Quando recebeu aquela notícia, ele demorou a acreditar. A carta tremulava em suas mãos, indo ao chão depois de lida. Ele a pegou de volta na esperança que na queda as palavras tivessem embaralhado e modificado o que estava escrito. As palavras quando ganham vida no papel não perdem mais o seu sentido, somente quem ler pode dá-las vários significados após várias leituras. Ele leu, releu, dobrou a carta, colocando-a no bolso traseiro da calça, retirou-a logo em seguida, desdobrou-a, e, mais uma vez, a leu, amiúde. O significado do que estava escrito não mudou:
“Estou morrendo. Vem me ver”
O amor deles não tinha pressa, era um amor de reconhecimento, necessitava muito de saberem das coisas da alma e somente depois, muito depois mesmo, saberem-se pelo físico. Cientistas, eles tentavam decodificar o genoma da alma para quando chegassem, geograficamente, no corpo não se perdessem nas curvas do mapa físico. Foram anos de encontros e reencontros, de discussões e calmarias, de guerras e pazes para, enfim, encontrarem-se na convivência do dia-a-dia e perceberem que não havia uma fórmula mágica para a felicidade. Perceberam que foram feito um para o outro, descobriram o que há de mais sublime no amor, a intenção de fazer o outro feliz. Conjugaram nos dois corpos o mesmo verbo: amar; e as almas se entrelaçaram até se tornarem única.
Aqueles dois seres, tão iguais no amor, tinham uma diferença gritante. Muitos perguntaram como duas pessoas tão diferentes socialmente puderam se encontrar. Como se o caminho para amar somente se desse pelas ruas das razões. Se todos os caminhos fossem retos, o seu fim seria o precipício, por isso havia curvas. E eles a tomaram.
Menininha rica regada a croissant, escargô e salada de aspargos. Menininho pobre temperado a pão na chapa com pingado, zoião estrelado em óleo usado. Totalmente diferentes. Ela, Alphaville, bairro nobre de São Paulo; ele, o outro extremo, Brasilandia. Todas as projeções de futuro tanto para um quanto para o outro eram díspares. Ela, um casamento feliz, adornado a banhos de espumas aromatizadas com rosas e sais; viajem pela Europa; chás às cinco. Ele, aprisionado a uma mulher sempre a lhe cobrar o dinheiro da feira, discutindo apoiados no cansaço diário, conformando-se, enfim, com o destino miserável. Mas os dois pegaram a mesma curva e modificaram os seus destinos.
Os pais da menina rica quando soube da curva que a filha tomou, entraram em desespero. Os pais do menino pobre pouca importância deu ao fato, o que lhe importava era que qualquer caminho que ele tomasse não o levasse a prisão. Depois de saber quem a filha estava namorando, os seus pais lhe mandaram para a Europa com passagem só de ida, sem previsão de volta. Ele não saiu de onde estava, aprisionou-se em sua dor.
Ele colocou para fora, entre as grades, as mãos com a carta. Releu-a. O carcereiro as martelou por pura maldade com o cassetete para que ele as retornasse para dentro. A carta se perdeu no chão e aos poucos foi sendo levada para longe pelos pés infrenes dos policiais que passavam com alguns suspeitos. Enfim uma lufada de vento a levou para fora da cadeia onde ele estava aprisionado.
Absolvido por ter atacado um policial em um momento de fúria, ele saiu da cadeia após três meses do seu julgamento. Livre, ele virou na primeira curva em direção à Alphaville. Ao chegar ao condomínio fechado, em uma das avenidas do bairro no número 1308, ele se perguntou o que diferia a prisão dali. Talvez ali seja mais confortável, mas o encarceramento era o mesmo, pois era o medo que predominava. Riu de seus próprios pensamentos e anunciou-se no interfone. Ouviu o clique do destravamento da fechadura do portão, e assim que o mesmo se moveu, ele virou-se e entrou. Ia cumprimentar o porteiro, porém o vidro da guarita era espelhado, portanto, estaria cumprimentando a si mesmo. Assim que entrou no elevador, lá dentro já se encontrava cinco pessoas silentes, de óculos escuros, apesar de o tempo estar nublado e no elevador não ter tanta luminosidade para tanto. Todos estavam de nariz empinado, acima de suas cabeças, numa atitude de quem estava olhando o céu. Cumprimentou-os e não obteve respostas.
Ao tocar a campainha, a empregada abriu a porta lhe cumprimentando e o encaminhando ao quarto. Agradeceu-a gentilmente.
