Os pensamentos, as experiências de vidas relatadas das minhas personagens não são reflexos dos meus pensamentos e experiências, mas sim, peças do mosaico que forma o ser humano. Os meus textos não intentam a polêmica, mas nos chamar à reflexão. Deixo o meu email para quem quiser trocar ideias, compartilhar textos e interagir: gotasdeprosias@gmail.com

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Similitude

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  O padre comilão pensara que feito a luz, bastaria a feitura do homem para a criação está completa, assemelhando-se ao criador. Os homens sempre colocaram os olhos sobre a história relatando os acontecimentos de acordo com a visão que lhes convém. Eles nunca atentaram a quem realmente se assemelha, a quem lhes criaram. Não há nada mais demasiadamente humano do que a própria maldade. Não há inferno maior e melhor do que a mente do homem. Todos exteriorizam a minha casa, o meu reino e não atenta para o que é intrínseco ao homem, o próprio inferno. Dentre todos os animais, é no homem onde mais me exteriorizo perfeitamente. Posso assegurar que a mente humana é minha extensão, às vezes eu próprio me confundo sem saber onde eu começo e onde ela termina. Nenhum homem é suficientemente bom para nunca ter praticado a maldade, pois o mal é inato a todos. A bondade nada mais é do que um desvio, uma curva assimétrica ao longo do caminho da humanidade, e, para o meu deleite, de pouco uso. O meu maior medo é que o homem alcance a perfeição, assemelhando-se tanto a mim que eu não tenha mais serventia. Por isso eu peço à Morte moderação. Ela sabe que um humano vivo é mais útil do que morto, e, também, nunca sei quando o meu trono estará em perigo devido à quantidade de mortos habitando o inferno. Apesar de dizerem que o inferno está cheio de boas intenções, não há boa intenção quando há um homem próximo, esteja ele vivo ou morto.
   Antes, vocês me eram risíveis, principalmente ao sacrificarem um dos seus a algum deus em busca de salvação. Porém, agora, vocês são tão patéticos. Cometem o mal corriqueiramente, depois oram para o meu oponente pedindo perdão, noutro dia voltam a cometer o mal, ininterruptamente, sem se atentar que o perdão é a maneira que vocês acharam de estar bem com seu deus. Contudo, perdoar a si mesmo e não cair na tentação de praticar o mal novamente é uma tarefa inglória, cujo sacrifício é tão ou maior do que sacrificar um dos seus para um deus qualquer.
   Sabem, há época que eu peço a Morte que pare de matar vocês, pois há cada um que ela me envia, o meu oponente manda de volta o dobro. Ele é um tolo. Ainda acredita na salvação de vocês. O seu povo eleito, como ele gosta de dizer. Parece que não lhe bastou a morte do seu filho. Um sacrifício inútil, pois quanto mais o tempo passa mais próximo de mim vocês estão. Como tudo isso é patético. Pai, perdoa-os, eles não sabem o que fazem. Essas foram as palavras do seu filho, e lhes digo, vocês sabem sim. Sempre souberam, apenas ignoraram. O mal é o combustível para a vossa sobrevivência e isso vocês não ignoram.
   Houve um tempo que eu tive um prazer imensurável de aniquilar vocês, e quase consegui. Se não fosse a pretensão dele de querer ser perfeito a ponto de se igualar a meu oponente. E vou falar para vocês, ele me saiu esculpido em carrara, melhor do que a encomenda. Mas essa sua mania de superioridade me assustou. Antes que ele se achasse superior a mim e quisesse meu posto – a bem da verdade, o posto que ele almejava era o do meu oponente -, eu lhe enviei a Morte mais sedutora do que um dia ela poderia ser. Foi a única vez que a Morte teve um nome próprio: Eva Braun. E ela exterminou o mais perfeito dos homens mau, cujo único defeito foi ter ousado se comprar ao meu oponente. E com isso a humanidade pensou que o mal estava extinto. O mal em si só será extinto quando a raça humana desaparecer. E isso me reconforta, pois vocês não precisam mais de mim e nem tampouco da Morte. Se há algo que vocês fazem tão bem, e às vezes melhor do que a Morte é se matarem. E por falar nela, por onde ela anda. Ah! Lá vai ela atrás do padre comilão. Ela não perde a oportunidade de matar os mais malvados.
   O padre comilão ia a passos lerdos por achar que o perigo distava dele. Mal sabia que a Senhora soberana o perscrutava. O Cramulhão apreciava a cena de longe. Se havia algo que lhe dava prazer era ver um pastor do seu oponente morrer.
   Quando o padre comilão entrou na igreja foi direto a garrafa com o sangue de Cristo, como ele gostava de chamar o vinho. Sorveu a metade da garrafa pelo gargalo, encheu as mãos com algumas hóstias, levou-as a boca, e, antes que as mesmas se dissolvessem, as engoliu. Em seguida despejou o restante do vinho em uma caneca grande, e, sentando no banco da frente, defronte ao altar, ele bebeu o vinho como se tivesse numa taverna. Não percebeu quando a Senhora soberana entrou na igreja, cobriu a cabeça com o capuz, e deixou a gadanha na entrada, pois há muitas maneiras de se matar um homem. Seduzindo era uma delas.
   Quando ela sentou cruzando as pernas, deixando à mostra as coxas, o padre não sabia se a imagem era devido ao efeito do vinho, ou fruto da sua imaginação, ou ainda obra do cramulhão. Por mais que a razão buscasse uma explicação, nunca a acharia, pois a Senhora soberana levou as suas mãos cálidas às mãos do padre embaralhando os seus sentidos. Desvestido da batina, desnudo de pudor, o padre se entregou a ela. Mais do que o corpo, ele entregou foi a alma. A Morte o beijou na boca, mesmo sentindo a frieza de seus lábios, o padre gemeu de prazer. Afoito, ele pôs a língua dentro da boca da Morte, abrindo passagem para que ela a sugasse. Entremeado por gritos de prazer e dor, o padre quando percebeu o que estava acontecendo, não teve como reagir, era tarde demais. Sua vida foi aspirada pela boca. Regozijando por mais uma vida ter sido ceifada, a Morte se encontrou com o Cramulhão.
   Eles se misturaram a população dando risos cabruncos. Seus risos se confundiram com os risos dos transeuntes. A similitude entre eles e a população era divina, beirava a perfeição.
  

