Gostei do conto e apesar da morte a vida continua...Muito em escrito parabéns!

    Q vc tenha u,ma excelente semana

    Abraços

    Maria

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  9. Nossa Éder não poderia imaginar esse desenrolar para a primeira parte. Imaginei tanta coisa... Estou acompanhando.
    Beijos e obrigada pelo carinho

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  10. Olá amigo...faço uma pequena viagem todos os dias e toda semana sem exagero passo por algum acidente, esta semana quatro cavalos mortos na pista...dois carros...um caminhão e duas pessoas feridas...nenhuma grave...mas é impressionante a quantidade e os abusos, a falta de paciencia e muitas outras sandices...a estória se confunde com a história...reflexos da verdadeira...
    Um abraço na alma...parabéns pela forma pelo jeito, como sempre soube explorar o tema...

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  11. "Não é um julgamento".

    Calou fundo aqui.

    Muito bom, Eder.

    Um beijo.

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  12. Bom dia com alegriaaaaa!!
    Aqui já encontrei pensamentos de Platão em seu post antigo então já me senti em casa, rss.
    Amei seu espaço da cultura da sabedoria, aqui te sigo, te leio e volto, obrigada pela partilha!!
    com carinho
    Hana

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  13. Oi, amigo, preciso ler com calma, concentrada, e não estou conseguindo juntar tempo com concentração. Mas vim dizer que estou ligada por aqui. beijo

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  14. ...não dá para não ficar curiosa
    a espera do final.

    és um escritor nato...

    bjokas, querido!

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  15. Uma desvairada luta... descrita de forma perfeita. E, no final, estes lindos estigmas filosóficos- os lugares e suas características... os caminhos a serem escolhidos. Parabéns, escrito querido!

    Éder, ao ler seu comentário em Rebento, me emocionei também. Obrigada por este momento maravilhoso.
    Beijo grande

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  16. Ao ler resgato logo esta frase do texto, me chama a atenção:
    "Ali, a alegria era individual, cada um estrangeiro em si não se reconhecia"
    Seu conto me fala de um mundo real, onde beber para comemorar ainda é uma constante, dirigir depois de beber, e principalmente o individualismo tão presente em nossas vidas.
    E sofremos por nossas escolhas e por nossos atos.

    beijo

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  17. (...)As voltas que a vida dá e ninguém consciente de si e do coletivo pode dizer que não agiria assim.
    A continuar a boa leitura por aqui!

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