Ela estava deitada na cama com olhos sofridos e feição de comiseração por si mesmo. Ele agachou-se para lhe perguntar como havia passado estes vinte anos e como estava de saúde. Porém, ela levou os dois dedos à sua boca, pedindo-lhe silêncio. Entregou o CD que estava em cima do criado mudo.
- Você ainda tem este CD? – Disse-lhe.
- Era a trilha sonora de nosso amor.
As lágrimas vieram aos seus olhos e, ele, sem demora colocou o CD no aparelho de som.
“Vem cá, meu bem, que é bom lhe ver
O mundo anda tão complicado
Que hoje eu quero fazer tudo por você”
Após cantar a segunda estrofe da música “O mundo anda tão complicado” da Legião Urbana, ele a chamou para dançar, pegando em uma das suas mãos.
- Não posso. Estou debilitada. Dê a volta na cama e deita-se comigo. Quero sentir o calor do seu corpo nas minhas costas. – Ela disse carregando uma carência no olhar.
- Você não acha que está muito debilitada para isso. – Ele disse entre risos, fazendo gestos para ela entender o que quis dizer com “isso”.
- Deixa de ser bobo. Eu quero é sentir novamente a sua alma entrelaçada a minha.
- E quem lhe disse que nestes vinte anos passados o enlace foi quebrado. – Ele disse se deitando.
Ela dobrou os joelhos quando ele encostou-se ao seu corpo. Os seus já dobrados encaixaram-se prontamente entre a panturrilha e as coxas dela. Fechados em concha, ele a abraçou colocando sua mão no seu ventre. Cantou no seu ouvido mais uma música da Legião Urbana e ela adormeceu com um sorriso de gratidão e felicidade no rosto.
Só você Eder para me deixar com essa cara de boba aqui. Não sei se choro ou se sorrio.
ResponderExcluirbeijos
São as diferênças, amigo!
ResponderExcluirEncontros urbanos de uma legião de diferentes, tipo Eduardo e Mônica.
Você é danado, nobríssimo.
Abraços.
Mano, meus olhos estão molhados - será que foi uma chuva que peguei? "O mundo anda tão complicado...", e seu texto nos mostra que às vezes basta um gesto simples para que tudo se descomplique - mesmo com um intervalo de 20 anos... Um beijo da maninha, Deia.
ResponderExcluirPuxa, que emocionante...arrepiei!beijos,chica
ResponderExcluirBEM...ENFIM...NÃO É? PARA CHORAR NÃO É...TALVEZ RIR...UM POUCO...ESSA SUA MALÍCIA...É FEROZ
ResponderExcluirEDER...
BEIJO
Eder, que história linda de reencontro. Assim como muitas vezes acontece conosco! Espero que após esse encontro, o laudo final tenha modificado, nem que por apenas alguns dias, assim os dois poderão desfrutar um pouco desse amor de alma, após esse tempo de separação ainda que apenas de corpos.
ResponderExcluirUm beijo e parabéns pela sua participação
Ok, meu amigo... tnho que confessar...chorei... chorei como uma criança. ua participação emocoinou-me imensamente, meu querido amigo... que sensibilidade e que expressão de amor colocaste nesta teu texto...
ResponderExcluirLindíssimo, é tudo o que posso dizer!
Beijos, flores e muitos sorrisos!
Amigo, lhe convido:
ResponderExcluirNessa sexta-feira, 24/09/2010, às 22:00 hs, o BLABLABLA NO TELECOTECO/ http://blablablanotelecoteco.blogspot.com/ vai estar recebendo Ique, um dos maiores cartunistas do mundo. O cara é uma fera, realmente! Além das charges publicadas no JB, durante duas décadas, que o levaram a ganhar em duas edições o "Prêmio Esso de Jornalismo", Ique é um dos redatores do "Zorra Total"/ TV Globo e também escultor de sucesso.
É nessa sexta feira, a partir de 22 horas. Não perca!
Abraços.
Quando o amor nos desperta nada nem ninguém pode ser contra.A música nos marca para sempre assim como o amor verdadeiro.
ResponderExcluirImpossível ler e não ficar emocionada diante da sua história!
Um beijo carinhoso
Eder,
ResponderExcluirque história linda,
Tambem participo dessa postagem coletiva
Boas energias,
Mari
Olá, Éder
ResponderExcluirDa letra, recortei: "a garoa como cenário"...
Lindo!!!
Da história uma frase me falou forte ao coração:
"Como se o caminho para amar somente se desse pelas ruas das razões".
