Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A caverna

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   De repente, num átimo – desses que a vida nos diz muito mais do que se precisássemos de uma vida toda para nos dizer pelas experiências vividas -, ela pensou que o amor fugidio da juventude estivesse morto, ou então perdido nos contornos que a alma dá durante a vida para se livrar das intempéries.
   Quando ela soube que a esposa dele estava entre a vida e a morte, pendendo mais para a morte, não demonstrou nenhum sentimento; como da mesma forma recebera a notícia, há trinta anos atrás, que ele havia casado e tido dois filhos, e anos mais tarde havia separado, casado novamente e tido três filhos. Saiu de todos estes episódios incólumes, mas bastou alguns dias para a mesma notícia ser dito de outra maneira para ela se abalar, como se o amor fugidio da juventude tivesse fugido de entre os mortos, driblado os contornos que a alma deu para dele se livrar, e depois de trinta e dois anos quisesse reverdecer. Em uma tarde fria de maio, não se sabe se trazida pelos ventos outonais, ela recebeu a notícia, não que a esposa dele havia morrido, mas que ele havia enviuvado. E isso fez uma enorme diferença, abalando-a. A caverna estava aberta para toda possibilidade de experimentação, e a luz adentrando fazia do amor por ele jazido no passado, revivo.
   Ela foi despertada na madrugada pelos sonhos febris de desejos irrealizáveis na juventude. A garganta estava seca, os olhos em lágrimas carregavam uma culpa de um pecado não cometido. Pôs a mão sobre o tórax do marido, este murmurou frases inaudíveis, em resposta ao pedido de perdão ciciado por ela entre os dentes cerrados em seu ouvido, virou-se e voltou a dormir. A sua caverna, como ela gostava de chamar carinhosamente a sua casa, estava em total penumbra. Dizia que não precisava de nenhum tipo de luz, artificial ou natural para enxergá-lo ou ele a ela, pois o amor que sentia um pelo outro era o lume que os bastavam para tanto. Foi à cozinha, bebeu uma jarra de água freneticamente e quando voltou ao quarto acendeu a luz sem perceber, quando percebeu sentiu que não era mais a mesma pessoa.
   Sempre nos falta alguma coisa mesmo tendo tudo, pois tudo que temos não é o suficiente para nos bastar, nem o será o que nos falta quando o tivermos.
   Quando ela casou com ele, não o amava, porém, passado dois anos, ela já considerava a possibilidade de está-lo amando. Foi necessário mais três anos para ela perceber que não viveria sem o aroma almiscarado do seu corpo, sem a pele cálida que a esquentava nas noites invernais e a fazia arder tanto nas noites como nos dias veranis, sem a delicadeza com que ele contornava as curvas do seu corpo com as mãos, símile ao pianista ao dedilhar as teclas do piano na intenção de obrar as notas musicais mais harmoniosas; e tanto era assim que se ele fosse eunuco, nenhum homem lhe daria mais prazer do que ele com a destreza das mãos.
   Se o seu amor por ele no início não tinha a beleza do maracujá quando verde, liso e brilhoso, o tinha por dentro, desenxabido. Porém, talmente a fruta precisa que o manto do tempo lhe caia sobre a pele, envelhecendo, para ganhar sabor, assim precisou o seu amor, contudo permanecendo, extrinsecamente, com a beleza e a textura do maracujá verde, e, intrinsecamente, com o sumo saboroso da fruta madura.
   Mas nem sempre nos contentamos com o que temos e nem valor damos. Bastou apenas uma fresta de luz, trazida pela notícia da viuvez do seu amor fugidio da juventude adentrar a sua caverna para abalar as suas certeza e incuti-la a possibilidade de concretizar um desejo já dado como morto, a saber, tê-lo.
   Como ela gostaria que ele se jogasse aos seus pés, impedindo-a de ir. Mas faltava-lhe esta característica latina, passional, de exacerbar em atos físicos os seus sentimentos. Ele permaneceu com os seus olhos sorridentes, magnânimo. A sua dor era silente e intrínseca. A partida foi dada com o sorriso vivaz em seus lábios, em contrapartida, os olhos dela estavam em lágrimas. E os dois não foram sinceros com os seus sentimentos.
   Bastou a cegueira momentânea causada pela luminosidade fora da caverna passar para ela abrir um sorriso. Cego de amor, ele prostrou na cama em posição fetal, esperando que ela ressurgisse, viesse à luz, trazendo luz para a sua vida. Em lágrimas intermitentes, ele escureceu.
   Ela o encontrou com um olhar sofrido, provavelmente pela perda da esposa querida, mas ela sabia que cada um tem o tempo certo para superar as intempéries causa pela dor da perda, por isso não se desanimou. Ele a viu como um alfarrábio que causou emoção no primeiro momento, mas que, depois de lido, é jogado esquecido em um cesto qualquer sem a esperança de lê-lo, novamente. Porém, ele precisava dela para amenizar a dor da perda. Seria preciso reescrever a história para lhe modificar o seu final, mesmo sabendo que reescrevê-la poderia causar sofrimento em dobro, contudo ela queria a mesma história, pois tinha idealizado o mesmo amor, e este amor não permitia outro final sem ser o feliz. Com tantos desencontros eles não se encontram.
   À luz artificial, mais do que iluminá-lo, o desnudou, mostrando como ela realmente deveria vê-lo. Ela o viu extrínseco, como um maracujá amadurecido de aroma mofado como se fosse uma casa que estivesse fechada por trinta e dois anos e ao abri-la exalava todo o estupor de coisa morta.  Ela o viu, também, intrínseco, como um maracujá verde, desenxabido, como se estes trinta e dois anos não o tivesse amadurecido. Foi aí que ela percebeu que o amor fugidio da juventude pertencia ao mundo das ideias, mundo este que ela não deveria ter posto os pés. Ela, ainda vestida, saiu trancando a porta deste mundo, e, mesmo com toda a claridade ali existente, percebeu que precisava da escuridão da caverna para enxergar. 
   Quando ela chegou a sua casa, encontrou-o nu na cama em posição fetal e com a lâmpada da mesma forma que a deixou quando saiu, acessa. Aproximou-se dele sussurrando em seus ouvidos que voltara. Ele fingiu não ouvi-la. Ela repetiu, amiúde. Ele virou a cabeça e lhe disse para ter, pelo menos, a decência de se lavar. Ela levantou da cama, apagou a luz, desnudou-se, deitou na cama o abraçando e lhe disse que não havia necessidade de se lavar. Ele entendeu.
   Após fazerem amor amiúde, em interlúdios intermitentes, eles permaneceram no escuro; porém, não deixaram de se ver, pois eles tinham o amor como lume.
  