10 comentários:

  1. Nossa, Mano, que frio na espinha! Imaginar que possam ter humanos que tirem o sono do Capeta... uau! Olha que ele já tem companhia de peso lá - Hittler deve fazer uma "festa"! Um beijo, foi completamente diferente do que imaginei - foi MUITO melhor! Você sempre me assombra... Deia

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  2. O padre sifu eno limbo, que coisa!
    Abraços.

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  3. Dá calafrios quando a fala é remetida ao "Cramulhão", entretanto, por conta de tantos desatinos da humanidade (cada vez mais desumana), ele já se torna dispensável. A terra já abriga outros artistas, senhores da vida, senhores da morte, senhores ceifadores de sonhos. É triste.Balas perdidas, balas propositadas, assassinatos no asfalto, requintes de crueldade... Malogros travestidos.

    Neste planeta tão recheado de maldades, ainda é preciso acordar todos os dias, pedir pela própria vida, pela vida dos filhos e familiares, e comprometer-se, consigo mesmo, de permanecer "sendo" um ser humano melhor, humanizador e humanizado, pronto a reconhecer-se inacabado e em busca de sua completude, sempre no outro ser humano.É a índole de quando se crê na esperança,
    no amor e na constância de propósitos. É o que também chamo de congruência.

    E assim fica o convite para perseverar.

    Grande abraço, meu caro companheiro, com quem sempre aprendo!

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  4. Nossa! Será que é assim? O capeta nos espreita? Achei ótimo de ler. Éder, não estou brava com você, imagina... nunca me peça perdão, né? kkk... deixei um recadinho para você no blog. Doru tu amigo. Abraço.

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  5. Você é que quase chegou a perfeição com sua escrita tão envolvente, entre o horror e o fascínio não dá pra parar de ler.
    Saudades e muito carinho pelo amigo.

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  6. Deu um calafrio ler sua história nem quero imaginar quem soprou ela ao seu ouvido! Parabens pelo conto!

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  7. Acabo de oferecer-lhe o Prêmio “Blog de Ouro”. Passe lá no Caminhar & Ruminar para apanha-lo. E, como sempre faço, preciso dizer-lhe que fique à vontade para acolher o presente, passar adiante ou recusa-lo. Fique à vontade, sem quaisquer constrangimentos! Um grande e fraterno abraço!

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  8. Beijo de língua na boca da morte?
    Pelamooooooorrrrrrrr! rsrs
    Como sempre, escrevendo muitíssimo bem.

    Beijos!

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  9. Oi mano!! você viu que lhe dei um selo ontem? Depois pega, tá? beijos, maninha

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  10. Vim agradecer a sua presença em meu blog. Esse carinho que recebemos na blogosfera nos alimenta a alma!
    Aproveitei para ler sua nova postagem... Os sentidos quando despertam... nos levam!!!

    Um beijo carinhoso e feliz!

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