Obrigado pelo lindo momento de reflexão e, ao mesmo tempo, de descontração...
Boa sorte! Bela participação!
Gostei muito de ouvir sua canção de AMOR. Obrigado.
Excelente fim de semana com harmonia interior e que seja a primavera uma nova marca em todos os setores da sua vida.
Abraços fraternos.
O amor, de verdade, desses que não suscitam quaisquer dúvidas e nem se "amolece" nas intempéries do caminho, carrega consigo um pouco da fala de Paulo,apóstolo, em sua essência de tudo crer, tudo suportar...
ResponderExcluirEsse é o amor tão bem narrado, tão bem oferecido em seu texto, Eder! Por isso mesmo ele emociona, pois nos toca o fundo da alma, lá naquele cantinho onde guardamos nossas mais fortes utopias e crenças!
E cabe sim uma pitadinha de reflexão, ao pensar no hoje, no aqui e agora, sobre como, muitas vezes, criamos, nós mesmos, as distâncias incabíveis, as grades silenciosas e quase inquebrantáveis e como permitimos ao tempo a "mornidão" do enlace, que quase já não entrelaça...
Um grande abraço, Eder.
Olá Eder!
ResponderExcluirSuas palavras têm uma essência muito além do plano material e temporal. É através dos gestos simples, da pureza de sentimentos que se reconhece a veracidade do amor. Fiquei emocionada sim e ao mesmo tempo senti que ainda há chance para o amor renascer. Basta sabermos conquistar, cultivar e se entregar...
Adorei mesmo o seu dueto... de amor!
Um abraço super carinhoso e um sábado de luz para você!
Uau! Eduardo e Mônica tiveram um final feliz.. será? Muito bacana,apesar de triste,bem perto da realidade, ainda. Abração e bom domingo.
ResponderExcluirQue coisa mais linda, Eder! É de chorar sim. O amor deles... amor desses bem raros, de almas gêmeas. "Fechados em concha, ele a abraçou..." A música é adorável!!!
ResponderExcluirBeijo
No final tudo se encaixa, amigo.
ResponderExcluir: )
Amigo Eder..
ResponderExcluirFiquei emocionado quando li.
Você se emocionou com a música de minha postagem, eu me emocionei com esta história.
Quando o amor vem da alma ninguém consegue matá-lo. O amor espera eternamente, e até acredito que o amor não termina com a morte.
Esse é verdadeiro amor.
Parabéns, participação nota 1000.
Abraços e Deus seja contigo.
Tenha uma excelente semana.
LINDA E BELA PARTICIPAÇÃO. DECLARAR O NOSSO AMOR É DAR A NOSSA GRANDE PROVA DE AMOR..
ResponderExcluirDedicar a musica alaguém é demonstrar um gesto muito especial de amor para quem amamos.
O amor nos enaltece.. Nos glorifica e nos fortalece.
Já fiz a minha música super especial a quem ama. Deixo o convite para vir conferir. acho que é um momento bem especial. http://sandrarandrade7.blogspot.com/
carinhosamente,
Sandra
Emocionante a sua história
ResponderExcluir:)
Parabéns
Te desejo sorte viu
E agradeço pelo carinho da sua visita
vou te seguir posso?
Adorei seu blog
Bom começo de semana pra vc
Beijos na alma!
fun, fun, fun... tástico!!!
ResponderExcluirBom dia, Eder.
ResponderExcluirAi... que nó na garganta!
Vc consegue sempre me fazer chorar.
Lindo demais o seu texto.
Amor verdadeiro é assim mesmo. Mesmo que não estejam juntas as pessoas que se amam, não há nada e nem ninguém que possa matar esse amor, venha o que vier, passe o tempo que passar.
Quando o amor é assim, nem a morte lhe põe um fim.
Lindo demais.
Linda semana pra vc e muito obrigada por estar sempre com a gente!
GRATA PELA SUA PRESENÇA CONSTANTE NO MEU ESPAÇO.
ResponderExcluirBEIJO
Poxa, Eder, fiquei que nem a Ângela, parada depois de ler, com cara de boba. Que coisa mais linda essa sintonia de alma, tão verdadeira e imune a tempo e espaço. Ao mesmo tempo, como é frágil a vida! Que saudade, ou será ansiedade, ou medo, ou... sei lá... senti tudo junto... mexeu comigo.
ResponderExcluirTudo culpa sua!!!
Lindo, Eder, lindo.
Beijokas.