      

15 comentários:

  1. Ai, ai... Uma linda história de amor verdadeiro... um amor amadurecido e forte, capaz de superar as crises que se apresentam, afinal, somos humanos e, como tal, imperfeitos.
    Às vezes, saimos pelo mundo hostil para procurar o amor sem nos darmos conta de que ele sempre esteve ao nosso lado.
    Vc tem excelentes idéias e as desenvolve com perfeição.
    Parabéns.
    Beijokas.

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  2. Essa coisa de indentificação é é tudo!
    As pessoas que se amam, se conhecem.

    Abraços.

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  3. Você esteve conosco em nossa postagem coletiva. E o som de seu coração foi ouvido.
    Obrigada por sua participação!
    Um abraço carinhoso

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  4. Oi , EDER !


    Obrigada pela visita ... :)

    BjO e um Sábado de Paz.

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  5. Esse amor diálogo da verdade, tão raro e sofrido para lapidar, parabéns pelo belo texto! um grande abraço!

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  6. Adorei, como sempre! Ser feliz é contentar-se. Ilusões de que há uma pessoa perfeita a nossa espera, feita para nos dar o quintal verde do vizinho. Somos, muitas vezes assim. precisamos provar, para deixar de ter ilusão. O amor pode ser construido, com certeza, e ser muito mais efusivo que qualquer outro. É preciso ter delicadeza e sensibilidade para perceber o almíscar do outro, eternamente, sem precisar de mais nada. Aconteceu comigo. Meu amor eu construí. Bjos

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  7. Oiê,

    Pena que algumas pessoas não dão tempo ao tempo para que o amor tenha chance. O verdadeiro amor nasce e cresce com a convivência (na minha opinião).
    Abraços :)

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  8. Oi Mano! Cheguei!
    [Primeiro, uma perguntinha rápida: você recebeu o email que mandei antes de sair de viagem?]
    Esse seu texto fala profundo, traz memórias, harmonias e desarranjos. Como se fosse preciso o caos para percebermos a paz e o bem que ela nos faz...
    O que dizer? Brilhante, detalhado, envolvente, experiente, como tudo o que você escreve! Beijo fraternal, Deia

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  9. Eder, querido!

    Vim avisar que fizemos algumas mudanças no blog Eu também leio, onde escrevo sobre livros em parceria com a Tempestade.
    E ele acabou mudando de endereço também.
    Sendo assim, quero convidar você, que já nos seguia no antigo blog, a nos visitar e seguir o novo, que agora se chama Universo Literário.

    Visite, dê a sua opinião, mande suas resenhas, suas sugestões...

    Enfim, o blog é pra todo mundo!

    O novo endereço é

    http://universoliterario1.blogspot.com/

    Esperamos você por lá!

    Beijos!

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  10. Expressão de um amor verdadeiro...
    lindo post

    Vim lhe desejar bom começo de semana
    Beijos na alma!
    O mundo é como um espelho
    que devolve a cada pessoa
    o reflexo de seus próprios pensamentos.
    A maneira como você encara a vida
    é que faz toda diferença.

    Luís Fernando Veríssimo

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  11. Olá amigo...prazer estar por aqui compartilhando mais um avez das suas estórias com jeito de Histórias...rsrs
    Isso é muito comum em nosso cotidiano, acontece com muitas pessoas, mas o mais legal disso é descobrir a humnidade de cada um neste processo onde o que acaba ficando é a certeza de que somos gente, portanto imperfeitos...somos gente, passíveis de erros e acertos em nossas escolhas...
    Um abraço na alma amigo...

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  12. Por onde vc anda, heim moço?
    Beijokas.

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  13. __________________________________________

    Nossa! Muito lindo o seu texto... A sua narrativa prendeu-me do começo ao fim em laços de emoção!

    Beijos de luz e o meu carinho...

    ___________________________________________

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  14. Oi, Éder?

    Sério que vc comprou um livro por causa de uma resenha do blog? Qual foi?

    Beijão pra vc!

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  15. Eder,

    A Vida Secreta das Abelhas é uma delícia!
    Tanto o livro quanto o filme. Tenho certeza de que vai gostar.

    Beijo imenso e obrigada pelo carinho!

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